Margarida Rebelo Pinto

Fazer anos


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Encarar a passagem inexorável do tempo com graça e leveza é perceber que os pequenos sinais nas costas das mãos aparecem à mesma velocidade com que a pele das mesmas se torna fina como papel.

Há pessoas que adoram fazer anos e outras que nem por isso. E depois, há pessoas que nunca sabem se gostam ou não de festejar a data. Nunca liguei a efemérides, sou aquele tipo de pessoa que passa a noite de 31 de dezembro a dormir, ou num avião a atravessar o Atlântico. Sempre me irritou o folclore da contagem decrescente, das passas engolidas à pressa e dos votos de feliz Ano Novo que se entendem até ao final de janeiro. No entanto, citando um amigo próximo, quando me queixei de dobrar a curva do meio século, “mais vale fazer do que não fazer”. O mesmo amigo que me disse, “não te preocupes, porque uma senhora nunca passa dos 50 anos”. Oxalá mais homens pensem assim, numa sociedade tiranizada pelo mito da juventude eterna, na qual vemos com frequência crianças vestidas de adultas saracoteando as ancas no TikTok e mulheres maduras vestidas de teenagers a fazer as mesmas figuras no mesmo TikTok.

Fazer anos a partir de uma certa idade é sempre um bocadinho constrangedor, porque às tantas uma pessoa sente-se vagamente ridícula: à pergunta “quantos fazes?” vem aquele comentário carregado de boas intenções, “pois olha que estás lindamente para a tua idade”. A pessoa encolhe os ombros, enquanto cogita com os seus botões se o vestido escolhido para a ocasião tem o dom de a fazer parecer mais nova, ou apenas lhe dá um ar jovial, o que já é espetacular.

Contudo, quando olho para as mulheres com mais de 50 e para os homens da mesma faixa etária, sou levada a pensar que nós temos mais sorte do que eles. Podemos pôr um bocadinho de botox sem ficarmos ridículas, é normal pintarmos o cabelo, só se o cabeleireiro for muito mau é que ficamos pirosas. Já os homens, com botox perdem o charme e ficam esquisitos, e se lhes dá para pintar as melenas, então é uma desgraça. Nós colocamos extensões para dar volume ao cabelo e achamos normal, mas se nos aparece um tipo à frente com um capachinho, desatamos a correr e só paramos em Madrid. E temos mil e um truques para disfarçar as rugas e os sinais da idade: antiolheiras milagrosos, ampolas que esticam a pele, pestanas postiças, artimanhas que nos homens seriam, no mínimo, bizarras. Já conheci um bonitão igual ao Alain Delon que me fez gelar o sangue no instante em que suspeitei que usava rímel. E usava mesmo.

Encarar a passagem inexorável do tempo com graça e leveza é perceber que os pequenos sinais nas costas das mãos aparecem à mesma velocidade com que a pele das mesmas se torna fina como papel. É ir para a praia com um chapéu de abas largas que nos tape o pescoço e o colo, é aceitar que gostamos de dormir cedo e de acordar com os passarinhos. E se nos impingirem um bolo, que venha sem dezenas de velas espetadas que dão uma trabalheira a acender e só o bafo de um dragão enfurecido tem capacidade para apagar. Apesar de não resistir ao ritual de morder uma vela debaixo da mesa para pedir um desejo, já o faço com algum cuidado, não vá dar um jeito às costas numa manobra mais arriscada, ou desejar por algo que se pode tornar num problema. Citando Santa Teresa D’Ávila, são mais derramadas lágrimas pelas súplicas atendidas do que pelas não atendidas. Os ingleses é que estão certos, quando dizem “age is a matter of mind, if you don’t mind it doesn’t matter”.