Muitas sonharam voar quando não era sequer possível. Hoje, contam com milhares de horas de voo. Num meio dominado por homens, as mulheres sentiram muitas resistências à entrada na aviação, mas persistiram, abrindo caminho a outras dezenas de pilotos. O número de mulheres portuguesas a sentar-se aos comandos de um avião tem crescido, mas ainda só chega aos 5% no nosso país. Pelo Mundo, representam 9%. Companhias aéreas e escolas têm tentado atrair o sexo feminino a comandar o cockpit, mas ainda há um longo caminho a percorrer.
Eva Vaz tinha acabado de entrar na companhia aérea LAR (Linhas Aéreas Regionais) quando um comandante se recusou a voar com ela. “Sem razão nenhuma, negou-se determinantemente a voar com uma mulher. Era mais antigo e o piloto-chefe aceitou o pedido dele. Foi no final dos anos 1980, os homens tinham muita força”, recorda, ainda incrédula, a primeira mulher piloto de aviação comercial em Portugal. Nunca voaram juntos. O caminho trilhado por dezenas de mulheres no mundo da aviação tem sido feito lentamente. Já foi há mais de um século, em 1909, que o Mundo viu a primeira mulher da história a levantar voo sozinha: a francesa Elisa Deroche. Durante a Primeira Guerra Mundial, chegou a levar oficiais até às frentes de batalha, debaixo de fogo.
Cá, em 1928, inicialmente contra a vontade do pai, Maria Teixeira foi a primeira mulher portuguesa a obter o brevete de piloto. Várias pilotos de aviação desportiva seguiram-lhe as pisadas, mas foi preciso ainda esperar 64 anos para se formar a primeira mulher piloto de aviação comercial, em 1973, e 81 anos para ver uma mulher entrar no quadro dos pilotos da Transportes Aéreos Portugueses (TAP), em 1990. A companhia aérea portuguesa foi fundada em 1945, mas só no final da década de 80 terá eliminado um dos critérios de acesso a esta profissão, que exigia “situação militar regularizada”, logo excluía as mulheres. Um dos motivos que levou Eva Vaz a adiar a candidatura à TAP. “Assim que soube concorri logo, mas não responderam. Já tinha 38 anos e sabia que era velha para a função. O 25 de Abril foi em 1974, quer dizer que passou mais de uma década até alterarem isso, foi tempo de mais”, critica.
Foram muitas as adversidades que pautaram a vida da piloto, que sabe que pagou um preço por ser mulher. “Não foi um mar de rosas, foi extremamente complicado. Temos de ser mulheres de força, senão desistíamos logo à primeira dificuldade”. Em plena ditadura, num país extremamente conservador, Eva Vaz, natural do Porto, foi para Angola tirar o curso de piloto comercial. Era a única mulher no meio de 25 homens e com um filho de poucos meses de idade. “Pedia para sair a meio da aula para amamentar e da parte dos meus colegas era um gozo destravado. Riam-se. Mais tarde, nos testes teóricos fui a segunda melhor do curso e metade deles chumbou, os risinhos passaram”, conta.
Quando começou a pilotar, em 1973, na ETAPA (Empresa de Transportes Aéreos de Porto Amélia), novo obstáculo. “Voei sozinha na guerra em Cabo Delgado, sem copiloto, a fugir a snipers, a armas antiaérea e aos mísseis. Recebia metade do ordenado dos meus colegas homens, nas mesmas funções, à hora e sem contrato”, rebobina. Apaixonada por “ver o mundo de cima”, hoje continua a voar no seu avião privado, mas não esconde alguma revolta. “Nunca me senti reconhecida oficialmente pelo Estado.” Quase duas décadas depois, em 1988, Paula Costa, a primeira mulher piloto da Força Aérea, voltava a abrir caminho para novas pilotos depois de ser admitida no curso de Ciências Militares Aeronáuticas. A hoje comandante da TAP, que em criança se colava à televisão a ver os lançamentos do “space shuttle” da NASA, sonhava ser astronauta.
