Graça Morais: a força revolucionária do passado

Graça Morais é pintora

Com grande personalidade estética, sublinhada a batom vermelho, diz de si: “Sou uma pessoa simples e generosa, artisticamente muito complexa e exigente. Sou as pessoas que tenho encontrado, as viagens que tenho feito, os museus e as escolas que visito”.

O mundo imemorial, o sofrimento, a sabedoria ancestral. “Ligamos a ideia de revolução ao futuro, mas há, também, chamava a atenção Pasolini, a força revolucionária do mundo passado. A que força que se aplica à obra de Graça Morais.” José Manuel dos Santos, administrador da Fundação EDP e amigo antigo da pintora, acrescenta: “A Graça nunca tentou captar o espírito do tempo ou o sabor da moda. Houve por isso alturas em que a obra poderia não parecer tão contemporânea quanto outras. Porém, à mediada do tempo, foi-se valorizando, tornando-se mais atual e contemporânea”. A grande consistência formal e temática traduz-se no impulso e na visão de fundo iniciais: “Rostos femininos, fantásticos, cheios de sofrimento e sabedoria, a presença de animais e da Natureza”. Violência. Várias: crueldade sobre as mulheres, guerras, refugiados, retratados em militante intervenção cívica.

Nasceu em Trás-os-Montes, terra de todos os passados. “Na terra que nos dá os frutos que alimentam, vivem também os vermes que destroem. Ela sabe que o humano e o inumano se misturam, mas que é preciso reconhecê-los, distingui-los, separá-los, nomeá-los”, nota José Manuel dos Santos.

“O lugar onde nasci é importante. Guardo da minha infância memórias de um paraíso e de uma paisagem deslumbrante. Esse é o meu ADN”, diz a artista, em conversa telefónica, uma hora antes de receber da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro o doutoramento honoris causa, honra concedida apenas a mais uma mulher – Agustina Bessa-Luís.

Em Graça Morais há uma ligação estreita “entre o que é e o que faz, de tal maneira que nem se imagina, olhando as suas obras, outra pessoa que não ela”, assinala ainda José Manuel dos Santos. Fidelidade às raízes que não prejudica, bem pelo contrário, a universalidade da obra.

O momento de pintar “é de grande lucidez e de grande relação com o mistério”, afirmava a autora em entrevista ao DN, no ano de 2016. “Quando trabalho, faço com muita necessidade, com muita necessidade de pintar, de forma intensa”, acrescenta hoje.

Vive entre Lisboa e a aldeia. Avessa a burocracias e ao mundo digital – “Faz-me sofrer”. Sem rotinas. Com muitos momentos “de lentidão” – a ler, a pensar. “Gosto muito de dormir.”

A José Manuel dos Santos lembra-lhe “uma camponesa perdida na cidade, sem os ritos da vida mundana, muito capaz de irritações quando se passam coisas de que não gosta”. Graça Morais não se perde em conveniências sociais. “É transmontana”, resume o amigo. Tal como a obra, a autora pode ter nada de amável. Nem de ingénuo, apesar de recusar ceder “a audiências”.

Com grande personalidade estética, sublinhada a batom vermelho, diz de si: “Sou uma pessoa simples e generosa, artisticamente muito complexa e exigente. Sou as pessoas que tenho encontrado, as viagens que tenho feito, os museus e as escolas que visito”. Tímida, gosta de estudar as pessoas. De ouvir e só depois falar. “Quando se conversa com Graça Morais estão presentes a alegria e a tristeza, a convicção e a curiosidade pelos outros, o interesse pela história da arte”, sustenta José Manuel dos Santos. Admiradora de Agustina Bessa-Luís, comove-a a distinção universitária. “Sinto uma enorme responsabilidade e dever”, frisa, na certeza de dar continuidade a uma obra feita de alertas urgentes.

Maria da Graça Pinto de Almeida Morais, filha de Jaime Morais e Alda Pinto, lavradores e proprietários transmontanos, nasceu em 17 de março de 1948, na aldeia de Vieiro, Freixiel, do concelho transmontano de Vila Flor. No ano de 1955 entrou para a escola primária da aldeia. Começou a pintar objetos do seu quotidiano. Entre 1957 e 1958 viveu em Moçambique, onde o pai lhe ofereceu a primeira caixa de aguarelas. No ano seguinte, regressada ao nordeste transmontano, passou a frequentar o Colégio de Vila Flor. Em 1961, ingressou no Liceu de Bragança. No 5.º ano (1963), pintou os cenários da representação teatral do “Auto da Alma”, de Gil Vicente. Foi então que o mundo da adolescente mudou para sempre: passaram a chamar-lhe pintora.

Maria da Graça Pinto de Almeida Morais
Cargo:
pintora
Nascimento: 17/03/1948 (74 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Vila Flor)