Helen Duphorn: de menina da aldeia a mulher de liderança

Desconhecida de uma grande maioria, é a líder em Portugal de uma loja que é familiar a todos: a IKEA. Cresceu numa pequena localidade sueca e fez carreira pelo Mundo. Diz que sem a família nada seria possível e que foi ainda criança, com o pai, que aprendeu o que é o feminismo. Em conversa com a "Notícias Magazine", fala de si, da crise energética, dos objetivos por cumprir e da estratégia para o nosso país.

Uma mesa comprida, velas em todo e qualquer canto, almofadas com renas e até formas para bolachas de gengibre. Aqui, onde encontramos Helen Duphorn sentada numa das cadeiras de madeira, já se sente o Natal. E o cenário, que é uma das montras da loja IKEA de Matosinhos, ainda que seja pensado para o público português, faz a sueca sentir-se em casa. Fala-nos da cor escolhida para as paredes, para as cortinas e para o armário que marca o centro das atenções. É um dos novos produtos lançados pela multinacional, mas para Helen Duphorn é uma tradição.

“Na casa dos meus avós havia um armário exatamente igual a este. Esta madeira, este desenho e este tom de vermelho.” Conta, aliás, que é algo “bastante sueco”. E há uma explicação. “Na época, a tinta mais barata que se conseguia comprar era com esta tonalidade e, por isso, qualquer casa tradicional na Suécia tem um móvel destes.” Está explicado.

Apesar de ser a líder da IKEA Portugal e de ter no currículo uma mão-cheia de países, Helen Duphorn nunca esquece as origens. É sobre elas que escolhe começar por conversar. Natural de uma pequena vila sueca nos arredores de Estocolmo, os pais eram professores e a família era humilde. Mas o que poderia faltar em posses garante que nunca faltou em valores. “Foi ainda criança que aprendi com o meu pai o que é o feminismo.” Ela e a irmã foram incentivadas, desde tenra idade, à independência e à liderança. E foi isso que Helen fez.

Na adolescência passou por empregos em part-time que, hoje, à distância dos anos, considera terem sido essenciais para conhecer o que é a força de trabalho de base. Com a vontade, alimentada pelos pais, de mudar o Mundo, achou que queria ser advogada, mas rapidamente mudou de ideias. Acabou por se formar em Economia e o primeiro emprego, que diz ter sido “a sério”, foi de liderança. Gestora de operações numa empresa de retalho sueca.

Tempos diferentes

Há 30 anos eram tempos diferentes, nota, recordando o primeiro dia (de muitos) como líder. “Lembro-me de chegar à sala de reuniões e estar rodeada de homens.” A vontade já vinha de trás, mas, ali, sentiu diretamente o que era ser uma mulher na liderança. Ser um caso raro. E prometeu a si mesma que iria trabalhar para mudar isso. Encurtando caminho, podemos dizer que se fez cumprir o desejo da Helen Duphorn da casa dos 20 anos.

Hoje, além de CEO da IKEA Portugal, é, cumulativamente, responsável pelo projeto de Igualdade, Diversidade e Inclusão no grupo Ingka (ao qual pertence a cadeia de lojas IKEA). Está no cargo há menos de dois anos, mas já há balanços a fazer. Positivos, diz. Na empresa, não existe diferença salarial entre homens e mulheres em cargos equivalentes. Os trabalhadores da IKEA, de base ou em cargos de liderança, são representados por homens e mulheres em igualdade. Helen Duphorn já não é um caso tão raro, como era no primeiro emprego que teve, mas destaca que há ainda caminho por fazer.

Voltamos à mesa natalícia e ao armário vermelho, para nos levantarmos e passearmos pela IKEA de Matosinhos enquanto se conversa sobre os objetivos de Helen para o departamento de igualdade. “Agora que conseguimos estabilidade nas questões de género, quero ir mais além.” Os próximos passos serão promover a inclusão de trabalhadores com diferentes orientações sexuais, identidades de género, religiões, etnias e capacidades físicas. Em Portugal, Helen Duphorn diz que o maior desafio é conseguir alcançar a inclusão de variadas etnias e nacionalidades.

