Material escolar em segunda mão? Sim e já é tendência

Rita Quintela tem quatro filhos e compra material escolar em segunda mão desde há muito. Por preocupações financeiras, sobretudo. Antes da gratuitidade dos manuais escolares para o ensino público, chegou a criar um banco do livro em Aveiro, numa época em que ainda havia muito preconceito com a reutilização

Das calculadoras científicas usadas aos manuais, o mercado da reutilização está a ganhar espaço também na hora do regresso às aulas. Ainda não é opção para todos, mas permite emagrecer a fatura dos pais nesta fase.

Rita Quintela há muito que compra material escolar em segunda mão, muito antes de a consciência ambiental entrar na agenda. Quatro filhos (três raparigas, de 23, 22 e 18 anos, e um rapaz, de 14) talvez seja explicação que baste. E não pinta um quadro verde de preocupações com sustentabilidade. É sincera. “Comecei a fazê-lo mesmo por preocupações financeiras, por necessidade. Era impraticável com duas filhas no Secundário, por exemplo, estar a comprar duas calculadoras científicas.” Tanto que procurou tudo em quanto pudesse poupar. Ainda os manuais escolares reutilizados não eram prática e já ela o fazia. Pedia a pessoas amigas que tinham do ano anterior e até chegou a criar um banco do livro em Aveiro. Ia a Lisboa de propósito buscar alguns. Mesmo que sentisse na pele o preconceito. “Recebia muitas críticas, mas hoje está diferente, há muito mais tendência para reutilizar, para o upcyle e até fica bem. Antes, parecia mal.”

O que não pode fugir a comprar, como cadernos, canetas e lápis, vai a uma grande superfície. Em tudo o resto, vasculha, entre redes de amigos e plataformas online. Compra calculadoras científicas no OLX, que depois vende em terceira mão. “Mesmo roupa, compro sempre em segunda mão. Atualmente, com a Vinted, então, tudo está mais simples.” A farda dos escuteiros para o filho comprou usada. Computadores, dos Magalhães aos oferecidos pela escola, nunca investiu um cêntimo. E telemóveis compra recondicionados para toda a família. Então e os livros de leitura obrigatória? “Vamos à biblioteca municipal ou da escola e alugamos.”

No que toca às mochilas, é adepta de investir numa muito boa que dure anos e anos. “As miúdas tiveram uma mochila cada uma que durou para sempre. O meu filho rapaz usa a mesma mochila desde o 1.º ano e vai agora para o 8.º. Só este ano é que lhe comprei uma nova, porque estava realmente a precisar.” O segredo, diz, é não ceder à pressão dos miúdos para todos os anos terem material novo.

Mas é certo que nem sempre as compras em segunda mão correram bem, foi aprendendo com o tempo. “Paguei uma vez uma calculadora científica sem a ter recebido. A máquina nunca apareceu e o perfil da pessoa no OLX desapareceu. Aprendi, se tiver que pagar antes, a pedir identificação da pessoa e contacto. Foi a única vez.” E garante que, apesar de dar muito trabalho, poupa centenas de euros.

O arranque do ano letivo não é pera doce para a carteira dos pais. Vamos a contas. No ano passado, em média, cada família pensava gastar mais de 300 euros em material escolar. Este ano, com a inflação, a fatura deverá aumentar. E as opções de material escolar em segunda mão começam a emergir. É o caso da loja online Book in Loop. Surgiu em 2016 como plataforma de compra e venda de manuais escolares usados, antes de o Governo ter avançado com a gratuitidade no ensino público. “Na altura, os pais poupavam 80% do valor. 60% na compra e 20% na venda”, comenta Ricardo Morgado, cofundador. Ainda continuam a vender manuais escolares usados, numa opção direcionada para o ensino privado, mas alargaram a oferta. Desde calculadoras científicas usadas – com pilhas novas e garantia – a menos de metade do preço até cadernos reutilizáveis da marca portuguesa Infinite Book (permite apagar o que se escreveu e voltar a usar) ou post-its sustentáveis. No futuro, estão a pensar investir em mochilas e estojos usados.

E o interesse é cada vez maior. “Nos manuais, a partir do momento em que o Estado garantiu a gratuitidade, a procura baixou. Mas vemos uma procura crescente por outros produtos reutilizados, que tenham garantia de qualidade.” Sendo uma loja online, a análise é arriscada, mas Ricardo Morgado avança ainda assim: “O nosso público são pais relativamente jovens, que têm um ou mais filhos no ensino obrigatório e que estão sobretudo nas grandes cidades. Não compram só pela poupança, mas pela questão ambiental.” Este ano, pela primeira vez, a Book in Loop também tem à venda manuais escolares novos e é possível usar os vouchers oferecidos pelo Estado. Com uma diferença: por cada livro comprado, a empresa tira da atmosfera 1,2 quilogramas de CO2, através de projetos de compensação da pegada carbónica.

Comprar a cheirar a novo

Apesar de a oferta estar a dar passos largos nesta área, há quem prefira tudo a cheirar a novo. Mónica Bandeira é mãe de um casal de gémeos, Adriana e Felipe, de 13 anos, que estão a caminho do 8.º ano de escolaridade. Não é adepta do mercado de segunda mão, mas também não é de desperdícios. Se ainda têm coisas boas do ano anterior, não compra. Aproveitam lápis de cera, lápis de cor, canetas, réguas, esquadro, transferidor, compasso. Tudo o resto entra numa lista para irem juntos, em família, comprar. Desde cadernos aos livros de fichas. “Ficam muito entusiasmados, sempre que vamos comprar material escolar é uma excitação.” Adriana é mais exigente que Felipe, gosta de renovar todos os anos o estojo. “E gosta do caderno XPTO, das canetas de cores. Para ele, qualquer coisa está bem”, diz a mãe. Mochilas, só trocam às vezes. “Já tenho a minha há três anos”, atira Felipe.

Mónica Bandeira e Anselmo Hernandez têm dois filhos gémeos. Em cada regresso às aulas, aproveitam algum material do ano anterior. Os restantes produtos compram novos e em duplicado. De canetas de cores a estojos ou livros de leitura obrigatória. Marcam um dia na agenda e vão em família às compras

Estando os dois no mesmo ano, é tudo a duplicar. Até quando há livros de leitura obrigatória, Mónica compra dois. “Um para cada um. Caso contrário, há guerra.” A roupa para Educação Física compram nova, embora tentem aproveitar os saldos ou outlets. E é nos equipamentos para o basquetebol (os dois jogam no Beira-Mar) que a fatura engorda. “Comprar em segunda mão não é um hábito nosso. Só comprámos uma vez um computador usado e não correu bem”, conclui Mónica. Há uma certeza porém: a oferta do usado nesta matéria, com mais garantias de qualidade, está a crescer a olhos vistos a par da procura. O que pode ajudar a aliviar uma fase de grandes gastos para as famílias.

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Rita Quintela tem quatro filhos e compra material escolar em segunda mão desde há muito. Por preocupações financeiras, sobretudo. Antes da gratuitidade dos manuais escolares para o ensino público, chegou a criar um banco do livro em Aveiro, numa época em que ainda havia muito preconceito com a reutilização

Mónica Bandeira e Anselmo Hernandez têm dois filhos gémeos. Em cada regresso às aulas, aproveitam algum material do ano anterior. Os restantes produtos compram novos e em duplicado. De canetas de cores a estojos ou livros de leitura obrigatória. Marcam um dia na agenda e vão em família às compras