Ainda muito nova foi viver para África durante dois anos, onde “ficava maravilhada a ver os ‘Fiats’ (aviões caça)”. Tinha um sonho impossível: ingressar numa instituição vedada a mulheres. Mas, com 18 anos, ouviu o inesperado. “Andava no Instituto de Odivelas, um colégio interno que já não existe, quando o general comandante da Academia da Força Aérea foi lá dizer que as inscrições para raparigas estavam abertas”, lembra. Incentivada pela madrinha e pela mãe, que sempre lhe disseram que “podia ser o que quisesse”, só encontrou as primeiras animosidades à sua entrada na Academia da Força Aérea dentro da própria organização. Hoje tem um vasto currículo na aviação, com mais de dez mil horas de voo, mas ponderou desistir. “Felizmente tive grandes amigos que me acolheram, contudo houve algumas resistências que pesaram. Havia pessoas que estavam contra eu estar lá e criavam dificuldades. A certa altura achei que já chegava, que não estava para lidar mais com isso”, salienta. A única mulher a entrar no curso da Força Aérea com Paula Costa, em 1988, com quem partilhava quarto, acabou por desistir no primeiro ano, o que também não ajudou. “Tive dúvidas em continuar porque fiquei sozinha. Mas decidi ficar”, confessa a piloto que, 18 anos depois de trabalhar na Força Aérea, se mudou para a TAP, onde está desde 2006.
Diná Azevedo, que ingressou na Força Aérea dois anos depois de Paula Costa, realça que “muitas coisas não estavam preparadas”. “Fomos fazer sapatos e camisas por medida. A casa de banho não existia, tínhamos de esperar que os homens saíssem e quando íamos um ficava à porta”, exemplifica. A piloto mais antiga da Força Aérea em funções, atualmente apenas como assessora militar do presidente da República, acredita que a entrada das mulheres também obrigou a uma celeridade nas mudanças de uma instituição muito militarizada e maioritariamente masculina. “Fui para a Alemanha fazer uma missão depois dos ataques de 11 de setembro de 2001. Além dos EUA, nenhum país tinha enviado uma mulher para uma esquadra da NATO. E aí Portugal também foi pioneiro”, sublinha. Paula Costa teve igualmente oportunidades únicas, como fazer o último ano de formação nos EUA. “Tive muita sorte, contactei com outra Força Aérea, outra realidade que me abriu os horizontes”, afirma.
Hoje, após mais de trinta anos, a comandante da TAP garante que teve de dar “bastante mais provas” por ser mulher, mas reconhece que muito mudou desde que ingressou na academia. “Alguns foram aceitando e as diferenças foram diminuindo. As mentalidades demoram muitos anos a mudarem. Depende da forma como as pessoas são criadas e, por vezes, nem têm noção do mal que estão a fazer”.
Na TAP, nunca sentiu discriminação por parte da tripulação. Lembra-se apenas de uma história caricata com um passageiro. “Eu era copiloto e ia voar com uma comandante. Um passageiro começou a fazer perguntas à chefe de cabine quando soube que eram duas mulheres no cockpit. Ela disse-lhe para não se preocupar porque a comandante estava a ver no manual como se fazia marcha-atrás no avião e ele riu-se. Resolveu-se tudo com humor”, conta.
Admitida uma por ano
Todos os anos, a Academia da Força Aérea recebe centenas de candidaturas, por vezes mais de mil, para Ciências Militares Aeronáuticas. O curso, financiado pelo Estado, não abre, porém, mais de 15 a 30 vagas para a especialidade de piloto aviador. Atualmente, há apenas seis em formação, em diferentes anos do curso.
Desde que a Academia admite mulheres, tem entrado sempre uma por ano nesta especialidade, à exceção de 1993 e 2020, quando ingressaram duas. Entre 1993 e 1998 e entre 2004 e 2010 não ingressou nenhuma, tendo sido este último o maior período sem admissões de mulheres na Força Aérea. Em 34 anos, a Academia da Força Aérea formou assim nove pilotos aviadores mulheres e contratou outras três. Destas 12, já saíram sete, existindo atualmente cinco mulheres com a especialidade de piloto aviador. Frederica Franco, 29 anos, é a única a voar neste momento. Natural da ilha Terceira, cresceu a conhecer as dificuldades dos habitantes das seis ilhas açorianas que não têm hospital e a perceber a relevância do trabalho que hoje se orgulha de fazer. “A Força Aérea tem um papel muito importante nos Açores porque funcionamos como ambulância aérea entre as ilhas. Só três ilhas têm hospital. Vir para a minha terra e poder ajudar é bastante gratificante”, diz, com um entusiasmo contagiante, que não deixa dúvidas de que está no sítio certo. “Sou muito feliz a fazer o que faço”.
