Manual de sobrevivência para as primeiras férias com um filho

A praia, o calor, as viagens, o que levar, como fazer, o que esperar. Um guia prático para uma experiência que promete ser tão inesquecível quanto desafiante.

Dias agitados, noites mal dormidas, a rotina da parentalidade que mal deixa tempo para respirar, o excesso de trabalho a levar-lhe a pouca energia que resiste ao rebuliço de uma nova vida. Uffff, nunca precisou tanto de parar, pois não? Mas sabe mesmo o que esperar das primeiras férias com um filho? O melhor ponto de partida será, porventura, uma amnésia seletiva. Isto é: esquecer as férias perfeitamente tranquilas, só sol e descanso, nem uma ponta de stress para beliscar a quietude dos dias. Férias com filhos são outra coisa. As primeiras férias com um bebé, então, são uma realidade à parte. Uma nuvem de amor, sim, mas também uma rotina totalmente reconfigurada, com trabalhos redobrados. Há boas notícias, ainda assim. A primeira é que se houver uma preparação adequada, os sobressaltos podem reduzir-se. Foi a pensar nisso que resolvemos compilar aqui uma espécie de guia prático para pais que estão prestes a estrear-se nas férias com os rebentos.

Comecemos então pela história de Verónica Alves, 37 anos, mãe de um bebé de 16 meses que é um poço inesgotável de energia, com as exigências próprias da idade. No verão passado, como a cria ainda nem seis meses tinha, acharam que o melhor seria mesmo manterem-se por Lisboa. Agora, pareceu-lhes que estava mais do que na altura. E então no mês passado rumaram a Fuerteventura, no arquipélago das Canárias, para uma estadia de dez dias. “Confesso que ia com as expectativas mesmo no lodo. Pensei que fosse ser muito mau por causa das sestas, porque cá o Gabriel só dorme na cama e no escuro. Ainda por cima quando lá chegámos, alugámos um carro e deram-nos uma cadeira de bebé que era uma porcaria, achei que ia ser impossível dormir ali. Mas, como foram muitos estímulos novos e andava mais cansado, fartou-se de dormir na cadeirinha. E em qualquer sítio, na verdade. Até com a música super alta e as pessoas a falarem alto ao lado dele.”

A flexibilidade e capacidade de adaptação acabaram por revelar-se fundamentais. “Tentámos descomplicar ao máximo a parte das sestas e da comida. Ia fazendo as sestas no carro ou no sling [espécie de pano que permite transportar o bebé ao colo]. Nos sonos noturnos é que tivemos sempre o cuidado de manter a mesma rotina. E quanto à comida, íamos aproveitando, dentro das opções que o hotel tinha, as mais adequadas para ele. Para o pequeno-almoço, iogurtes líquidos com fruta em pedaços, queijo flamengo, ovos, fruta. Para o almoço e o jantar, havia uma parte de grill, em que escolhíamos o que queríamos e era feito na hora. No caso dele, sempre sem sal. Depois, juntávamos uns legumes cozidos, eventualmente mais alguma coisa que tivesse poucos molhos e condimentos, mais fruta. E resolvíamos assim.”

Além de pequenos cuidados que fizeram questão de ter: andaram sempre com saquetas de frutas e bolachas atrás deles; reservaram a maior parte das atividades para a parte da manhã, visto que a probabilidade de o bebé estar bem-disposto era maior; levaram os bilhetes das atividades já comprados para evitar as filas de espera; preferiram sempre a roupa “super confortável” aos trapinhos bonitos; na piscina e na praia, não abdicaram da camisola com proteção UV e de um chapéu de abas. “E acabou por correr bem”, compraz-se Verónica.

Praia, farmácia, viagens

Carmen Ferreira, enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica, enuncia um dos primeiros cuidados a ter em conta. “Antes de tudo, há que investigar o lugar para onde se vai, perceber se no caso de haver algum acidente ou algum mal-estar há um local aonde se possa recorrer que seja relativamente próximo.” Depois, é preciso pensar bem a questão da praia. Desde logo porque “até aos seis meses não devemos expor o bebé diretamente ao sol”. “Se for o caso, é preciso planear outras atividades. Ou então irem os pais e ficar alguém a supervisionar o bebé.”

Mesmo depois dos seis meses, há uma regra de ouro, para repetir até à exaustão. “Nunca expor a criança ao sol depois das 11 horas e antes das 17 horas”, alerta Joana Martins, pediatra. E usar proteção solar mineral (sem filtros químicos, portanto) até aos dois anos. E chapéu, claro. Já a camisola de manga comprida com proteção UV é opcional, visto que uma t-shirt combinada com a aplicação do protetor acaba por fazer o mesmo efeito. Em relação ao calor, Carmen Ferreira deixa outros conselhos. Reforçar a hidratação, oferecer gelados de fruta, fazer brincadeiras com água, ir aplicando água termal no corpo. Joana Martins acrescenta: “E para os pais que adoram comprar tendas, é preciso ter muito cuidado com o sobreaquecimento”.

Mas a praia esconde outros “perigos”. Desde logo a própria areia. “Convém levar sempre compressas esterilizadas e soro, porque nas primeiras vezes é normal que acabe por entrar areia para os olhos do bebé e será preciso limpar.” E se houver picadas de peixe-aranha ou contacto com alforrecas? No primeiro caso, deve-se mergulhar o pé em água quente e só depois fazer gelo, no segundo lavar com água de mar. “Podemos ainda ter de fazer analgesia e aplicar gelo.”

