Mamã, papá, o Pai Natal existe?

Como é que consegue visitar tantas casas na mesma noite? Como é que come tantas bolachas e não fica mal da barriga? Será que vive mesmo na Lapónia? Quando os filhos começam a crescer e a questionar, há estratégias para abordar o tema e não deitar logo a magia do “ho ho ho” por terra.

A árvore de Natal está pronta, coberta de decorações brancas e rodeada de luzes azuis. A carta para o senhor das barbas brancas foi escrita há semanas. Mas há uma certeza, a lista de pedidos nunca está completa, está sempre sujeita a acréscimos de última hora. A fantasia nesta casa, em Santa Maria da Feira, ainda se vive por inteiro, apesar de André e Rodrigo, irmãos gémeos de nove anos, já estarem invadidos pela dúvida. A óbvia: será que o Pai Natal existe? “Começam a questionar. Já me perguntaram diretamente se era eu o Pai Natal. Porque me interesso muito pelos pedidos deles, porque estou sempre a perguntar. Neste momento, desconfiam. Será, não será…”

A mãe, Mafalda Magalhães, esgueira-se em mil e uma desculpas criativas no receio de deitar por terra toda a magia da época. “Digo-lhes que sou ajudante do Pai Natal. Que os pais são todos uma espécie de ajudantes, porque há muitos meninos no Mundo.” Desde sempre, Mafalda e César Costa, o marido, fomentaram o maior conto de fadas de todos os tempos. “Porque acredito que é importante. As crianças têm que ter um bocadinho de magia. A realidade já é tão dura, e são estas pequenas coisas que trazem alegria.” Quando os gémeos eram mais catraios, a mãe até se vestia a rigor de Pai Natal para distribuir os presentes. Hoje não, as prendas vão aparecendo na árvore aos poucos. “Já se sabe que como o Pai Natal tem que distribuir pelo Mundo inteiro, vai deixando aos bocadinhos”, brinca Mafalda.

André e Rodrigo vão ouvindo pelos colegas, na escola, que o Pai Natal não existe. E também já questionam a existência da Fada dos Dentes. “A fase do encantamento está a passar. Mas continuam a escrever a carta, entregam-me a mim, já que sou ajudante direta do Pai Natal.” Por agora, os pais vão manter o sonho vivo. Pelo menos até terem a certeza que os filhos sabem. E, chegado esse dia, Mafalda conta explicar-lhes como é que os pais fizeram para manter o segredo. “Aí, vou ser sincera. E vou dizer-lhes que a figura do Pai Natal foi criada para os meninos ficarem felizes. Mas enquanto estão na dúvida, acho que o ideal é manter a magia.”

Na lista dos irmãos ao Pai Natal, há um cubo de Rubik, jogos para a PlayStation, bonecos (que a mãe já comprou, mas perdeu a memória ao nome). Até porque André e Rodrigo não só escrevem o que querem, como mostram imagens à mãe. Tudo para não haver falhas nem enganos na Lapónia. Este ano, ainda será certamente o Pai Natal a trazer as prendas.

Manter ou não a fantasia

Segundo a psicóloga Andresa Oliveira, “as crianças normalmente revelam sinais de que podem estar a deixar de acreditar quando começam a fazer muitas perguntas sobre o assunto”. Como é que o Pai Natal consegue visitar tantas casas na mesma noite? Como é que come tantas bolachas e não fica mal da barriga? Será que vive mesmo na Lapónia? As dúvidas surgem, em geral, entre os seis e os dez anos. “Porque aí desenvolvem competências do ponto de vista cognitivo que lhes permitem questionar o que acontece à sua volta. E é normal que façam a pergunta clássica. Mamã, papá, o Pai Natal existe?”, comenta a especialista.

Os adultos não podem fugir eternamente, mas há dicas sobre como gerir a dúvida, sobre se se deve manter ou não a “farsa”. E, atenção, o momento da descoberta pode ser difícil também para os pais. “É natural que fiquem tristes quando a pergunta surge, é sinal que os filhos estão a crescer e que algumas tradições que alimentámos nos últimos anos vão ter que evoluir.” Voltemos, portanto, às estratégias. “Numa primeira abordagem, perguntar à criança ‘porque é que perguntas?’. Saber esta resposta pode ajudar-nos a saber o que dizer. A criança pode ter sido apenas confrontada por um colega na escola e, se assim é, não é ela própria a questionar a existência do Pai Natal.” Outra boa pergunta é: “O que é que tu achas?”. “Muitas vezes, as crianças só procuram a nossa validação, porque querem continuar a acreditar.” Na mesma lógica, outra questão: “O que significaria para ti se o Pai Natal não existisse?”. “Isto pode ajudar a determinar a resposta dos pais. Uma criança pode dizer que ficava de coração partido. E outra pode até encolher os ombros e dizer que já sabe que é a mãe que compra as prendas. Na maioria das perguntas difíceis, os pais devem seguir sempre a criança.”

Na certeza porém de que não há respostas certas, nem sequer uma altura perfeita para abordar o tema. O ideal é deixar que sejam os miúdos a levantar o assunto, a fazer as perguntas. “Ou afirmações. Porque há crianças que nos informam que o Pai Natal não existe.” E a partir do momento em que os pais percebem que é inevitável, não vale a pena mentir para evitar o desgosto. “A dor também faz parte do crescimento. Nessa altura, é essencial ouvir, validar os sentimentos da criança, empatizar. É natural que fiquem confusas, tristes. E é importante explicar que a descoberta faz parte de estarem a crescer, a ganhar maturidade, de serem meninos e meninas crescidas.”

