Irmãos que dormem juntos: sim ou não?

Sílvia Lucas e os quatro filhos, André, Maria, Mafalda e Eva (Foto: Pedro Reis Martins/Global Imagens)

Assim que a família começa a crescer, a partilha de quarto pelos filhos é uma questão que carrega dúvidas. E não há respostas certas neste tema. Quando juntar os miúdos é uma opção, há prós e contras. Se não existir alternativa, há estratégias e dicas para uma convivência mais pacífica.

Em casa de uma família numerosa, a ginástica de espaço é o prato do dia. E Sílvia Lucas, que cresceu no meio de muitos irmãos (é a mais nova de seis), sabe-o bem. Hoje, tem quatro filhos, um rapaz e três meninas – André, 18 anos, Maria, 17, Mafalda, 15, e Eva de 11. Todos desde cedo se habituaram a partilhar o lugar dos sonhos, sobretudo antes de se terem mudado, há cerca de três anos, para um T4 que transformaram num T5 – lá iremos. Quando a família começa a crescer, o tema da partilha de quarto por irmãos entra na ordem do dia. Mas a questão é: fazem os pais bem ou não?

“A história de partilhar quarto existe há muito. Antes vivíamos numa moradia T3 e a questão do espaço era um fator importante. Até a minha filha mais nova nascer, o André e as duas irmãs dormiam no mesmo quarto. Ele só se mudou para um quarto sozinho quando quis, teria uns dez anos”, diz Sílvia, que é enfermeira. Desde então, as três irmãs passaram a dormir juntas. “Embora a minha filha mais velha, a Maria, já quisesse o espaço dela, ora porque as manas desarrumavam tudo, ora porque queria estudar sossegada”, conta a mãe, que desanuvia a logística num relato leve. A gestão complicou-se desde que a avó teve que se mudar para a casa da família, em Castelo Branco. Foi por essa altura que acabaram por comprar um apartamento T4, no centro da cidade, onde aproveitaram o espaço amplo da sala para construir um quinto quarto, o da Maria, onde cabe “uma cama alta com uma secretária por baixo, e que ela diz que é o melhor da casa”.

Simplificando. Hoje, André e Maria têm os próprios quartos. E Mafalda e Eva, as mais novas, partilham um onde cabem dois beliches, quatro camas, que trouxeram da antiga casa. Ou melhor, cinco camas, “ainda há um gavetão por baixo que dá para abrir, porque entretanto vêm cá as amigas e há festas de pijama”. Na tentativa de organização, os pais fizeram um esforço para que cada uma tenha o seu espaço. “Elas dormem as duas na cama de baixo dos beliches e junto à janela têm duas secretárias, cada uma tem o seu módulo para os livros. Os roupeiros igual, a Mafalda tem metade e a Eva outra metade. O espaço é partilhado, mas individualizado dentro do possível.”

A mãe sabe que Mafalda, aos 15 anos, já gostava de ter o seu quarto, “sente essa necessidade, tal e qual os mais velhos antes dela também sentiram”. Mas a partilha é uma demanda quando não há alternativa. E Sílvia até vê vantagens. “Notei, sobretudo quando eram mais novos, que queriam muito estar juntos. E o facto de estarem com alguém no quarto ajudava a não se sentirem tão sozinhos. Quando crescem, é natural, passa a haver a necessidade de espaço próprio, que não é uma coisa assim tão imperativa, porque já estão habituados a partilhar. Faz parte da realidade de uma família numerosa.”

Uma realidade que Sílvia viveu e que quis que os filhos também experienciassem. “O nosso projeto de vida, meu e do meu marido, foi sempre ter pelo menos três filhos. Tive uma infância espetacular com os meus irmãos. É certo que os nossos filhos andam sempre a implicar uns com os outros, mas é normal, sobretudo quando não estão na mesma fase. E vale tudo a pena.”

As regras da partilha

E afinal, há ou não regras quando se fala em partilha de quarto com os irmãos? “É importante percebermos que isto não é propriamente uma escolha, uma opção para a maioria das famílias. Muitas vezes, é porque não há outra possibilidade”, sublinha Raquel Raimundo, psicóloga educacional. Dito isto, “cada caso é um caso”. “As regras têm que ir ao encontro das preferências dos filhos. Sabemos que os miúdos gostam muito de ter a própria cama, às vezes até em beliches onde o andar de cima é muito ambicionado. E conseguindo ter no mesmo quarto um espaço mais reservado para cada um, uma cama para cada um, eventualmente uma secretária individual, é o ideal. Na medida do possível, deve haver coisas que lhes pertençam só a eles.”

A idade, na partilha de quartos, também entra na equação. E Raquel Raimundo defende que, do ponto de vista do desenvolvimento, há uma fase em que faz sentido os filhos terem o próprio espaço, quando isso é possível. É na entrada na adolescência “que os miúdos lutam muito por ficarem em quartos separados”. “É a fase da vida do jovem em que este sente mais necessidade de privacidade. Se tivermos em conta que a principal tarefa de um adolescente é construir a sua identidade a vários níveis, a necessidade de autonomia é maior e as questões da intimidade também começam a fazer-se sentir de forma mais forte. É natural que possa ser mais indicado ter o próprio quarto. Mas reforço que isso não é uma hipótese para muitas famílias.”

