Margarida Rebelo Pinto

Fruta da época


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

As aventuras tórridas, os encontros fortuitos, o toca-e-foge, a rotatividade e/ou a acumulação de parceiros ou parceiras deixam quase sempre um rasto de perplexidade e, não raro, de destruição.

No que respeita às aventuras (e desventuras) amorosas, a chegada dos primeiros dias de calor corresponde à temporada não oficial da abertura de caça. Casanovas, Don Juans, Alfies e similares avançam em grupos ou em modo solitário para os areais, bares de praia, esplanadas e rooftops, não em busca de uma princesa perdida que precisa de ser resgatada, mas de companhia feminina com quem possam divertir-se. Há várias décadas que tento explicar aos meus amigos que, para uma mulher, em geral, o sexo não é visto como um divertimento. Em vão. Como o ser humano tem tendência a ver a realidade não tal como ela é, mas como um espelho, se os homens consideram o flirt e o sexo uma diversão, torna-se bastante complicado entenderem que as mulheres se divertem a ir à Zara comprar tops e a saborear um brigadeiro quase proibido, enquanto conversam com as amigas sobre a vida, o amor e os homens, que, volto a salientar, no geral, são levados a sério.

O calor dilata os corpos, o sol chama os biquínis, os shorts e as peles bronzeadas e, quase de um dia para o outro, o Jack adormecido salta da caixa, ufano e animado, em busca de distrações em forma de um corpo feminino. Nada contra o conceito que associa o prazer e a diversão ao sexo, só que decorrida a época estival, nunca me foi dado a conhecer resultados frutíferos de tais práticas. As aventuras tórridas, os encontros fortuitos, o toca-e-foge, a rotatividade e/ou a acumulação de parceiros ou parceiras deixam quase sempre um rasto de perplexidade e, não raro, de destruição. Outro cliché da saison são as paixões assolapadas que se materializam em jantares românticos, lânguidas conversas em bancos de jardim e escapadelas ao fim de semana para aquele paraíso que já está completamente na moda, mas que os pombinhos em questão acreditam ser o último tesouro escondido de Portugal.

Amores de verão são como fruta da época, enterram-se na areia, portanto, todo o cuidado é pouco quando começam a soar as sirenes do enlevo e uma paixão inesperada nos toma o coração de assalto, para nos distrair da guerra, do aquecimento global, das dores nas costas, numa palavra, da realidade. Todo o cuidado é pouco, um tubarão pode vir disfarçado de golfinho, oferecer flores e chocolates e saltar cinco arcos em chamas só para demonstrar o quão empenhado está. A queda é inerente ao voo, pelo que convém que tais acrobacias sejam acauteladas com aterragens treinadas, ou, em caso de emergência, num salto de paraquedas com os fios em ordem para abrir no momento certo.

Segundo Kierkegaard, a propósito do mito de Don Juan, o objeto do desejo encontra-se sempre no próprio desejo. É o desejo interior que faz com que o conquistador persiga uma presa que mais se aproxima da imagem que ele construiu para a plena concretização do supracitado. Sai para caçar quem anda aborrecido ou está só, entra no jogo quem se sente só ou anda aborrecido. Depois de dois anos de pandemia, os cinco sentidos pedem ação e atenção. É como a rolha de uma garrafa de champanhe que esperou demasiado tempo para saltar, nunca sabemos onde vai parar. Numa trajetória mal calculada, pode partir uma lâmpada ou furar um olho. Fruta da época são favas contadas. Podem dar dores de barriga e um amargo de boca que não se esquece.