Na demência, a família é um fator a considerar

Um apoio sustentado às famílias e cuidadores reduz o risco de estes virem a desenvolver, eles mesmos, problemas de saúde mental

Após um diagnóstico que afeta a saúde mental, não só o doente deve ser acompanhado, mas também os cuidadores, que têm um elevado risco de desenvolver ansiedade e depressão. Informar e capacitar tem impacto positivo no tratamento dos pacientes.

A demência tem uma taxa de prevalência de 20% em Portugal. Uma das maiores da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Em 2050, estima-se que a doença possa atingir 250 mil portugueses.

Mas quando se fala em milhares de pessoas afetadas pela demência, são tantas vezes esquecidas as tantas milhares que também sofrem com o impacto deste problema de saúde: os familiares e cuidadores. Por cada paciente com demência há cerca de três pessoas no seu círculo próximo que veem a sua vida, de alguma forma, afetada.

Os números são apresentados por Isabel Seixas, médica de medicina interna e diretora clínica adjunta do CIDIFAD – Centro de Investigação, Diagnóstico, Formação e Acompanhamento das Demências, que os considera “assustadores”. Para a profissional, pensar no bem-estar dos familiares e cuidadores não descura a saúde do doente. Pelo contrário. “É importante dotar as famílias de estratégias para que consigam cuidar da pessoa com necessidade de apoio da melhor forma possível.”

E não falamos apenas de apoio a nível médico ou técnico. “O cuidador precisa de apoio desde início, por exemplo, para saber quais as ajudas sociais que existem.” A médica acrescenta ainda que as famílias que são cuidadoras têm maiores taxas de absentismo laboral e alterações de sono, entre outras consequências na rotina familiar, laboral e pessoal. Famílias informadas, acrescenta Isabel Seixas, conseguem lidar de forma mais natural com as alterações que um diagnóstico de demência traz.

Além disso, um apoio sustentado às famílias e cuidadores reduz o risco de estes virem a desenvolver, eles mesmos, problemas de saúde mental, esclarece a psiquiatra Isabel Saavedra. “Os cuidadores sentem-se isolados, apresentando maior probabilidade de desenvolver complicações de ansiedade e depressão.” Estas pessoas próximas do doente com demência, diz a especialista, “têm de ser constantemente ouvidas e, se necessário, tratadas”.

A preocupação com o cuidador e a família é importante, não só pela saúde do próprio, mas também para melhorar a qualidade de vida do cuidador, já que, afirma Saavedra, “ter cuidadores informados e capacitados vai reduzir o número de institucionalizações de doentes e, também, de emergência médicas”. A explicação, continua, é fácil: “Se eu conheço as alterações de comportamento ou os sintomas que podem vir a aparecer já estarei melhor preparado quando acontecer e não necessitarei de tanto apoio institucional ou médico”. Além de a informação e conhecimento ajudarem a que o cuidador se sinta menos isolado, frustrado e ansioso.

O grande desafio

A psiquiatra Saavedra realça que os comportamentos desafiantes são os que suscitam mais dúvidas e receios por parte dos cuidadores. “São as alterações na personalidade, a recusa em comer ou tomar medicação, as ações violentas ou os impulsos sexuais.” É necessário, desde início, informar quem rodeia o doente com demência do que pode acontecer. “Há situações que se podem resolver de forma simples, sem recursos a tratamento farmacológico, mas para isso é necessário que a família esteja informada sobre como agir e tenha formação adequada para lidar com determinadas situações.”

A fase logo após o diagnóstico é, aliás, apontada pela médica psiquiatra, como fundamental. Não havendo nenhum tratamento, ou seja, não se esperando uma cura ou um atrasar da doença, “o diagnóstico de demência tem um impacto brutal na pessoa e na família e amigos”. “Temos de ter uma abordagem real, assertiva, com as expectativas realistas. Não podemos ser catastróficos, mas devemos informar, logo à partida, que não há tratamento nem esperança de reversão ou atraso da doença.”

