Margarida Rebelo Pinto

Laços de família


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Existe um espírito de união e de rigor nos britânicos que nunca conheci em nenhum outro povo.

Quando uma figura pública, por estatuto e por mérito, ultrapassa largamente a sua esfera pessoal, é apenas natural que se torne uma instituição. E quando uma mulher reina sobre umas das mais importantes nações do Velho Mundo durante 70 anos, é inevitável que o Mundo tenha os olhos postos no momento da despedida.

Talvez antes deste acontecimento de gigantesca projeção mediática os portugueses não entendessem a devoção que os britânicos nutrem pela família real e em particular por Isabel II. É preciso conhecê-los na intimidade, ser visita de casa e ver as fotografias dos reis e dos príncipes emolduradas ao lado das da restante família para compreender os laços que os ligam. Ter uma fotografia da rainha em casa nada tem a ver com exibir a imagem de um político, como os que existiam nas paredes das escolas em Portugal, de Salazar e de Américo Tomás, porque uma rainha está acima do governo e de qualquer cor política. Passe o pleonasmo, a rainha não governa, ela reina, constituindo um símbolo da união de um ou vários povos que lhe prestam vassalagem, sem que tal represente uma submissão imposta.

Durante as duas últimas semanas evitei assistir às cerimónias fúnebres, porque para mim poucos atos requerem mais pudor do que o luto. Contudo, entendo toda a pompa e protocolo que sustentam a imperiosa razão da última homenagem a uma mulher absolutamente ímpar que nunca desceu do salto no desempenho das suas funções, tantas vezes complexas e pesadas, enquanto não deixou de mimar e de proteger os filhos e os netos, nem de meter na ordem os elementos mais rebeldes que iam aparecendo no núcleo familiar. Reza a lenda que houve frieza, rigidez e falta de sensibilidade com a princesa Diana, a quem o sonho de brincar às princesas e casar com um homem que mal conhecia se transformou num pesadelo. Casar com um homem que não gosta de nós deve ser um sapo demasiado grande para ser engolido sem amargura, sobretudo quando se é jovem e bonita. Mas ser rejeitada, com o Mundo a assistir e trocada por uma amante mais velha que nunca saiu de cena, só pode ser insuportável. Hoje a Grã-Bretanha acolhe o rei, enquanto o Mundo exalta a beleza de Kate, sonhando com uma futura rainha tão bela quanto Diana, mas com a sensatez e a pose da avó do marido.

Existe um espírito de união e de rigor nos britânicos que nunca conheci em nenhum outro povo. Admiro o seu estoicismo, a capacidade de manterem uma conversa frívola para não tocar em assuntos fraturantes, o decoro perante a dor e o sofrimento, o sentido de humor tipicamente britânico, a descontração em troçarem de si mesmos com inteligência e subtileza. Temos muito a aprender com uma nação que estima os seus valores e princípios, e sobretudo com uma rainha que fez do seu dever uma vocação, dando ao seu povo alegria, segurança e uma sensação de pertença que só sentimos em família. Para o Mundo, foi a despedida de uma monarca exemplar e icónica. Para os britânicos, foi uma pessoa da família que partiu no dia 8 de setembro, uma figura maternal cujo carisma deixa um lugar vazio no coração de milhões. Acredito que, daqui a 50 anos, a sua fotografia permanecerá intacta nos lares britânicos, tal como a memória do amor que lhe devotam e que merece.