Jorge Manuel Lopes

Nada é proibido com The Communards


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Em meados dos anos 1980 o vento estava longe de correr de feição para o disco. Atirado ao chão pela ala reacionária do establishment rock (e branco) ainda no auge do sucesso, o disco fez o percurso repetido por outros géneros musicais quando perdem a atenção do mainstream: regressou à base, aos adeptos militantes, neste caso a um caldo cultural sobretudo queer e negro, e ganhou novas mutações acentuadamente eletrónicas. Além de estar na génese do house, da árvore disco brotou a exuberância musculada do hi-NRG, semeando alguns êxitos nas tabelas de vendas e pistas de dança na primeira metade dos 80.

A reabilitação plena da cultura disco só chegaria na década seguinte mas em 1986 a dupla britânica The Communards levantou um sucesso global com “Don’t leave me this way”, versão hi-NRG ofegante de um tema de 1975 escrito por Kenneth Gamble, Leon Huff e Cary Gilbert, êxito em 76 na voz de Thelma Houston. A nova vida de “Don’t leave me this way” tornou-se o single mais vendido no Reino Unido em 86 e, como os leitores de uma certa idade se lembrarão, passou uma pequena eternidade no top e nas playlists radiofónicas portugueses. Os anticorpos gerados com essa ubiquidade não devem ser impedimento para se regressar, 36 anos depois, a “Communards”, o álbum de estreia da dupla formada por Jimmy Sommerville (uma voz soprano imediatamente reconhecível) e Richard Coles (multi-instrumentista), ambos com passado nos Bronski Beat. Há pouco reeditado numa versão remasterizada e com um segundo CD que agrupa raridades e registos ao vivo, “Communards” contém gloriosas, melodramáticas e extensas incursões por um campo híbrido disco/hi-NRG/synthpop, arrebatamentos de balada tauromáquica para cabaré (“La dolarosa”) ou um standard do cancioneiro americano do século XX entregue de forma airosa (“Lover man”). Há uma riqueza e diversidade neste registo que em muito transcende a caricatura de The Communards de uma banda com apenas um truque na algibeira – e sim, a sua versão “Don’t leave me this way” é um glorioso cântico de libertação.