Nos Açores, mas também na Madeira, explica, “a missão primária é busca e salvamento”. Mas, “o que mais fazemos acabam por ser evacuações médicas”.
A única mulher a terminar o curso de piloto na Força Aérea em 2016, ao contrário de algumas das suas antecessoras, nunca sofreu qualquer discriminação dentro da instituição. “Nunca senti preconceito nem diferença dos meus colegas. A nossa imagem até tem sido usada para promover o curso, para mostrar que já existem mulheres nestes lugares. A aviação é um mundo maioritariamente de homens e a aviação militar ainda mais. Ainda hoje gera espanto e burburinho, mas para mim é o meu trabalho. Não sinto que seja especial”, reconhece Frederica Franco, para quem “a independência e estabilidade financeira” também pesaram na decisão de ser piloto.
A Força Aérea foi o primeiro ramo das Forças Armadas a aceitar mulheres, com a entrada das enfermeiras paraquedistas em 1961. Mais tarde, em 1988, deu-se a incorporação das primeiras mulheres na Academia da Força Aérea. Porém, só em 1990 o ingresso de pessoas do sexo feminino passou a ser extensível a todos os cursos. Hoje, constituem 18% do efetivo da Força Aérea.
O Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA), João Cartaxo Alves, vê com “naturalidade” a entrada das mulheres numa organização dominada por homens. “O papel da mulher evoluiu na sociedade, assim como na Força Aérea. Era uma instituição só de homens. É evidente que a organização, profundamente hierarquizada e militarizada, teve de se ajustar. Desde as instalações sanitárias aos fardamentos. Já tínhamos tido as mulheres paraquedistas, que nessa altura ainda estavam no hospital e a fazer saltos. Já não era assim tanto uma novidade”, assinala. O general João Cartaxo Alves acredita que houve até “uma tentativa maior de integração”. “Não estávamos habituados e começamos a pensar como íamos tratar uma senhora que ia estar aqui todos os dias connosco.”
Cursos podem atingir 85 mil euros
O Mundo evoluiu e, frisa o CEMFA, hoje “utilizamos as ligações aéreas como se utiliza um autocarro”, o que obrigou ao aparecimento de mais escolas de aviação para responder às necessidades das várias companhias aéreas. Em Portugal, existem nove escolas privadas de aviação, distribuídas por Bragança, Porto, Lisboa, Portalegre e Évora. As formações civis de Piloto de Linha Aérea duram cerca de dois anos e os valores podem chegar aos 85 mil euros.
Na Força Aérea, o curso de Ciências Militares Aeronáuticas dura seis anos, pois inclui licenciatura e mestrado, e a formação é paga pelo Estado. Os pilotos aviadores têm de permanecer depois 14 anos na Força Aérea, tendo de pagar uma indemnização se saírem antes. Para João Cartaxo Alves, são formações totalmente distintas. “Um voo civil segue determinados corredores aéreos sempre de uma forma planeada. As operações militares acontecem em cenários muito dinâmicos e complexos, que obrigam a uma preparação muito mais diferenciada e prolongada. Numa operação de busca só saímos quando o tempo está mau e mais ninguém voa”, pormenoriza. Para o CEMFA “não é, por isso, estranho que muitas companhias civis queiram pilotos que já tenham tido experiência militar”.
Atualmente, em voos comerciais, existem 123 mulheres com licença para pilotar um avião em Portugal num universo total de 2931 pilotos, segundo a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC). A maioria, 55, trabalham na TAP, 11 na EasyJet e as restantes 57 acabaram de tirar licença ou estão a trabalhar na Portugália Airlines, Ryanair, Sata Internacional, Sata Air Açores e White Airways.
O presidente do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil, Tiago Lopes, nota “uma procura maior do sexo feminino”. “Temos 67 mulheres sindicalizadas. Já se vê muitas mais mulheres piloto do que se via há 20 anos. É um crescimento que tem acontecido a passos largos”, observa. “Na Força Aérea, há 30 anos ou não concorriam ou não passavam as fases eliminatórias. Os cursos civis que existiam eram para pessoas com muitas posses, não havia a possibilidade de empréstimos que há hoje”, constata.
