Sandra e Diana partilham as experiências de lidarem com multiespécies, o que implica uma certa dinâmica, trabalho e responsabilidades.
Desde a meninice que Sandra Dias Alves tem tido animais de companhia de diferentes espécies. Recorda um coelho anão, uma tartaruga e um hamster, mas também periquitos, canários e peixes. “É uma das formas de me conectar à Natureza”, afirma a empresária do ramo das seguradoras, de 43 anos. Em 2012 foi mãe de Afonso, um ano depois de ter sofrido um desgosto com a perda de Beethoven, um samoiedo de 13 anos.
Em 2013, após um “sofrido luto” do canídeo, Sandra recebeu o periquito-fêmea Blue. “A dada altura, o meu filho começou a fazer comigo o que eu fiz com os meus pais: dizia que queria um amigo para brincar”, conta esta mãe que satisfez o desejo do petiz no seu quinto aniversário, a 24 de maio de 2017, oferecendo-lhe Félix, um gato persa cinzento.
As expectativas desta família foram superadas pela positiva, exceto a interação que Afonso esperava de um amigo de quatro patas. “Os gatos escolhem um dono e o Félix escolheu-me a mim”, constata Sandra, que em 2021 acolheu Suri. “O meu filho terminou o ano letivo com boas notas. Quis dar-lhe um prémio e ele pediu um animal porque o Félix não lhe ligava”, lembra. Um dia foi à loja de animais e viu uns “simpáticos suricatas”. Como o dono do estabelecimento é criador, obteve logo “mais informações sobre um bicho que só conhecia dos desenhos animados”.
Para Ilda Gomes Rosa, médica-veterinária e professora de Comportamento e Bem-Estar Animal, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, as pessoas devem “ponderar muito bem” antes de adotarem um animal de companhia e “mais ainda” se decidirem adquirir uma nova espécie para coabitar com outra já existente. “Devem informar-se sobre as espécies, verificarem o grau de compatibilidade, pedirem ajuda a criadores, médicos-veterinários ou pessoas que conhecem as espécies.”
Antes de Félix chegar, Sandra pesquisou sobre personalidades, temperamentos e necessidades de algumas raças. “Li muito, adicionei-me a grupos específicos do Facebook, aconselhei-me com veterinários, donos de lojas de animais e alguns amigos treinadores profissionais”, comenta sobre a opção pelo persa azul que é “muito pachorrento e ao mesmo tempo sociável”. Antes de adquirir o terceiro animal, tinha a intenção de “levar para casa” outro felino, mas ficou rendida aos encantos de Suri. Para aferir a aceitação por parte de Félix, o animal foi levado pelo criador à futura habitação. Sandra garante que nesse momento houve “logo uma boa aceitação” e evidencia o “companheirismo de um cão” e a “independência de um gato” deste suricata.
Ilda Gomes Rosa aconselha a introduzir primeiro a espécie que está abaixo na cadeia alimentar. “Ter na mesma habitação um cão de caça com um gato não deverá resultar. Se se pretende ter um gato e um coelho, introduziria primeiro o coelho e, entre cães e gatos, primeiro o gato ou os dois ao mesmo tempo”, exemplifica. A adaptação dos animais de companhia de Sandra e Afonso foi fácil, diz a empresária. “O Félix veio bebé e habituou-se a ver a Blue. Quando a solto da gaiola, o gato brinca sem usar as unhas. O Suri anda à solta e a interação com o gato não poderia ser melhor.”
Garantir a segurança e evitar o stress
Joana de Almeida, médica-veterinária da Barkyn, no Porto, não recomenda “juntar espécies predadoras com espécies presa” por ser “extremamente stressante para ambas”. E, apesar de haver “gatos que até parecem estar bem em casas com pássaros ou peixes”, a veterinária dedicada ao comportamento e bem-estar animal considera importante “não ir contra os instintos”. Defende por isso “uma fase de adaptação para o animal residente”, de forma a “não serem criados problemas de stress com a alteração do ambiente e rotinas”, até porque “há espécies mais sensíveis às alterações e cada animal é único”.
Na prática, “os donos devem criar zonas de segurança, para quando não estão presentes e a supervisionar”, sublinha Ilda Gomes Rosa. Diana Brites de Saldanha reside num apartamento em Paço d’Arcos e foi lá que proporcionou condições para manter Lumi segura. Esta gata british shorthair era bebé e assustava-se com Leia, uma cadela border collie que na altura tinha um ano. Movida pela paixão que tem desde criança pelos animais, a apresentadora de televisão e gerente da clínica de estética Lacclinic, em Lisboa, de 31 anos, fez o curso de treinadora para usufruto pessoal. Com os conhecimentos adquiridos, treinou Leia a “respeitar todos os animais” e recorreu a “alguns truques na aproximação de sucesso e tranquila entre Leia e Lumi”.
Uma das “regras” para uma boa adaptação que Joana de Almeida aponta passa por introduzir o novo animal “aos poucos, começando pelo cheiro, depois a visão sem contacto até ser possível a introdução sem restrições, mas sempre com supervisão”. Quando Diana saía de casa deixava a cadela e a gata em divisões diferentes e só as juntava quando estava presente. Há dois anos Lumi teve uma ninhada de seis crias e Diana ficou com uma, a Lupita. “A Leia teve ciúmes e urinava no tapete para chamar a atenção. Dei-lhe mais atenção e passou.”
No início de julho, a apresentadora iniciou mais um processo de adaptação, desta vez com o furão Mochi. “Sou muito calma. A Leia, apesar de ter muita energia, é calma. A Lumi e a Lupita também são tranquilas. Precisávamos de um animal meio louco e como há dez anos já tinha tido esta espécie, pensei que teria o temperamento ideal para trazer alegria à casa”, partilha, advertindo que “é preciso saber educar um furão, pois pode morder” e, além disso, “deve ser comprado num bom criador”. Mochi é destemido e a adaptação aos outros animais tem “sido gira”. “Com a Leia é pacífico, mas com as gatas é uma relação ‘mel e fel’. Elas tentam caçá-lo, ele ataca-as e elas recuam. Quando o solto da sua gaiola, de dois pisos, estou sempre a vigiar.”
A educação é igualmente necessária na introdução de novos animais da mesma espécie. Se com os cães, como animais sociais que são, segundo Joana de Almeida, “tem tudo para correr bem”, o mesmo já não se poderá dizer sobre os gatos, que requerem “uma introdução cautelosa”, por serem “solitários e territoriais, formando grupos apenas com irmãos da mesma ninhada ou filhos com mãe”.