Margarida Rebelo Pinto

Mais do mesmo


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Um casamento não é o modo de vida mais adequado a um visionário. Um casamento é um conjunto de compromissos que incluem alguns sacrifícios, assumidos ou velados, algo que gostaríamos que fosse parecido com uma democracia.

Um dos fatores que mais atrasa o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade é a perceção errada de uma determinada realidade, seja externa ou interna. Por exemplo: estamos convencidos que vivemos num clima tropical e, como tal, não investimos no aquecimento em casa de forma inteligente. O resultado é passarmos quatro meses por ano reféns de aquecedores a gás, mantas, edredons com milhões de penas, botijas e pantufas, pensando que estamos a enganar o frio, quando estamos apenas a enganar-nos a nós próprios.

Outro exemplo gritantemente português é acreditarmos que somos muito à frente e, ao mesmo tempo, optarmos por caminhos conservadores que nos conduzem ao que sempre tivemos. Mais do mesmo. O resultado das eleições do passado domingo revela essa maneira de ser, mansa e suave, ao dar ao PS uma maioria absoluta, em nome da tão desejada estabilidade, que é, de facto, aquilo que o país mais precisa.

A vitória do establishment faz-me lembrar aqueles casamentos que saem reforçados depois uma grave crise, ensombrados pela indiferença, desleixo, condescendência ou, não raro, pelo aparecimento de um terceiro elemento que vem animar o íntimo de uma parte e partir o coração à outra. O mal-estar cresce, explodem umas bombas aqui e ali, as pessoas afastam-se, mas depois vem a reconciliação, em nome dos filhos, dos empréstimos, das aparências e dos benefícios fiscais.

As pessoas tendem a querer aquilo que sempre tiveram, apenas os visionários possuem a capacidade de imaginar o que nunca antes foi feito, nisso tiro o chapéu ao movimento romântico que revolucionou a sociedade em inúmeras áreas. Contudo, o romantismo nacional nunca transpôs a literatura: as loucuras de Camilo, a paixão perdida da Soror Mariana, os sonetos inflamados de Florbela. O realismo de Eça, embora possua o mérito de retratar a sociedade portuguesa sob a sabedoria de uma lúcida lupa, fecha-se num conformismo atávico e voluntário do deixa estar assim, porque mudar dá imenso trabalho e ninguém sabe se compensa.

Um casamento não é o modo de vida mais adequado a um visionário. Um casamento é um conjunto de compromissos que incluem alguns sacrifícios, assumidos ou velados, algo que gostaríamos que fosse parecido com uma democracia, mas no qual existe um elo mais forte, aquele que tem mais poder, mais carisma, ou mais capacidade para dar a volta ao outro. Pode estar carregado de problemas e de chatices, de defeitos e de ressentimentos, mas a ideia de perder uma realidade construída é mais aterradora do que continuar a tentar que as coisas resultem.

A verdade é que estamos todos cansados de um país em que o nepotismo, as nacionalizações ruinosas, o uso indevido de subsídios e as taxinhas aplicadas pela surra fazem parte do quotidiano, mas os votos ditaram que o que temos será sempre melhor do que outra coisa. É como aqueles maridos ou mulheres que dão umas voltas por fora e chegam à conclusão que afinal o que têm em casa é melhor, ou dá mais jeito à vidinha.

Uma das minhas músicas preferidas, “Girl put your records on” da britânica Corinne Bailey Rae, tem um verso que nunca me saiu da cabeça: quanto mais as coisas parecem mudar, mais ficam na mesma.

Dancemos então ao som da maioria absoluta, sonhando com o milagre económico que nos coloque um bocadinho mais acima na cauda da Europa. A estabilidade é o valor que se impõe, tanto na família como na política. E quando um problema não tem solução, a última é a melhor.