Nos últimos anos, acha que houve um efeito dominó. “As mulheres viram outras a entrar e perceberam que afinal não era impossível e pensaram: se elas conseguem, nós também.” A comandante da TAP Paula Costa partilha o mesmo. “Muitas não se lembram dessa possibilidade, mas depois tomam contacto com alguém que entrou e pensam que se calhar gostariam de o fazer. Se souberem que há mais mulheres nesta profissão também ficam com mais vontade”, analisa. Mas, pode haver outras explicações para o número quase inexpressivo do sexo feminino na aviação. “As mulheres também têm de querer vir. Têm de querer concorrer.”
Mulheres piloto crescem desde 2017
Apesar do crescimento do sexo feminino na aviação, o número de mulheres portuguesas a sentar-se aos comandos de um avião ainda só chega aos 5%. A Arábia Saudita, por exemplo, só permitiu que as mulheres pilotassem em 2014. Segundo dados recentes do “Pilot Institute”, a nível mundial este valor era de cerca de 9% em 2021, percentagem que cresceu todos os anos desde 2017. Já de acordo com a “International Society of Women Airline Pilots”, existem 7409 mulheres piloto no Mundo, o que representa apenas 5,18% dos pilotos das 34 principais empresas aéreas. A mesma fonte diz que a United Airlines é a companhia com maior percentagem de mulheres piloto. Tem 934 pilotos mulheres, o equivalente a 7,4% de todos os pilotos da empresa norte-americana. Segue-se a alemã Lufthansa, com 7% de mulheres pilotos nos quadros. A British Airways é a terceira da lista, com 5,9% de mulheres piloto.
Em Portugal, a TAP aderiu, no mês passado, à iniciativa 25by2025, lançada pela Associação Internacional de Transporte Aéreo “com o objetivo de aumentar, nas companhias aéreas membro, o número de mulheres em cargos seniores e em empregos sub-representados (por exemplo, pilotos e operações), em 25% ou para uma representação mínima de 25% até 2025”. “Um compromisso para corrigir o equilíbrio de género no setor”, justifica a TAP.
Seis anos antes, em 2016, a EasyJet tinha tido uma iniciativa semelhante. A campanha “Amy Johnson” definiu que 20% dos pilotos seriam mulheres, meta atingida em 2020. “Através dos esforços da nossa iniciativa também duplicámos o número de pilotos do sexo feminino durante esse período”, refere José Lopes, diretor da EasyJet para Portugal.
Por causa desta campanha, Diana Gomes da Silva regressou a Portugal em 2017. A atualmente única comandante portuguesa desta companhia aérea estrangeira estava há seis anos fora do país a formar outras pilotos. Enquanto trabalhava na Etihad Airways, em Abu Dhabi, fundou uma escola de acrobacia aérea e três anos depois tornou-se a primeira mulher e mais nova instrutora de aviação no Médio Oriente. “Treinei as primeiras mulheres árabes em acrobacia. Fui para um país onde as mulheres são discriminadas e, passados seis meses, era instrutora e, passado um ano, era chefe de instrução de pilotos. A maior parte delas acaba por deixar de voar porque casam e não podem trabalhar, mas algumas continuaram”, revela. A família da sua primeira aluna, por exemplo, deixou de falar com ela quando disse que ia trabalhar. “É outra realidade, temos a vida bastante facilitada na Europa”, enaltece.
Num continente onde existe uma abertura profissional bem diferente, são dezenas as que se candidatam nos dias que correm. Em Lisboa, Margarida Durão, 20 anos, ainda está a sonhar com o dia em que levantará voo como profissional. Não falta muito. Acabou recentemente o curso de piloto na Global Flight School (GFS) e já tem respostas a candidaturas de algumas companhias aéreas. Nunca teve dúvidas de que este era o caminho a seguir. “Viajei muito em criança e gostava mais da viagem de avião do que da estadia no destino. Nem pensei em candidatar-me à faculdade porque não havia mais nada que gostasse, o que queria mesmo era isto”, diz convicta.
Sabia que ainda não há muitas mulheres a seguir este sonho em Portugal, mas não foi um entrave. “Tinha noção que eram poucas, o que nunca me impediu de tirar o curso. Na minha turma éramos 11 alunos, dos quais três raparigas, mais do que é comum. Não há nenhum motivo para ser vista como profissão de homens”, sustenta a recém-piloto, que só sente surpresa por parte dos amigos. “Perguntam, ‘a sério, vais ser piloto?’”.
