Margarida Rebelo Pinto

Férias tão grandes


Rubrica "A vida como ela é" de Margarida Rebelo Pinto.

Também gostava de me deitar em plena relva, até ao dia em que vi ao longe um inglês furioso a gritar e a gesticular, “get out of the way”.

É inevitável o regresso aos lugares onde já fomos felizes. A memória chama, os dentes rangem, o corpo reclama. A minha madalena de Proust é um pastel de nata em miniatura, especialidade doceira do Hotel Penina, o primeiro cinco estrelas do Algarve, por onde o Paul McCartney passou para beber um copo na pequena boîte com direito a orquestra e escreveu uma música sobre o hotel. A melodia nunca chegou aos tops, mas a lenda ficou registada para gáudio de quem passa cá férias há décadas com os filhos e os netos, tal como os meus avós.

Nos anos 70, 80 e 90 viajar para o Algarve demorava seis horas, em carros sem ar condicionado nem cintos atrás. Os avós ficavam no hotel e a restante família instalava-se na casa da quinta que pertencia à propriedade, ao lado do aeródromo que não era mais do que uma singela pista para avionetas que pareciam de brincar. Cresci a vê-las levantar e aterrar com a graciosidade de uma ave, um pouco maiores do que as gaivotas que invadem a piscina ao final da tarde. Acordava com as galinhas que viviam ao lado – era mesmo uma casa de quinta, com galinheiro e vacaria – e atravessava o golfe logo pela fresquinha, embalada pelo ritmo dos aspersores, contemplando a Natureza e sentindo-me parte dela, qual borboleta sonhadora. Também gostava de me deitar em plena relva, até ao dia em que vi ao longe um inglês furioso a gritar e a gesticular, “get out of the way”. Pois claro, uma adolescente com pernas de esferográfica no meio do green não faz parte da partida.

A avó Henriqueta, sempre bonita e elegante, impressionava as outras senhoras jogando na explosão cromática sincronizada: saída da piscina às flores azul-turquesa, fato de banho e touca de borracha da mesma cor, a fazer pendant. No dia seguinte, o mesmo conceito noutra cor, e assim sucessivamente. As toucas eram cobertas de pequenas flores, a avó nadava num estilo próprio, um cruzamento interessante de bruços com crawl, sem nunca molhar a cabeça para não afetar a mise, enquanto nós fazíamos acrobacias a partir das pranchas de saltos. À noite, dançávamos na pista do tamanho de um pastel de nata, ao som de uma pequena orquestra entre primos e amigos. A avó jantava de vestido comprido e o avô de fato e gravata, regras do hotel mais inglês do Algarve. O avô Zé, sempre magro, baixo e careca, organizava todos os anos o concurso hípico. Menino da Luz, era estimado e respeitado por antigos colegas que seguiram a carreira militar, chamavam-lhe o dono do concurso. “Vai agora entrar em campo o conjunto…” Cada vez que ouvi aquilo pensava por que raio chamavam conjunto a uma pessoa em cima de um equídeo.

Esta semana viajei no tempo e voltei à minha infância algarvia. As hortenses continuam a enfeitar a entrada imponente, a porta giratória que fazia as nossas delícias está condenada à imobilidade e o lobby, tão igual, que me vieram as lágrimas aos olhos. A minha madalena particular continua uma delícia, o creme a pedir canela, o paladar mergulhado nos gloriosos anos 80 e a paisagem verde e pacificada a perder da vista. Eram tão compridos os verões da nossa infância, abençoados aqueles que os tiveram tão belos e felizes quanto os meus.