Há uma diferença de idades ideal para o sucesso de uma relação?

Ana Fernandes (52 anos) e Michel (66) conheceram-se na Suíça, em 2003. Estão juntos há 13 anos

Estudos sugerem que sim, mas a realidade é bem mais complexa. Duplo padrão no envelhecimento eterniza a preferência por mulheres mais jovens.

Ana Fernandes tinha 33 anos quando conheceu Michel, na altura com 47. Tinha acabado de emigrar para a Suíça e foi parar ao hotel onde ele trabalhava. Aliás, ele era patrão dela. E, durante anos, foi só isso. Aliás, Michel tinha uma namorada, curiosamente portuguesa. A dada altura, Ana começou até a fazer limpezas lá em casa. “Mas não se passava nada. Da minha parte nunca houve interesse”, garante.

Só que entretanto a relação de Michel acabou. E certo dia, numa saída com o pessoal do hotel, ele quis pagar-lhe um copo. “Mas eu não bebo álcool e lá não havia café”, recorda. Então o café ficou para o dia seguinte. Depois, cinema. E assim o amor foi nascendo de mansinho, até evoluir para uma relação que dura há 13 anos, quase tantos como os anos que os separam (14) sem nunca os separar realmente.

“Nunca foi um entrave, nunca liguei a isso. O maior entrave até era ele ser meu patrão. De resto, se uma pessoa está bem não tem que pensar nas idades.” Comentários alheios? Se houve nunca soube. E mesmo em termos de gosto e estilo de vida a diferença etária nunca foi sequer questão. “Até é ao contrário: ele, que é mais velho, é que quer andar sempre a sair e eu, que sou mais nova, é que gosto mais de ficar por casa.”

Vem esta história a propósito de uma questão que se levanta aqui e ali: haverá uma diferença ótima para uma relação amorosa resultar? Ana Carvalheira, psicóloga e sexóloga, é perentória. “A primeira coisa que me ocorre dizer é que não, a questão da idade não me parece relevante. É uma variável vazia, que só por si não diz grande coisa.” Até porque a idade, num sentido lato, se desconstrói em várias nuances: a idade biológica, a idade metabólica, a idade psicológica. Aliás, segundo a investigadora do ISPA – Instituto Universitário, esta irrelevância da questão etária pode até estender-se ao campo sexual.

Ou seja, é perfeitamente possível um casal ter uma vida sexual plenamente satisfatória, mesmo que haja um significativo fosso entre as idades de ambos. Já se falarmos de objetivos e aspirações, o caso muda de figura. “Pode é haver expectativas diferentes. Um quer ter filhos, o outro quer divertir-se, um quer dedicar-se à vida profissional, outro ao lazer. Essa pode ser uma questão: o confronto de expectativas de vida. Se o casal não for capaz de as conciliar, aí sim, a relação torna-se impossível.”

Catarina Mexia, terapeuta de casal, tende a concordar. “Diria que depende muito do momento da vida em que a relação acontece. Porque se estamos a falar de uma diferença de idades de dez anos, por exemplo, entre uma mulher de 30 e um homem de 40, ambos numa fase do ciclo de vida em que há objetivos comuns como ter filhos, é mais simples. Já quando falamos de um homem de 50 e alguns anos e uma mulher de 30, a probabilidade de não estarem no mesmo momento de vida é maior.” Isso mesmo vai percebendo através dos vários casos que lhe entram pelo consultório dentro.

Os interesses culturais, as redes sociais

Outra questão com que frequentemente se depara é um certo “gap geracional” em termos de comportamentos sociais e interesses culturais. A questão das redes sociais, por exemplo, e a linha que separa o que é público da esfera privada, é frequentemente “fator de discórdia”. “Além de que as inseguranças podem acentuar-se. “Por vezes acontece que, a dada altura, o elemento mais velho do casal começa a questionar-se quando é que o outro o vai trocar por alguém mais novo.”

Para Ana Margarida Pinto e Patrick Simão, ambos com 33 anos, uma escassa diferença de oito meses a separá-los, a questão da idade nunca se levantou. Isto é, até serem questionados pela “Notícias Magazine” não tinham sequer perdido grande tempo a pensar que o facto de partilharem um tempo de existência aproximado pode ter contribuído para alimentarem gostos e opções em comum. E, de alguma forma, para os aproximar. “O facto de termos idades mais próximas faz com que também os gostos sejam parecidos. Para ver filmes, para viajar, para muita coisa. Não é o principal, mas acho que ajuda”, entende Patrick.

E também neste ponto estão em sintonia, ainda que por motivos diferentes. “Sinceramente, nunca tinha pensado muito sobre isso, porque sempre foi a realidade com que vivi, nós estamos juntos há 12 anos”, começa por contar Margarida. “Mas diria que ajuda, mais pelos momentos da vida em que nos sentimos preparados para alguma coisa. A idade em que achamos que é ok viver juntos, casar, ter filhos. Se calhar, o facto de as idades serem semelhantes acabou por ajudar a que os nossos tempos para fazer essas coisas fossem coincidentes.”

Margarida e Patrick são da mesma idade e entendem que isso tem favorecido o sucesso de uma relação que dura há já 12 anos

Os estudos que há sobre o assunto parecem dar-lhes razão. Um deles, conduzido por Andrew Francis-Tan e Hugo Mialon, investigadores da Universidade Emory (EUA), concluiu que um fosso de cinco anos entre os parceiros é suficiente para haver mais 18% de hipóteses de se divorciarem. Se a diferença for de dez anos, a probabilidade de a relação acabar em separação aumenta 39% e se for de 20 anos dispara para os 95%.

