Menstruação. Quando o sangramento é excessivo

Armanda Ferreira sofreu todos os meses, dos 12 aos 54 anos, com fortes dores associadas ao período menstrual

As hemorragias abundantes e repetitivas durante o período são um sinal de alerta. Uma das principais causas da anemia na mulher. Pode haver dor ou pode haver silêncio. Em todo o caso, tudo o que sai fora do padrão não pode ser ignorado.

Armanda Ferreira di-lo com todas as palavras e sente-o com todas as suas forças. Se há mulher que sofreu com o sangramento abundante na menstruação, foi ela. Dores no peito, dores abdominais, dores lombares, hemorragias, desconforto, mal-estar. Eram dias difíceis, demasiado pesados, duros de aguentar, física e emocionalmente. Quando estava menstruada, usava sempre os pensos mais resistentes, ultra-noite, independentemente da hora do dia. Vestia sempre roupa escura e larga para sair de casa e ir trabalhar. Sentia mais dois quilos no corpo. Custava-lhe ir à casa de banho. Usava cuecas justinhas, sentia ansiedade imensa antes de o período chegar. Era sempre assim durante cinco dias por mês, 60 dias por ano.

“Sofri todos os meses, era como se tivesse um filho todos os meses”, desabafa. Aos 12 anos, a primeira menstruação, dos 17 aos 54, lembra-se bem dos sangramentos abundantes nessa altura do mês. “Quando era nova, novinha, diziam ‘isso vai passar’. Não passou. Depois diziam ‘quando tiveres um filho isso vai passar’”, recorda. Também não passou. O seu útero foi analisado ao microscópio num hospital, fez todos os exames possíveis, continuou a fazê-los a vida toda. Tudo o que era pedido. Nunca detetaram nada, nenhuma causa, nenhuma explicação. “Nunca descobriram nada, diziam que era de mim, que eu era assim.” Aos 54 anos, deixou de menstruar. “A menopausa foi a minha libertação, estou muito feliz por estar na menopausa”, confessa. Armanda tem agora 65 anos.

A menstruação tem as suas idiossincrasias, não é sempre igual, varia de pessoa para pessoa. A literatura científica indica que o sangramento menstrual intenso é uma perda de sangue maior do que 80 mililitros por ciclo, o que nem sempre é fácil de medir, de avaliar. A partir dessa medida, são hemorragias que causam preocupação. Se o penso, o tampão ou o copo menstrual não aguentarem pelo menos três horas, então é um caso sério. Uma coisa é consensual. O sangramento menstrual intenso e excessivo é referido com uma perda anormal que interfere na qualidade de vida física, social e emocional de uma mulher. Os impactos podem ser devastadores.

“Tudo o que se afasta do padrão menstrual da mulher, que varia de mulher para mulher, é um sinal de alerta”, refere Amélia Pedro, ginecologista no Hospital CUF Sintra, presidente da secção de Colposcopia e Patologia do Trato Genital Inferior da Sociedade Portuguesa de Ginecologia. As causas das hemorragias são diversas. Alterações hormonais, alterações sanguíneas, pólipos que crescem nas bordas do útero e provocam sangramento e menstruações intensas, miomas uterinos que são pequenos tumores benignos, disfunções ovulatórias, problemas de coagulação, endometriose por anormalidade do revestimento do útero e os tecidos não conseguem bloquear o sangramento. No limite, um cancro do endométrio, do ovário, do útero.

Cada caso é um caso. Há hemorragias e há hemorragias. As hemorragias sem calendário, aquelas que não estão relacionadas com a menstruação, são motivo de bastante alarme. É preciso perceber o que se está a acontecer. Hemorragias esporádicas são uma coisa, hemorragias frequentes são outra. “Um episódio isolado não é, habitualmente, motivo para grande preocupação. Quando é repetitivo é necessário perceber o que se passa”, adianta Pedro Baptista, ginecologista e obstetra, responsável pela Unidade de Trato Genital Inferior do Hospital de São João, no Porto. Poderá haver alterações nas plaquetas sanguíneas, problemas de coagulação, uma anemia a caminho que, por vezes, não dá sinais evidentes, além de um cansaço que não desaparece.

Os sangramentos excessivos também acontecem em determinadas circunstâncias. “São mais frequentes quando os ciclos não são ovulatórios”, explica Amélia Pedro. “E são mais frequentes nos extremos da vida reprodutiva”, acrescenta. Ou seja, na adolescência e na pré-menopausa. “Na adolescência, o funcionamento do ovário ainda não está devidamente ‘regulado’, o endométrio prolifera de forma desorganizada e acaba por se desmoronar”, observa Pedro Baptista. As menstruações são mais intensas. A obesidade é um fator de risco em qualquer idade. Toda a atenção, portanto, quando, sustenta Pedro Baptista, “o padrão menstrual se altera, seja a quantidade, as características, o fluxo”.

Quantidade, frequência, circunstâncias

Armanda Ferreira lembra-se bem do que passou. “Nunca tive um mês de sossego, foi muito difícil.” Dores no peito, não conseguia dormir, dores na lombar, postas de sangue, tinha de caminhar devagarinho. “Era um desconforto tão grande. Torcia-me de dores e colocava-me numa bolha, como um bebé, na posição fetal.” Tomou a pílula durante alguns anos, deixou de tomar, sentia que os anticoncecionais bloqueavam o funcionamento do seu corpo, como não havia diagnóstico, tomava medicação para as dores, chegava aos quatro Brufen por dia. As hemorragias continuaram sempre com ou sem pílula. “Nunca detetaram problemas. Sempre fiz os exames todos e a tudo, desde que me casei. Nunca desmaiei, sentia que estava fraca, nunca apanhei uma anemia. Como comia bem, talvez isso me tenha ajudado.” Era certinha no período, sofreu bastante, quando deu à luz não achou as dores assim tão fortes, tal era a sua tolerância à dor.