Acontece, com frequência, alguns miúdos sentirem vergonha por terem acreditado até tão tarde, ou ficarem zangados com os pais por lhes terem mentido e recearem outras mentiras que lhes foram contadas. “Por isso, é benéfico os pais falarem sobre os motivos que os levaram a encorajar a fantasia, que tem a ver com a magia da época, com o facto de a imaginação ser uma coisa boa, de criar boas memórias. Até podem contar como é que eles próprios descobriram quando eram crianças.” Porém, há um alerta importante. Os pais não devem assumir que porque os filhos deixaram de acreditar no Pai Natal, também perceberam que a Fada dos Dentes ou o coelho da Páscoa não existem. “Devem esperar sempre pela criança. Umas tiram a conclusão, outras não.”

O mito a cair, criar novas tradições natalícias

Madalena Dias desde sempre cultivou a ideia do Pai Natal. “Porque também vivi essa magia quando era pequenina.” A filha, Ana Júlia, de 11 anos, já muito questiona, sobretudo pelo que ouve na escola. “Conta-me que os amigos lhe dizem que o Pai Natal não existe. Que são os pais que compram as prendas. E estou sempre a tentar que ela mantenha a ilusão. Digo-lhe que agora o Pai Natal está muito velhinho e precisa da ajuda dos pais para fazer o trabalho dele. No fundo, ela já saberá, mas sinto que fica na esperança de que exista, porque quer alimentar a fantasia.”

A casa da família já está decorada a rigor, com a árvore mesmo junto ao sofá. Foi no último fim de semana que montaram tudo, ao som de músicas natalícias. A carta de Ana Júlia também já está escrita. Na noite de consoada, a família deixa o copo de leite com as bolachas para quando o Pai Natal visitar a casa, em S. João da Madeira. Há os presentes dos pais, dos padrinhos, que vão enchendo a árvore ao longo do tempo, e que se abrem na noite de 24. E depois há os do Pai Natal que só aparecem, como que por magia, no dia 25 pela manhã. “Normalmente, o que ela mais quer é trazido pelo Pai Natal. Para os pais é muito mais bonito quando eles acreditam. Quando são inocentes e ficam delirantes. É emocionante vê-la no dia de Natal a acordar e a dizer-me que o Pai Natal comeu as bolachas e bebeu o leite.”

Paulo Barreira e Madalena Dias querem aguentar a fantasia, mas Ana Júlia há muito que desconfia que o Pai Natal não existe
(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

Madalena quer estender a fantasia o máximo de tempo possível, porque “sonhar é bom e faz parte de ser criança”. Aliás, quando Ana Júlia deixar de acreditar de vez, a mãe tem uma certeza: vai manter a tradição de ter uma prenda do Pai Natal para a filha. “Porque também fizeram isso comigo e tenho muito boas memórias dessa época, é a minha altura do ano favorita por isso mesmo.”

Afinal, na hora derradeira, a magia não tem que ficar perdida para sempre. “Aí, é importante colocarmos o foco nas tradições natalícias da família. Lembrar que o Pai Natal é apenas um dos aspetos. Que vamos continuar a decorar a árvore, a ir ver as luzes de Natal, a receber presentes e a dar”, defende Andresa Oliveira. Pode até ser um bom momento para criar uma nova tradição familiar. “Por exemplo, substituir a prenda do Pai Natal por uma prenda para toda a família, seja um jogo, um passeio, uma experiência para todos. Ou podemos convidar a criança a ser ela o Pai Natal de alguém, de um primo mais novo, de um irmão, e a escolher um presente para ele.” E no que toca a irmãos, há uma regra de ouro. Não se pode assumir que a criança vai saber lidar com a informação. “É fundamental explicar-lhe que, apesar de ela ser crescida e já ter percebido, é importante o irmão continuar a acreditar nesta magia como ela acreditou.” Quem diz irmão, diz amigos, primos, que ainda acreditam.

Num tema sem respostas fechadas, incentivar ou não o imaginário do Pai Natal, considera a psicóloga, é uma escolha de cada família, “até porque o Natal tem muitos significados diferentes do ponto de vista cultural”. E a fantasia, sustenta, não tem vantagens nem desvantagens do ponto de vista do desenvolvimento, apesar de se associar muito a felicidade e diversão da época à figura lendária. Aliás, a própria gestão do conceito de Pai Natal varia de família para família. “Há crianças para quem todos os presentes são trazidos pelo Pai Natal, outras em que é só um. Há crianças que abrem as prendas à meia-noite, outras que só o fazem no dia 25 de manhã.”

Ainda assim, num mundo encantado e apelativo até para adultos, é sempre bom saber gerir as emoções dos mais pequenos que acreditam no senhor do “ho ho ho”. Para isso, espante-se, até os assistentes virtuais estão preparados. “Perguntei ao assistente da Google se ele acreditava no Pai Natal, para testar. E ele respondeu: ‘Sim, acredito. Admiro muito a generosidade do Pai Natal e o facto de conseguir vestir-se de veludo da cabeça aos pés’. Se alguma criança porventura fizer a pergunta, o mito não se destrói.”