Segundo Mariana Negrão, também psicóloga especialista na área da educação, neste tema não há respostas estanques. Ainda assim, consegue identificar prós e contras. E uma vantagem é, desde logo, “quando as crianças são pequenas, a partilha de quarto com um irmão que torna mais tranquila a fase de transição para começarem a dormir sozinhas, porque há uma sensação de segurança pela presença do outro no quarto”. Mas não é só. Dividir o quarto acaba por promover as questões da partilha. “Isso pode ser um benefício para as crianças que aprendem desde cedo a dividir. Até mesmo nas questões da intimidade, que depende muito das idades, mas na idade escolar implica a partilha do dia, o suporte emocional, o contar de histórias, o apoio mútuo.”

Porém, há o reverso da medalha. E da mesma forma que partilhar quarto potencia a cooperação, também potencia, é inevitável, mais situações de conflito. “Na divisão de espaços, nas crianças como nos adultos, há potencial para maior conflito. Pode ser uma dificuldade, principalmente se estão em idades muito diferentes e um ainda destrói muito, risca muito, enquanto o outro gosta das coisas mais direitinhas”, reconhece Mariana Negrão. Por outro lado, ter um espaço “onde é possível uma maior solitude é importante para a autorregulação, para quando estamos mais tristes, mais cansados, e há crianças que precisam mais disso do que outras”.

Paulo dos Santos, com os filhos Xavier, 10 anos, e Pedro, 8 anos, que partilham quarto por opção
(Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens)

As situações de conflito podem adensar-se, atesta a psicóloga, se forem mais do que dois irmãos no mesmo quarto ou se as idades forem muito díspares. E em relação a rapazes com raparigas? “Diria que até aos nove, dez anos, à entrada na pré-puberdade, quando se acentuam as necessidades de espaço próprio, não será uma questão.” E aí a dificuldade surge mesmo que sejam só rapazes ou só raparigas no mesmo quarto.

Apesar de tudo, há estratégias que os pais podem adotar para a convivência ser o mais pacífica possível. Além de tentarem que cada filho tenha zonas individuais, desde a cama à secretária, a família também pode e deve negociar regras para precaver a invasão do espaço um do outro. “As regras variam consoante as idades. Mas pode haver momentos em que um está a estudar ou a precisar de mais tranquilidade, e aí o quarto pode ser mais usado por ele. Há outras divisões da casa para o outro habitar nesse momento. É importante existirem algumas regras, que não são rígidas, mas que dão uma indicação.”

A escolha de dormir juntos

Quando a partilha de quarto é uma opção, até dos próprios filhos, Mariana Negrão acredita que não se deve forçar a separação, antes “fazer propostas”. “Em família é ótimo que se vão fazendo propostas, para semear ideias novas, mas que deem espaço para incorporar a vontade das crianças. Os pais podem propor que cada um dos filhos tenha o seu próprio quarto e ver se há resistência ou não. Pedir às crianças para pensarem nas vantagens e desvantagens, fazerem essa reflexão em conjunto. E, em família, decidir.” É certo que os pais são responsáveis pela educação dos filhos, “mas é uma prática muito desejável envolver os mais novos nas decisões, dar voz às crianças, ouvir a argumentação”.

Há uns dois anos, Paulo dos Santos sugeriu ao filho mais velho ter o seu próprio quarto. Xavier, hoje com dez anos, não quis, resistiu, preferiu manter-se com o irmão, o Pedro, de oito. Desde pequenos que Xavier e Pedro partilham o quarto. E não se largam. Tinham um quarto com duas camas até ao momento em que Paulo, pai solteiro, achou estar na altura de montar um para cada um, com uma cama de casal em cada divisão. Moram num T4, em Ermesinde, e o espaço não é obstáculo. Avançou, fez as mudanças de mobília, preparou tudo em êxtase. Mas a ideia bateu na trave, pelo menos para já.

“Eles preferem até dormir na mesma cama. Obviamente, o mais velho em breve vai entrar na adolescência e vai querer o seu espaço. Mas, neste momento, no final da infância, não abdicam da companhia um do outro. Partilham tudo”, comenta Paulo. Xavier, num discurso eloquente a enganar a idade, simplifica: “Já estou habituado a dormir com o meu irmão. E não quero sair. Gosto da companhia. Só não gosto quando ele está sempre a chatear-me”. E Pedro, arisco, atropela-o para esclarecer: “Ele irrita-se comigo, diz que ocupo muito espaço na cama. Mas gosto de o ter no meu quarto, assim tenho sempre alguém com quem brincar à noite”. Entre as escondidas e os jogos na Nintendo, nas brincadeiras noturnas também entram “piadas”.

O pai não sente que haja mais conflitos – as bulhas típicas entre irmãos – por esse motivo. Sente precisamente o oposto. “A parte positiva, que consigo identificar claramente, é a cumplicidade absolutamente incrível que os dois têm. Escolhem à vez o programa que querem ver na televisão quando vão para a cama, conseguem ceder um perante o outro.” A roupa nos roupeiros também se mistura. E Paulo bem tenta que cada um tenha o seu espaço, incluindo de estudo, no piso de baixo da moradia, dominado por uma vitrina de Legos e por uma sala para estudarem, com uma secretária para Xavier e uma mesa para Pedro. “Mesmo assim, preferem fazer tudo juntos. Muitas vezes, partilham a mesma mesa. Andam na mesma escola e até aí há sempre uma preocupação um com o outro.”

Xavier diz que talvez “um dia destes” mude de quarto. E a lição Paulo já a aprendeu. Vai esperar que seja uma decisão dos filhos. “Provavelmente quando o mais velho chegar à pré-adolescência e eventualmente precisar do espaço dele. A decisão vai partir dele e quando o momento chegar está tudo preparado. Já percebi que não adianta forçar.”