Época de compras, momento de seduzir quem passa. As vitrinas das lojas vestem-se a rigor para a quadra. Criar uma história é fundamental. O sentimento também é importante. Há truques e há estratégias. Sem esquecer o grande objetivo que é vender.
A montra é o cartão de visita de uma loja, a primeira impressão capaz de abrir o apetite. Nada pode ser ao acaso, portanto. As cores, as texturas, os produtos, os materiais, a iluminação, a disposição, a história, o conceito. Tudo importa sobretudo numa quadra tão especial. Uma vitrina é mais do que uma vitrina. Há as que ficam guardadas na memória para sempre. Regina Pinheiro é vitrinista, consultora e formadora, diretora criativa da sua agência (Regina Pinheiro Studio) dedicada a esta arte, a partir do Porto para todo o país. Conhece os caminhos, as opções perante tantas possibilidades. “O espaço da montra é um espaço de desejo e um espaço onde cabem os produtos e os sonhos”, refere. O desafio passa por pensar no público-alvo, escolher e coordenar. “A seleção das cores e dos materiais é muito importante. Quando são ‘montras espetáculo’ encantam e ficam na memória de quem a viu. Existem montras que fazem parte da memória coletiva das marcas. Outras da memória coletiva das cidades”, sustenta. O Natal não é exceção.
De ano para ano, novas tendências, novas abordagens. Tudo pensado, claro. De preferência por quem percebe da arte, vitrinistas e visual merchandisers. O impacto é maior, o sucesso também. “A seleção do produto, a coordenação das cores, as texturas, a composição da montra, a iluminação, colocar o embrulho (quando a embalagem é especial) e o ambiente atraem o cliente.” Há padrões conhecidos, estilos característicos. “Brilhos, luzes, movimento e símbolos natalícios são os mais usados no comércio tradicional. Estrelas, pinheiros iluminados e decorados, grinaldas e coroas. Marcas de luxo usam outro tipo de códigos menos explícitos. Por vezes, utilizam cores ou temáticas inesperadas num contexto mais subtil, elegante”, observa Regina Pinheiro.
Maria Matos é designer, fundadora do ateliê 2for1, instalado em Lisboa, trabalha em várias áreas, entre elas, o vitrinismo e decorações de Natal. Uma montra desta época tem os seus truques, não é uma vitrina qualquer. Maria Matos aconselha, em primeiro lugar, a criar uma narrativa. “Pensar na história que se quer contar, o sentimento que se quer criar, na pessoa que vai passar, transversal a qualquer idade e todos os géneros”, diz. Pode ser uma mesa que recria a ceia de Natal, pode ser um quarto de criança que remeta para a magia da véspera do dia 25. “É uma altura de consumismo muito virada para a magia de Natal, para as montras, para esses lugares, esses momentos, esses pequenos mundos quase encantados”, sublinha.
História escolhida, é necessário selecionar o que colocar na montra, bem como a disposição das peças. “Contar uma história e, a partir daí, escolher os elementos que façam sentido nessa história”, reforça a designer. É preciso um desenho gráfico coerente, um fio condutor, uma narrativa visual com pés e cabeça, que nem peque por excesso, nem peque por defeito. “A história ajuda a pôr os pés na terra e guia a construção da montra”, garante Maria Matos.
Regina Pinheiro sugere isso mesmo. Selecionar um grupo de peças e criar uma história de Natal. Ou escolher um grupo de cores e trabalhar com essa paleta com diferentes materiais. Cada pormenor conta porque os detalhes são mais do que detalhes, são a alma das montras. “O rigor com que o trabalho é feito é fundamental. Desde a limpeza da montra, à substituição de lâmpadas até ao detalhe e ao rigor da colocação do preço”, adianta a vitrinista.
Humor, elegância, luxo, tradição
O vermelho, o branco, o verde, o dourado são as cores mais comuns, mais utilizadas. Mas neste capítulo das tonalidades, não há restrições numa montra de Natal, assegura Regina Pinheiro. Tudo é possível, só que é preciso saber escolher para que todos os elementos funcionem em conjunto. Há muitas opções, na verdade, por isso, é necessário ajustar ao tipo de loja e aos produtos que vende.
Haja criatividade para saber surpreender. E surpreender é prender a atenção. E prender a atenção é meio caminho andado para comprar. Os clientes, defende Regina Pinheiro, esperam “soluções criativas com humor ou elegância, luxo ou tradição.” O consumidor gosta do que se vê e do que não se vê. “O público aprecia o detalhe, o tempo que se sente implícito. Pinturas nos vidros são sempre surpreendentes. O momento em que se pinta gera curiosidade e o resultado também.” Há mais exemplos. “As montras interativas surpreendem muito, mas a mestria do saber fazer artesanal continua a ser muito apreciada”, comenta Regina Pinheiro.
A época, segundo Maria Matos, puxa para montras mais escuras, mais quentes, mais confortáveis. A iluminação faz toda a diferença e ajuda a realçar o contraste entre o escuro e a luz. Brilho com fartura, portanto. “Um banho cheio de luz, três vezes mais brilho.” É outono, há menos luz natural, e uma montra luminosa, que consiga atrair quando se entra numa rua, tem mais sucesso. E sucesso significa, em termos práticos, vendas.
Dá trabalho, pois dá. “Criar um mundo individual, a própria iluminação, o próprio tom. Criar uma plataforma para dar destaque sem perder a história”, exemplifica a designer. Em poucos metros quadrados, todo o Natal. Os brilhos, as luzes, as fitas, o dourado, o encarnado, o azevinho, as árvores, as coroas, os enfeites. “É um ambiente que se constrói a lembrar o quentinho de casa, a família.”
