Jorge Manuel Lopes

Na Lisboa que anoitece


Crítica de cinema, por Jorge Manuel Lopes.

Acaba de ser editado em DVD “Perdido por cem”, filme de 1973 de António-Pedro Vasconcelos. Integra a coleção de joias do cinema luso editada pela Academia Portuguesa de Cinema. É a estreia na longa-metragem de ficção de António-Pedro Vasconcelos e, para lá da conturbada história de amor que lhe serve de combustível, vê-se hoje como um fascinante fresco de um tempo e lugar: Lisboa às portas da revolução, cosmopolita como quase nada mais no Portugal daqueles dias, entre a fuga do Interior, a sangria da emigração para França e a Guerra Colonial que paira como um vespeiro.

A história de amor supracitada é a que une, fugazmente, Artur (José Cunha, na foto), 20 anos, mas que ainda se vê como um “adolescente taciturno”, a Joana (Marta Leitão), ambos em fuga do beco daquilo a que se chama “província”, transplantados para uma capital em que navegam com bússola estragada. São miúdos com tudo e sem nada pela frente. Artur arranja trabalho em rádio e publicidade graças a Rui (José Nuno Martins, surpreendente e intenso), um fala-barato que vive de esquemas. Errático e inconsequente, Artur é primeiro consumido pela ideia de Joana, e mais tarde por ciúmes de fundamento duvidoso – até à entrada em cena de um antigo namorado (tê-lo-á sido de todo?) da jovem, recém-chegado de Angola, armado, à solta por Lisboa. Por este filme cheio de zonas cinzentas passam outros nomes familiares: Paulo de Carvalho, Ana Maria Lucas, Rosa Lobato Faria.

O DVD completa-se com quatro documentários realizados por António-Pedro Vasconcelos e que precedem “Perdido por cem”: “A indústria cervejeira em Portugal”, de 1967; “Tapeçaria – Tradição que revive”, de 68; “Exposição 22 anos de tapeçaria”, de 70; e “27 minutos com Fernando Lopes-Graça”, de 71.