Patrícia Lemos é educadora menstrual e para a fertilidade, mestre em Sociedade, Risco e Saúde, fundadora do Círculo Perfeito, projeto pioneiro, no nosso país, para a educação menstrual, literacia do corpo e da saúde. No seu livro “Não é só sangue – uma conversa sobre o ciclo menstrual”, demonstra que o fluxo menstrual é composto por várias coisas, isto é, tecido endometrial, muco, secreções vaginais, e que apenas entre 30% a 40% é, de facto, sangue. Escreve ainda que a média de sangue perdido por período é de 30 a 50 mililitros, podendo chegar aos 80 sem problemas de maior. “Não podemos olhar para tudo o que sai da vagina como menstruação”, realça. E quem toma a pílula não tem propriamente menstruação, tem uma hemorragia de privação.

A menstruação acontece em ciclos espaçados entre 21 e 25 dias. “É um sangramento que decorre de um ciclo que teve uma ovulação.” É necessário analisar bem o que acontece com o corpo, a perda de grandes quantidades de sangue pode provocar uma anemia, dada a falta de ferro. É preciso analisar em termos de abundância, de frequência, de timing. “Se há um desequilíbrio hormonal, alterações na cavidade uterina, miomas, alterações no funcionamento da tiroide”, salienta Patrícia Lemos. “Em primeira instância, dar informação às mulheres para identificarem o que é típico e o que não é típico.” Não é suposto, por exemplo, menstruar de 15 em 15 dias. Há stress? Há uma alimentação restritiva? O que está a acontecer? “Normalmente, admitem que é a vida moderna que lhes drena a energia, quando há muito mais do que isso.” E a qualidade de vida ressente-se.

É necessário entender o que é uma menstruação abundante, um sangramento fora do comum, uma hemorragia. Período deve ter dois a sete dias, mais do que isso já é abundante. “Olhar para a quantidade. Se mudar de penso, de tampão, com regularidade inferior a três horas, o fluxo é abundante.” Essas perdas têm de ser bem analisadas e entendidas porque podem provocar desconforto, dores, cólicas. E os coágulos? Consistem num misto de sangue coagulado, muco e tecido, são normais em quem tem período abundante e num dia de maior fluxo menstrual. “Se estivermos a falar de um ou outro coágulo e de dimensão reduzida, do tamanho de moedas de um ou dois cêntimos, sem outros sintomas, não há, à partida, sinal para alarme.” Agora coágulos maiores do que moedas de um euro, aí sim, não é para esperar, é para ver o que se passa.

A abundância exige atenção. Cristina Mesquita de Oliveira, presidente da VIDAs – Associação Portuguesa de Menopausa, assinala que as hemorragias na pré-menopausa causam bastante apreensão. É uma altura em que os períodos podem ser mais abundantes, mais intensos, mais curtos entre si. É uma altura de alterações hormonais e em que o organismo se está a adaptar a uma nova condição. De qualquer forma, as mulheres que entram na menopausa ficam alarmadas, desassossegadas, quando sentem hemorragias. “É um grande susto, é o maior susto que referem. Não se assustam da mesma maneira com os calores, com as infeções urinárias. Assustam-se porque é sangue, tem esse caráter simbólico, e o sangue assusta”, reconhece. Atemoriza porque se pensa no pior, num cancro do ovário ou do útero. E porque não é comum, não é normal. “O sangramento fora do normal é a primeira causa de procura de ajuda médica.” Nas mulheres em pré-menopausa.

O tratamento das hemorragias depende sempre das causas associadas. Há medicação, há dispositivos intrauterinos, há cirurgia. Cada caso é um caso. “Se há ou não alteração hormonal, depende das causas que serão disfuncionais”, diz Amélia Pedro.

Cristina Mesquita de Oliveira está a escrever um livro sobre menopausa, que será lançado em outubro, e lembra que a Organização Mundial da Saúde já alertou que “aquilo que são queixas das mulheres é desvalorizado no Mundo todo”. “No caso do sangramento abundante é preciso perceber o que se está a passar”, reforça a presidente da Associação Portuguesa de Menopausa.

Factos e números

Anemia
A hemorragia menstrual excessiva, cientificamente chamada de menorragia, provoca a diminuição acentuada de ferro e o surgimento de anemia, o que significa menos quantidade de oxigénio no organismo.

Perder mais de 80 mililitros por ciclo é considerado um sangramento excessivo, sendo o normal 30 a 50 mililitros. De forma simples, se o penso, o tampão ou o copo menstrual não aguentarem pelo menos três horas, pode ser problemático.

Causas
São várias e cada caso é um caso. Pólipos, miomas uterinos, alterações hormonais e sanguíneas, disfunções ovulatórias, problemas de coagulação, endometriose.

Sintomas
Dores em várias partes do corpo. Cansaço fácil e constante. Coágulos na menstruação. Inchaço abdominal. Febre.

Licença menstrual em Espanha
É o primeiro país europeu a conceder baixa de três a cinco dias, paga pela Segurança Social, para situações de períodos menstruais dolorosos e incapacitantes. O projeto de lei já foi aprovado em Conselho de Ministros e deverá ser oficializado pelo Parlamento espanhol.