A propósito, lembra a especialista, uma “farmácia de viagem” é fundamental. Que deve ter o quê? “As coisas mais básicas são o termómetro, os antipiréticos (como o paracetamol e o ibuprofeno), o anti-histamínico, os probióticos e o soro de hidratação oral – “tendo em conta que os bebés provavelmente vão engolir água da piscina, a probabilidade de terem diarreias e vomitarem é grande” – , além de um kit de feridas, que devem incluir soro fisiológico, uma pomada ou solução de desinfeção, pensos rápidos e compressas esterilizadas. Joana Martins sugere ainda que se leve um repelente (desde que o bebé tenha mais de seis meses), que pode ser em stick ou em spray. Mas não deve ser aplicado nem na face, nem nas mãos.

E quanto às viagens? Aí é fundamental distinguir entre as de automóvel e as de avião. Em relação às primeiras, a pediatra aconselha que sejam sempre feitas fora da hora de calor, com uma paragem mínima de 20 minutos a cada duas horas. Para manter o bebé mais entretido, pode ser útil que um dos adultos viaje na parte de trás. E oferecer snacks (sempre com supervisão). “Mas nunca dar de mamar dentro do carro em movimento”, alerta. “Se for um bebé muito difícil para fazer viagens, o melhor será mesmo viajar de noite.” E ar condicionado? Sim, sim, sim. “Desde que esteja entre os 22 e os 24 graus.” A médica avisa ainda que o ovo não deve ser tapado com fralda de pano, por causa do sobreaquecimento.

Em relação aos aviões, avisa desde logo que são quase sempre fontes de contágio infeccioso para os bebés, por se tratarem de espaços fechados, com muita gente. “Não vale a pena dramatizar, mas é preciso contar que provavelmente vão adoecer.” De resto, para controlar os sintomas associados à “dor nas membranas timpânicas [localizadas no ouvido]”, sugere a toma de paracetamol uma hora antes da viagem. Carmen Ferreira acrescenta que é importante que, no momento em que o avião levanta voo e aterra, o bebé esteja a fazer sucção. No caso de destinos mais exóticos, Joana Martins recomenda ainda que, dois meses antes, se faça a consulta do viajante.

Snacks, rotina, expectativas

E em relação aos snacks? De volta a Verónica Alves, que além de mãe de primeira viagem, é especialista em alimentação infantil. “Bolachas de milho ou marinheiras sem sal são sempre boas opções. Saquetas de fruta, ou de fruta com cereais, também, porque, apesar de serem melhor fresquinhas, não precisam de estar frigorífico. Bolinhas de energia, de aveia e manteiga de amendoim, por exemplo. Ou mesmo fruta inteira”, sugere. Além do pão. Ou das panquecas sem ovos. Para lanches rápidos e ricos nutricionalmente, um pão com manteiga de amendoim e uma peça de fruta, por exemplo, pode ser uma ótima combinação. E quem diz manteiga de amendoim, diz húmus. Ou abacate. Ou mesmo ovo (desde que consumido duas a três horas depois de ser cozinhado).

Resta ainda uma questão que, à primeira vista, parece ter pouco que ver com as férias, mas que, por ser fundamental para o bem-estar dos bebés, pode desempenhar um papel-chave num período que se pretende o mais tranquilo possível: a rotina. Clementina Almeida, psicóloga de bebés, não tem dúvidas. “Devemos tentar, dentro do possível, manter a rotina do bebé. Claro que vai sempre ser alterada, mas é importante mantermos algum sentido de previsibilidade para o bebé não se sentir inseguro ou ansioso. Para isso também é fundamental conhecermos o nosso bebé, respeitarmos os limites dele e não puxarmos demasiado a corda. Ou seja, se não aceita tão bem ambientes diferentes e se já estivemos o dia todo fora, ir jantar a um restaurante é demasiado, mais vale deixar para outro dia.” É que, apesar de estas alterações serem importantes para o desenvolvimento cerebral – “novos ambientes, sítios, cheiros, sabores são excelentes para o bebé” -, tudo deve ser feito com conta, peso e medida. E deixa outra dica importante: “Se fizermos férias com família e amigos, é importante toda a gente estar na mesma página, toda a gente saber e perceber que a rotina tem de ser respeitada”. Em termos de conselhos mais práticos, sugere ainda que se ande sempre com pó de talco, para retirar os resquícios de areia que podem incomodar os pequenos, e que se congelem quadradinhos de melancia para ir oferecendo. “Eles adoram.”

E nisto, a questão impõe-se: se fizer tudo isto, a serenidade e o conforto das suas férias estão garantidas? Para não sermos os portadores das más notícias, deixamos que seja a pediatra Joana Martins a responder-lhe. “As primeiras férias com um bebé não vão ser verdadeiramente férias, pelo menos não como as conhecíamos. É preciso controlar as expectativas e desdramatizar. Um dia vamos ter as nossas férias de volta. Nem que seja quando os nossos filhos forem adolescentes e já não quiserem saber de nós”, atira, com uma nota de humor à mistura. Enquanto esse tempo não chega, vá já pensando no que deve levar na mala. Por via das dúvidas, não se esqueça deste guia. Algo nos diz que vai precisar dele.