Já um estudo de Wang-Sheng Lee e Terra McKinnish, publicado em 2018 no “Journal of Population Economics”, apontava que, no caso dos casais com uma diferença de idades entre os zero e os três anos, os índices de satisfação eram superiores aos das parelhas com quatro a seis anos de diferença e assim sucessivamente.

Mas… vale o que vale. Fundamental mesmo, como sublinha Ana Carvalheira, é haver uma “constante negociação”. Um outro estudo, da autoria de Karen Rolf e Joseph Ferrie, constatou ainda que, nos anos 1900, a média de diferença de idades entre os casais era sensivelmente o dobro do que se verifica atualmente.

Eles mais velhos, elas mais jovens

A propósito, Maria Isabel Dias, socióloga especialista em Sociologia da Família e do Género, lembra que este tipo de relações sempre existiu, ainda que a modernidade lhes tenha, em grande parte dos casos, redefinido os contornos.

“Nas sociedades pré-industriais, as relações sexuais tinham intenção meramente procriativa. As relações eram centradas na necessidade de sobrevivência e transmissão do património. E, neste aspeto, quanto mais jovem fosse a mulher, à partida, mais garantia de fertilidade dava. Hoje em dia, as relações entre pessoas de diferentes idades continuam a existir, mas o que se alterou foi o significado destas ligações. Falamos em concreto da forma como a ideologia romântica passou a influenciar as relações conjugais na modernidade.”

A professora associada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto frisa ainda que a semente do individualismo, que germinou a partir da Revolução Francesa, evoluiu com o tempo para uma busca constante da felicidade. Até chegarmos a uma lógica de “monogamia em série” que hoje prevalece.

Outro fator relevante foi a progressiva autonomia da mulher, que com o tempo se foi libertando da lógica dominante da dependência económica do companheiro. Catarina Mexia aprofunda a questão, mostrando de que forma esta autonomia se reflete na própria dinâmica das relações amorosas. “As mulheres tornam-se menos dependentes, mais conscientes das suas necessidades próprias, mais reivindicativas, não têm um papel tão submisso.”

Talvez por isso haja um certo preconceito, associado a uma lógica do “golpe do baú”, que tem vindo a esmorecer, entende a terapeuta. Há, no entanto, tendências que resistem às três décadas que já leva de profissão. Desde logo, o facto de as relações em que há uma grande diferença de idades continuarem a juntar preferencialmente um homem mais velho com uma mulher mais nova.

“É verdade que hoje já se vão vendo mais casais em que as mulheres são mais velhas, quando comecei era algo praticamente inexistente, mas claramente continuam a ser mais frequentes os casos em que eles são mais velhos.” Ana Carvalheira depara-se com a mesma realidade. E não tem dúvidas quanto à explicação que a sustenta. “Tem a ver com a questão do duplo padrão no envelhecimento, que se traduz numa situação de desigualdade”, atira, assertiva.

“A idade nos homens é charme, nas mulheres é intolerável. Vivemos numa sociedade que é muito mais exigente com as mulheres do que com os homens. A mulher mais velha é tida como eroticamente desinteressante e por isso os homens tendem a procurar mulheres mais jovens. Ainda não resolvemos o problema de erotizar o envelhecimento.”

A especialista dá um exemplo concreto. “Não se recorda do beijo de Macron [presidente francês] à esposa [Brigitte Macron, 24 anos mais velha], que foi altamente comentado? Se fosse ao contrário, provavelmente não se teria falado sequer. Ainda temos um longo caminho para percorrer.”

Histórias famosas

Harrison Ford e Calista Flockhart
22 anos de diferença
Conheceram-se em 2002, nos Globos de Ouro, casaram em 2009 e até adotaram um filho em conjunto. Ford tem atualmente 79 anos, Calista 57.

Brigitte Macron e Emmanuel Macron
24 anos de diferença
Emmanuel era um garoto de 16 anos quando conheceu Brigitte, sua professora de teatro, na altura com 40 anos. Lutaram contra o preconceito das famílias e estão juntos até hoje.

Leonardo DiCaprio e Camila Morrone
23 anos de diferença
O ator (47 anos) e a modelo/atriz (24) foram vistos juntos pela primeira vez no início de 2018, mas a relação já duraria desde 2017. Curiosamente, as más-línguas já chamaram a atenção para o facto de as relações de DiCaprio tenderem a acabar antes de a companheira completar 26 anos.

Demi Moore e Ashton Kutcher
15 anos de diferença
A diferença de idades não travou uma relação de oito anos, de 2003 a 2011. No entanto, no seu livro de memórias, publicado recentemente, Moore assumiu que a disparidade etária foi um dos fatores que contribuiu para o divórcio.

Michael Douglas e Catherina Zeta-Jones
25 anos de diferença
O grande fosso etário que os separa não os impediu de se tornarem num dos casais mais duradouros de Hollywood. Conheceram-se em 1996 e casaram em 2000. Atualmente, ele tem 77 anos e ela 52.

Heidi Klum e Tom Kaulitz
16 anos de diferença
A modelo de 48 anos casou com o vocalista dos Tokio Hotel em 2019. Já assumiu que foi alvo de críticas por causa da diferença de idades, mas garante que o companheiro a faz feliz.