Pesquisou sozinha todas as escolas do país e escolheu aquela que “oferecia mais horas de voo” e “uma simulação numa câmara hipobárica”, componente curricular exclusiva da GFS e da Força Aérea. Para Margarida, a Academia da Força Aérea nem chegou a ser uma opção. “Não cumpria o mínimo de altura. Tenho 1,54 e o mínimo deles é 1,60. Foi por pouquinho”, atira, entre risos. Os homens podem ter até 1,64 para entrarem nesta instituição. Já com licença de piloto comercial, atribuída pela ANAC, só lhe falta mesmo fazer o “type ranting”, qualificação obrigatória para pilotar aviões que tenham acima de 6 mil quilos ou que sejam a jato, ou seja a maioria dos aviões das companhias aéreas.
Ana Gomes, engenheira que com 37 anos decidiu ser piloto, ainda não tem o brevete e a pressão aumenta. “Não é garantido obter a licença para a qual temos de realizar 13 exames teóricos na ANAC. Se não conseguirmos, o dinheiro investido vai para o lixo”, explica. Nesta escola, o curso de Piloto de Linha Aérea tem quatro modalidades e os valores variam entre os 65 e 85 mil euros. Não foi um sonho de infância que a levou à aviação, pelo contrário. Queria vencer o medo de voar. “Pensava que os aviões caiam e só os malucos iam lá para cima. As poucas vezes que viajei correu muito mal.” Com 109 horas de voo, e uma nova paixão, o tal receio vai longe. “Às vezes, só quero ir lá para cima porque aqui são só problemas e lá somos nós e o céu, um passarinho ou uma borboleta”, descreve. Tem quase a mesma idade com que Eva Vaz tentou, mas já não conseguiu, entrar na TAP, há mais de três décadas. Destemida, Ana Gomes ainda sonha ir ao espaço. “Um professor falou-me sobre essa possibilidade e fui ver os requisitos. Um é o curso de engenharia, que já tenho. A nível físico é mais puxado, tenho medo que o corpo já não aguente. Mas o objetivo é ir para o espaço, porque a Terra está a ficar pequenina”, brinca a aluna que não contou a quase ninguém que está a tirar o curso de piloto.
Paulina Schitco, 20 anos, fez o mesmo. “A maior parte dos meus amigos não sabe, mas os que sabem ficam surpreendidos porque pensam em piloto e ainda imaginam um homem fardado. Perguntam-me se é mesmo para linha aérea ou avião privado, ficam surpreendidos”, conta. Veio sozinha para Portugal porque na Moldávia “não existem escolas de aviação”. Vencido um obstáculo, seguiu-se outro, que se resolveu. “Para a minha família o pagamento do curso foi um grande entrave. Muitas pessoas querem ser pilotos, mas a parte das finanças é complicada. Os meus pais acabaram por me dizer que, se eu queria seguir este sonho, tínhamos de arranjar uma maneira”. No Open Day da escola, no qual os aspirantes a pilotos podem efetuar um voo de demonstração, sobrevoou o aeródromo de Ponte de Sor e não teve dúvidas. “Percebi que isto é mesmo para mim. Adorei”, recorda.
Na Global Flight School, aberta em 2019, a percentagem de mulheres no cockpit é de cerca de 2%. Segundo Nélio Fidalgo, presidente da GFS, em sete cursos tiveram 48 alunos, dos quais oito raparigas. “Infelizmente a presença feminina é sempre menor que a masculina nestas atividades. Antigamente, dizia-se que ser piloto era só para os homens e aparecia uma senhora que furava essa tradição. Neste momento, vê-se um nítido crescimento, mas ainda não é aquilo que expectávamos porque há sempre alguns constrangimentos. Por vezes são os familiares (que não apoiam)”, indica o antigo diretor executivo da escola de aviação Gair Training Centre.
Embora muitos ainda hoje reajam com surpresa quando Margarida e Paulina dizem que vão ser pilotos, a estupefação está longe de ser aquela que Eva Vaz sentiu, no final da década de 80 do século passado, no aeroporto de Lisboa. “Como era a única mulher fardada, uma senhora veio ter comigo e disse que precisava que eu desse um recado a uma colega minha. Eu disse que não sabia a quem havia de o dar, porque não tinha nenhuma colega. Ela pensava que eu era polícia e quando disse que era piloto ficou surpreendida. Não conhecia nenhuma piloto mulher.”