“Há muitas pessoas em Portugal com diferentes origens, desde a América Latina, a África, à Ásia, mas sinto ainda muita relutância por parte das empresas portuguesas e dos portugueses de aceitar esses trabalhadores de igual forma que os nacionais.” Na IKEA, procura que sejam cumpridos determinados valores de empregabilidade de pessoas com as diferentes características já referidas. Não consegue avançar números atuais, mas confessa que há ainda muito caminho por percorrer.

Família ou carreira?

Nos outros países onde já trabalhou, os desafios têm sido diferentes, mas, revela, mais fáceis do que pensava no início. Aceitou cargos na Ásia, onde esperava encontrar uma realidade de igualdade de género em “pior estado”. “Mesmo em países que podemos considerar menos desenvolvidos, a IKEA tem um papel ativo em manter os seus valores e, por isso, encontrei mulheres empoderadas em todas as partes do Mundo onde trabalhei.”

Voltamos à sua carreira. Como é que uma mulher, mãe de um filho, gere a vida profissional e a vida familiar? Foi ainda jovem que ingressou no primeiro cargo de liderança, na Finlândia – a primeira viagem, ainda que curta, em trabalho. Dois anos depois rumou à Índia, acompanhada pelo marido e, onde, pouco depois, nasceu o primeiro e único filho. Aí, havia decisões a tomar. Prosseguir com uma carreira de líder em várias partes do Mundo ou manter o foco na família. Helen Duphorn não escolheu, mas assume que está consciente do seu privilégio.

“Tenho a sorte de ter um marido que, mal começámos a nossa família e fui destacada para fora da Suécia, me disse: ‘eu vou deixar de trabalhar para te acompanhar’.” Björn largou a carreira para ser pai a tempo inteiro. Assim foi até ao pequeno – “Agora já está com a idade em que eu comecei a trabalhar, já não é assim tão pequeno”, sublinha, sorridente – atingir a maioridade. A decisão do marido permitiu a Helen Duphorn agarrar as oportunidades que lhe foram aparecendo.

Perguntamos-lhe o que falta para que haja mais exemplos como o seu. “Homens como o meu marido. Homens como o meu pai.” Porque, assegura, vontade por parte das mulheres não falta. “Na IKEA, cerca de 30% dos funcionários deslocados são mulheres e, na maioria dos casos, estando numa relação heterossexual, essa deslocação implica que haja um homem que esteja a colocar a sua carreira em stand by ou em segundo plano para acompanhar a mulher.” Um sinal positivo e que Helen Duphorn gostava de ver replicado noutras empresas.

E como é que chegou a menina da vila a líder na IKEA? Primeiro, pelas memórias de infância. Helen Duphorn não se lembra da primeira vez que entrou numa loja IKEA, “era demasiado bebé para recordar”. Mas a empresa azul e amarela sempre fez parte da sua vida. A casa dos pais, onde vivia, era preenchida com uma mistura de móveis tradicionais herdados décadas antes com as mais recentes novidades (acessíveis financeiramente) da IKEA.

As visitas à loja eram em família e consideradas um evento. “Ainda hoje entro numa IKEA com o mesmo entusiasmo que a Helen de dez anos entrava.” E, ainda hoje, a secção dos peluches faz parte das suas áreas favoritas. “A nova linha de bonecos relacionados com a proteção do Planeta são o meu deleite mais recente.”

Foi em 1998 que Helen Duphorn ingressou na IKEA, como responsável pela área dos países bálticos. Trabalhava bem no “coração”, como lhe chamam, da IKEA, em Älmhult – a localidade da primeira loja da marca. Depois disso, passou pela Índia, por França, e pela Áustria. Em 2009, por uns curtos quatro meses, esteve como CEO da IKEA Portugal. Seguiu-se a Holanda e, desde 2017, outra vez Portugal, mas em definitivo.

