Valter Hugo Mãe

França


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

O ódio pelos naturalmente diferentes é uma perturbação mental, uma estupidez. Tem de ser considerado um problema de formação e não um modo de criar política, desenhar sociedades, atribuir cidadania.

Aquela mulher não pode ganhar, mas a simples coisa de alguém ponderar isso já é patologia grave que acomete à Europa, esse lugar que sabe pensar muito melhor mas não o quer fazer. Parece que, um pouco por toda a parte, o europeu se cansou de ciências e humanidades, compaixão e engenho, para se entregar à folia da estupidez e do mal. Depois de ressentidos ou indignados, agora há multidões de vingativos, uma espécie de cidadãos mal adultos que anseiam pelo sangue alheio, mais do que pela gloriosa segurança e sobrevivência de todos.

Curiosamente, a imbecilidade está em pensar que o sistema falha pela acção do coitado vizinho, que certamente será preguiçoso a trabalhar ou rouba papel da máquina fotocopiadora, casou com um homem, entregou-se ao vegetarianismo, usa cores claras e até lenços, um vizinho que ouve música persa ou tem a pele escura. O cidadão que odeia os seus pares é o mais perigoso de todos. Aquele que não entendeu que a sua condição semelhante o deve esclarecer em relação ao outro e motivar a um voto mais cuidado, uma atenção mais responsável à política, uma participação mais informada e sempre mais exigente.

Todos podemos entender o protesto dos que protestam, temos contas para pagar e a esmagadora maioria de nós não guarda lingotes de ouro ou milhões na absurda hipocrisia suíça. Contudo, há sinais vermelhos que se acendem no mais elementar do cenário humano. Qualquer defesa do ódio e da exclusão, qualquer ataque à democracia, ansiedade por ditaduras e qualquer descontrolo nas vontades punitivas, é apanágio da desumanidade, não é mais o projecto humano no qual todos devemos estar inscritos. Importa pouco que se esconda cada ímpeto para o grotesco atrás de ideologias e retóricas cheias de cosmética. Se estiver em causa o ataque aos direitos fundamentais de cada um, se estiver em causa questões que apenas a Natureza pode definir, então não há lugar para muita opinião nem é assunto para se criar antagonismo. O ódio pelos naturalmente diferentes é uma perturbação mental, uma estupidez. Tem de ser considerado um problema de formação e não um modo de criar política, desenhar sociedades, atribuir cidadania.

A senhora francesa tem décadas de uma visibilidade de lixo. Há décadas que inferniza o espaço francês e mundial com a porcaria que é o seu pensamento e sentimento em relação a quem não corresponde ao seu padrão elitista de gente. É pena que não tenha sido relegada para seu próprio ódio, consumida na fealdade que defende. É pena que ainda estejamos a debater ideologias de simpatias nazis, horrendas, matadoras.

Que a memória de uma França esplendorosa salve esta França em decadência moral. Que a França se salve, porque é demasiado triste ver o povo de Proust, o mesmo que amou Picasso, entregar-se ao risco de aniquilar tudo aquilo que de melhor ofereceu às consciências do Mundo numa História outrora brilhante.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)