Jorge Manuel Lopes

Norah Jones. Um best-seller para todas as estações


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Anos de familiaridade podem toldar os feitos de uma obra musical e suas circunstâncias. Assim será com “Come away with me” (Blue Note/Universal), o álbum que, em fevereiro de 2002, deu a conhecer a cantora, compositora e pianista Norah Jones. Uma estreia de uma quase total desconhecida, de 22 anos, filha da produtora de concertos Sue Jones e da lenda da música indiana Ravi Shankar. Uma maqueta convenceu a editora Blue Note e o resultado não podia ser mais luminoso. Com a produção de um nome escrito na pedra da história da música popular, Arif Mardin, “Come away with me” chegou aos quase 30 milhões de discos vendidos, a que agora se acrescentará uma dose não negligenciável de unidades com uma edição “Super deluxe” comemorativa dos 20 anos do disco.

Em 2022, “Come away with me” conserva todos os traços de personalidade e virtudes. As 14 faixas originais não podiam ter alma mais americana, resultado de um combinado de aparência simples e direta que escapa a definições curtas. A folk mistura-se com o blues, o country alia-se ao jazz, a soul abraça a pop, o rhythm and blues clássico troca olhares com os cantautores da década de 1970 banhados pela Califórnia. Apesar do carimbo Blue Note, o jazz é apenas uma parcela, nem sequer a mais evidente, de um repertório maioritariamente feito de originais, composto por Jones e por dois músicos da sua banda, o baixista Lee Alexander e o guitarrista Jesse Harris.

À obra já conhecida juntam-se agora dois apêndices não menos nobres, revelando material inédito e fazendo a luz do estúdio incidir sobre ângulos diferentes do material clássico. Um disco que contém a totalidade das gravações de Jones com o produtor e engenheiro de som Jay Newland, feitas em 2000, trabalho ainda mais intimista que estabeleceu os alicerces de “Come away with me”. Outra rodela apresenta a primeira versão do álbum, registada com o produtor Craig Street: também crua, mais noturna e assombrada, ainda mais afastada do jazz. Em todas as encarnações, a entrega vocal de Norah Jones é uma tempestade tranquila. Depois de uma empreitada tão completa, tão precoce, só lhe restava partir, e bem, noutras direções.