Seja como for, há aspetos a ter em consideração na parte técnica, ou seja, a história não pode ofuscar o que se quer vender, os produtos da montra. “Em termos artísticos, não há nada que não se possa fazer.” Segundo Maria Matos, até se pode ser mais provocador nesta altura com montras mais arrojadas para um público jovem, na cosmética, no vestuário, na tecnologia. No que quer que seja.
A razão e a emoção, o investimento e o retorno
Há coisas que se sabem. Crianças e adultos gostam de movimento nas vitrinas. Bonecos a mexer, comboios a andar, luzes a piscar, chamam a atenção, fazem parar o trânsito. “O público masculino gosta de ler sobre características de produto e o feminino adora flores, ambientes requintados, doces e surpreendentes”, afirma Regina Pinheiro, que acrescenta que vitrinas com pouco produto atraem clientes com maior poder de compra.
Uma montra de Natal tem força, tem poder, impõe-se, não passa despercebida. Cláudia Simões, professora e presidente da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, repara na maneira como todo o imaginário de Natal é trabalhado pelas marcas que, pela vertente artística, puxam pelas emoções e recordações. Nada é feito em cima do joelho. “Através de criações festivas, as lojas procuram evocar no consumidor uma emoção positiva (alegria, celebração, sonhos) associando-se ao imaginário e à participação nos instantes de celebração ligados a momentos de partilha em família, com amigos e com outros membros da sua comunidade”, salienta a professora doutorada em Estudos Industriais e Empresariais.
A quadra não é igual a nenhuma outra e os comerciantes valorizam esse contexto de diversas formas. “A montra é o ponto inicial de boas-vindas para uma experiência única de compra marcada pelo espaço físico e por momentos de festa, associados a comportamentos de maior generosidade e recheados de emoções”, assinala Cláudia Simões.
É tempo de compras, de compras rápidas, muitas vezes, por impulso. Seja como for, quer-se uma boa memória da compra. O que não fazer? “Ceder à tentação de colocar tudo nas montras, sem lógica nem critério”, responde Regina Pinheiro que recomenda grupos de produtos com cores coordenadas e substituição das peças de dois em dois dias. “Manter o cenário natalício e mudar os produtos. Maior rotação do produto em compra aumenta a possibilidade de atingir e captar a atenção de diferentes públicos”, avisa.
Puxar pela emoção que se sente na moda, no vestuário, na decoração, numa peça mais exclusiva, em tudo o que mexe e que pode ser embrulhado. “O que queremos provocar nas pessoas?” Essa é a questão, de acordo com Maria Matos, que realça a parte emocional que uma montra pode transmitir, uma lembrança importante, um momento especial, um momento de infância. “Há elementos natalícios não tão óbvios, a farinha, as formas dos bolos, laranja seca, o cheiro a inverno.” Despertar a parte emocional, chegar ao coração, apelar ao sentimento. “É sempre mais fácil convencer alguém se for uma coisa mais sentimental.” Se uma prenda for mais do que uma prenda, se uma montra tem o condão de fazer sonhar.
Equilibrar razão e coração não é fácil nesta altura. “É nesta quadra que a jornada do consumidor se torna, por vezes, menos racional, sendo propensa a compras em maior quantidade e frequentemente carregadas com significado afetivo. É também na época natalícia que os consumidores tendem a visitar novas lojas na procura do presente ideal”, lembra Cláudia Simões. Por isso, as montras contam histórias, enchem-se de símbolos, e há clientes que partilham fotografias nas redes sociais de uma vitrina bonita. “As montras de Natal associam-se às celebrações e estimulam na mente do consumidor imagens favoráveis relativas à loja/marca, dando pistas sobre o espaço, despertando a curiosidade de novos consumidores e atraindo os consumidores fiéis a visitarem a loja”, destaca Cláudia Simões.
Maria Matos olha para Inglaterra para lembrar que ali se investe muito nesta época, desde as grandes marcas e cadeias poderosas aos pequenos comerciantes e lojistas que têm brio e querem as suas montras bonitas e atraentes. O investimento é em toda a linha.
Regina Pinheiro também realça que não é por acaso que há uma “peregrinação lúdica” a Londres para ver montras de Natal, preparadas com muita antecedência. “Os comerciantes londrinos investem nas fachadas decoradas, em luzes e em montras espetáculo que contam histórias, integram produto e decoração como se de um teatro se tratasse. Têm luz, movimento, arte. São montras fotografadas e publicadas nas redes sociais e vistas em todo o Mundo.” Seduzem quem passa, são chamariz para entrar, no interior há mais decorações que dão continuidade à temática da montra. “São surpreendentes! Grandes investimentos. Grande retorno”, sustenta a vitrinista.
Regina Pinheiro, há 44 anos a construir montras, a dar resposta a desafios como vitrinista, aconselha a concorrer a concursos de montras de Natal. Compensa, em sua opinião. “Participar num evento coletivo que divulga a loja é sempre positivo. Geralmente, os concursos têm prémios pecuniários interessantes e inscrições gratuitas, mas o maior prémio é participar e dar o melhor aos clientes.” Além disso, há famílias que honram a tradição da ronda pelas iluminações das ruas e pelas montras a concurso. “Os meus pais faziam isso comigo. Descobríamos sempre lojas novas e era um momento de união de família onde todos expressávamos as nossas preferências”, recorda. O Natal em cada montra. Ontem, hoje e amanhã.