Planos em português

“Foi com tristeza que [em 2009] tive de deixar o cargo e ir para outro país, porque foi amor à primeira vista.” Em Portugal, sente-se em casa. Aliás, é por cá que se quer reformar, numa casa soalheira que tem no Algarve. Enquanto esses dias não chegam (porque, vinca, não é tão cedo que quer deixar de trabalhar), vai dividindo o tempo entre viagens, pausas no sul de Portugal e a rotina na vila, em Alcochete. “Vivo numa casa com dimensões modestas, já todos percebemos que ninguém tem paciência para limpar grandes espaços.”

Mas, antes de pensar nos livros que irá ler na companhia do marido, numa praia algarvia, há objetivos por cumprir. Para lá de continuar a querer manter o foco da diversidade e inclusão na IKEA, Helen Duphorn fala da vontade de fazer a diferença, também, fora da empresa. Conta que gosta de palestras, conferências e feiras que permitam conhecer outros e outras líderes. “Gosto de trocar ideias. Gosto de aprender mais. E gosto de partilhar o que fazemos, para ver estes valores inclusivos replicados.”

E não é apenas na igualdade de género ou étnica que a CEO da IKEA Portugal desafia outras empresas a “dar um passo em frente”, também o faz relativamente ao tratamento dos trabalhadores. Em fase pós-pandémica, Helen Duphorn apressa-se a mostrar que os trabalhadores foram a prioridade da empresa. Entre 2020 e 2021, a IKEA Portugal teve um aumento de 2% no número total de contratados. Em comparação a 2019, o aumento foi de 19%. Houve aumentos salariais, apoios extraordinários e auxílio complementar às famílias com maiores necessidades.

Orgulho de ser acessível

“Mas o grande desafio será a crise que se aproxima”, afirma Duphorn, uma vez que, garante, “aumentar os preços não é uma opção”. Durante a conversa que temos na IKEA de Matosinhos, Helen Duphorn guia-nos pelos corredores labirínticos para chegar a um espaço que a orgulha: um apartamento totalmente mobilado por menos de quatro mil euros. “Por favor, quero uma fotografia aqui, porque é isto que eu quero mostrar.” Mostrar que a IKEA se preocupa em que haja mobília acessível a todas as famílias. “E esse é também o nosso papel nesta crise que se aproxima: oferecer opções sustentáveis e que poupem dinheiro, por um baixo preço”

Não avança projeções para o próximo ano, mas admite que a inflação já se faz sentir na empresa. Principalmente no fornecimento e no preço da matéria-prima. A “solução” tem sido continuar a apostar nas energias renováveis e na sustentabilidade, de forma a poupar o ambiente e a “carteira” da IKEA. Helen Duphorn frisa, com orgulho, que não são utilizadas quaisquer fontes de combustíveis fósseis nas diversas operações da empresa. E a taxa de reciclagem atinge quase os 90%.

Olhando para Portugal, Helen Duphorn vê espaço de crescimento. Existem atualmente cinco lojas no país – Braga, Matosinhos, Loures, Alfragide e Loulé – e seis estúdios de planificação. Apesar de admitir que poderá acontecer, não adianta data de abertura de uma nova loja, até porque a crise energética e financeira veio abalar os planos de todos.

“O interior do país é uma opção, mas nós vamos para onde os clientes nos pedem, por isso, ainda estamos a avaliar a melhor opção para um novo posto.” Por cá, a curto prazo, Helen Duphorn tem como objetivo tornar as entregas em casa mais eficazes e eficientes, fomentando as compras por via online.

Nos planos da líder da IKEA Portugal há algo que não consta: aprender português. “Não porque não quero ou porque não gosto, mas porque não consigo.” Filha de uma professora de línguas, assume-se envergonhada para o “péssimo jeito que tem para línguas”. Sabe inglês na perfeição e desenrasca-se em francês.

O que não tem aprendido na língua diz ter aprendido no feitio. “Os suecos e os portugueses são muito parecidos, mas acho que o que mais tenho de portuguesa neste momento é ter começado a chegar atrasada às reuniões”, brinca entre risos. Aos 61 anos, e depois de correr o Mundo em trabalho, Helen Duphorn encontrou em Portugal um local para se fixar. Daqui, afirma, só sai se a obrigarem. Ou isso ou se a obrigarem a comer bacalhau, a única coisa pela qual admite intolerância.