Maria João Baptista: a médica da Francisca

Maria João Baptista é presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de São João, E.P.E.

Foi uma criança contestatária, reguila. Excelente jogadora de xadrez. Na liderança da gestão do Hospital de São João, depois de três anos como diretora clínica da unidade, será sempre e antes de mais a doutora João.

“Olho para ela e acho que é a pessoa certa para tratar de mim. É uma doutora espetacular.” Francisca tem 12 anos e a patologia cardíaca rara que a atormenta é vigiada de perto por Maria João Baptista há uma década. Francisca, que quer ser cabeleireira – “hoje, daqui a uns anos veremos” -, não encontra defeitos na “doutora João”. Conhecedora da matéria, garante: “Até o cabelo é giro”.

Estabeleceram uma relação de confiança. “Desde sempre. Desde os meus dois anos”, diz. Na última consulta, sentadas lado a lado, a médica explicou-lhe por que razão não pode praticar a modalidade desportiva que tanto quer. “Quando é a doutora João a explicar, aceita. Quando sou eu, nem sempre”, sublinha a mãe, Raquel Sousa.

A nova presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de São João, E. P. E. é, antes de mais, “a médica João”. É médica que se sente. Só muito depois gestora. “Vejo nela a médica – será sempre – capaz de trazer para a gestão esse aporte, mais-valia que tanto se tem feito sentir”, salienta Fernando Araújo, antecessor e atual CEO do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Até agora, enquanto diretora clínica do Hospital, manteve as consultas das urgências de Cardiologia Pediátrica, continuando a realizar procedimentos muito específicos “que poucas especialistas fazem”, mantendo uma atividade clínica “esgotante”, frisa Araújo. Competências que valeram “vários convites do privado e propostas salariais muito mais vantajosas”, revela o médico, desafios que Maria João declinou.

É defensora “acérrima” do SNS. “Não adianta estar a queixar-me do que está mal se não tentar fazer nada para melhorar a situação. Na medicina mudamos a vida de cada pessoa. Nestas funções posso mudar a vida de utentes e profissionais.”

Não crê em pessoas salvíficas. “O que faz mudar as coisas são as equipas.”

Marta Grilo, intensivista pediátrica, fez parte de um grupo de trabalho coordenado por Maria João Baptista. “Foi uma ótima chefe. Tem uma capacidade inacreditável de agregar pessoas. Nunca lhe telefonei e ela não pudesse atender.” Diz da amiga: “Extremamente inteligente, estabelece com colegas e doentes uma relação ímpar. Sempre disponível, sempre com a porta do gabinete aberta. Dá o número de telefone aos pais, coisa que hoje é rara”.

Não há urgências mais urgentes do que as cardíacas pediátricas. Pais com ansiedade imensurável. “Olho para ela e vejo tranquilidade”, realça Raquel Sousa. “Sei que posso contar com ela. Mantém com a Francisca uma relação aberta, calma, segura, sem medo.” Acrescenta: “Se aceitou um cargo de gestão é porque sabe que pode fazer um bom trabalho”.

Marta Grilo, pensando nas capacidades de chefia da amiga, chama-lhe “animal de palco”. Recorda uma “situação desesperante”, em que Maria João Baptista “fez à primeira, com uma calma imensa e contagiante, um procedimento que eu tinha tentado sem sucesso várias vezes”.

O pai, Augusto Baptista, não encontra defeitos na “miúda” que um dia, com cinco anos, lhe perguntou “o que é pensar?”. Ela diz que tem vários. “O principal talvez seja a dificuldade em tomar decisões. Sou Balança de signo, gosto de analisar todos os prós e contras e isso leva algum tempo. Mas tenho vindo a melhorar esse aspeto.” Adiciona o pai: “A João é muito responsável e com uma enorme capacidade de antecipação”.

Nas reuniões, tem o hábito de encaracolar com os dedos uma mecha de cabelo. Gosta de viajar, de mar, de nadar, de cozinhar risoto de cogumelos – é vegetariana assumida -, de pulseiras. Do gato Pablo. De xadrez. “Em criança, jogava mesmo muito bem”, lembra-se o pai. Augusto Baptista, repórter fotográfico e jornalista, levou a família para Angola nos anos 1970, em cumprimento de uma comissão militar. “Dava-se com toda a gente, falava com todos, já então brincava com estetoscópios”, conta, garantindo, no entanto, que nem ele, estudante de Medicina durante uns anos, nem a mulher, enfermeira, tiveram influência. “Podia ter sido advogada ou escritora”, diz Maria João Baptista, confessando um sonho antigo: “Adorava trabalhar na rádio”.

Foi uma criança contestatária, reguila, com a consciência precoce de que tem uma “obrigação social e de respeito pelos outros”. Também é assim que olha para a medicina e para as crianças que trata. E vai continuar a tratar, apesar das novas funções. “Não infantilizo os meus doentes, levo-os a sério, muito a sério, sempre que conversamos.”

– Que presente darias à doutora João?
– Vinho, responde Francisca.
– Champanhe, para brindarmos com ela. E chocolates, diz a mãe Raquel.

Maria João Ribeiro Leite Baptista
Cargo:
presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de São João, E.P.E.
Nascimento: 12/10/1970 (52 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Porto)