A demência é um problema complexo, explica, com um tratamento multidisciplinar, a nível físico, mental e social, que procura dar dignidade à vida do doente. Neste processo de dignidade da pessoa com demência, as famílias devem ser integradas logo de início, devendo haver “uma abordagem psicoeducativa”. “Logo após o diagnóstico, o doente e os familiares ficam revoltados, o que é compreensível, e, por isso, devem ter todo o apoio possível.”

Apesar de Isabel Seixas colocar o foco na capacitação do cuidador logo após o diagnóstico, a médica de medicina interna realça também a importância da prevenção. Há fatores de risco, delineados com precisão, para vir a desenvolver demência. A inatividade física, o baixo contacto social, os quadros de depressão, o consumo de álcool, a diabetes, a obesidade, entre outros, são fatores de risco. A internista refere que, “se tivermos uma estratégia macro, podemos estar a intervir na prevalência da demência”.

Prevenir na comunidade

Isabel Saavedra corrobora, “este é um problema complexo, que além de políticas de saúde, exige políticas sociais”. O fator principal para desenvolver demência, esclarece a psiquiatra, é a idade. Mas cerca de 40% dos fatores de risco, define, são “mutáveis” e sobre os quais “as políticas públicas devem ter um impacto”.

Além dos fatores já referidos, de uma forma precoce, Saavedra salienta o nível educacional como essencial. “Quanto mais além eu for na minha educação, e, por consequência, no meu estímulo cognitivo, menor será a probabilidade de vir a desenvolver demência.”

Apesar destes fatores de risco serem conhecidos, a psiquiatra acredita que não há uma abordagem integrada ao problema. “Temos programas para os problemas cardiovasculares, outros para a obesidade, outros para a saúde mental, mas não temos um plano nacional que agregue todos estes fatores de risco tendo como objetivo prevenir a demência e fomentar um envelhecimento saudável.”

Toda esta informação, sublinha Isabel Seixas, é fundamental ser transmitida à população, “mesmo que não haja ninguém na família com este diagnóstico, já que estamos a falar de um número considerável de pessoas e, por isso, quase todos já nos cruzamos ou vamos cruzar com alguém em processo de demência”. Além disso, se houver conhecimento público generalizado acerca da doença, em caso de diagnóstico, o processo de aceitação da condição e da formação como cuidador será facilitada.

É pela importância da passagem de conhecimento à comunidade que o CIDIFAD apresentará, no próximo dia 9 de novembro, o seu primeiro seminário, intitulado “Impacto da demência na pessoa, na família e na comunidade”. O evento começa às 9.30 horas no auditórido do CIDIFAD e terá tramissão online através da rede social YouTube. Salazar Coimbra, presidente da Comissão Executiva da Santa Casa da Misericórdia de Riba de Ave (à qual o centro pertence), descreve a apresentação do CIDIFAD ao público como uma forma de dar a conhecer o trabalho do centro.

A ideia de criar um centro focado na demência surgiu por volta de 2015 quando a Santa Casa recebia constantes pedidos de ajuda por parte de famílias com diagnósticos desta doença. Assim, o investimento foi pensado para criar um centro que, devido à sua complexidade, é único a nível nacional e com poucos semelhantes na Europa, segundo Salazar Coimbra.

O espaço terá três pilares fundamentais: a investigação científica, a formação e cidadania e o acompanhamento. O projeto prevê serviços como uma unidade de dia, apoio domiciliário, terapias ocupacionais, apartamentos para que os cuidadores acompanhem os doentes internados, entre outros.

Sinais de alerta

  • Perda de memória
  • Dificuldade em executar tarefas de rotina
  • Dificuldade no planeamento ou resolução de problemas
  • Trocar o local dos objetos
  • Dificuldade em compreender informação visual e relações espaciais
  • Alteração na capacidade de julgamento/ discernimento
  • Alterações de personalidade e de humor
  • Dificuldade em compreender conceitos abstratos
  • Afastamento do trabalho e da vida social

Apesar de estes serem alguns sinais de alerta, há também situações típicas de um envelhecimento saudável e que não são razão de preocupação, como é o caso do esquecimento de nomes ou palavras que nos lembramos mais tarde; necessidade de pedir ajuda em tarefas que antes conseguíamos realizar; cometer erros ocasionais; tomar decisões erradas de forma esporádica ou não saber onde se colocou determinados objetos.