Joel Neto

Escolho a maravilha


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

A ignorância não é uma bênção (a ignorância nunca é uma bênção), a humildade de reconhecê-la é.

Consciente da ignorância sobre os gestos e as renúncias da paternidade, ouvi a Marta informar-se sobre um curso para novos pais e inscrevi-me com ela. As monitoras gostaram: os homens são difíceis de recrutar, em particular numa sociedade conservadora.

E eu podia dizer que aprendi muito, se não tivesse aprendido tudo o que sei. Porque não sabia onde me pôr durante o parto (quero dizer, o período expulsivo) nem que segmento do corpo de um bebé lavar primeiro. Não sabia o que era um aspirador nasal nem para que serviria um ninho (cujo nome também não sabia). Não sabia o que significava a palavra puerpério, mesmo por dedução etimológica, e os palpites que me ocorreria ensaiar sobre “exterogestação” iam dar ao mesmo.

Evidentemente, continuo sem saber muitas coisas. Mas algumas já sei que não sei. Não tenho as respostas, mas recolhi perguntas. Estou grato.

Entretanto, tomei conhecimento da prática de uma actividade chamada plano de parto, destinada a reduzir o espaço para a violência obstétrica no hospital, e candidatei-me também. A Marta disse logo que iria sozinho, suspeitando tratar-se de coisa para a deixar ansiosa. Mas eu estava convicto de que também tinha responsabilidades para com a violência obstétrica. No ano passado, e ao fim do mês mais difícil da nossa vida, ela teve de provocar a expulsão de um aborto retido e foi deixada durante horas, medicada e à espera, na cama ao lado daquela por que passaram quatro parturientes bem-sucedidas. Não tenho memória de alguém meu ter sido alvo de um acto tão ignóbil – e eu não pude fazer nada.

Portanto, lá fui à reunião. E algumas das questões faziam sentido. Mas não todas. “Pode haver estagiários a assistir ao parto?” Tudo bem, a Marta não se importa. “Se a mãe não estiver disponível para o pele-a-pele, pode fazê-lo o pai?” Claro, venha o pequeno – só me inquieta a razão por que a mãe não estaria disponível. “Aceita uma episiotomia?” Oh, diabo, mas há o que aceitar? Se isso se colocar, não poderá ser a diferença entre a vida e a morte do bebé (até da mãe)? “A manobra de Kristeller, com certeza, não vai aceitar, que é crime. Aceita?” Mas como assim, “aceito”?

É assustador. Quer dizer: primeiro são os vórtices moralistas, a ditadura da fisiologia, a elevação da mulher à condição de deusa e a sua imediata redução à de mamífera (como se o sapiens não fosse também o único mamífero que escreve sonetos). Depois é um sistema de saúde tão frágil que, a pretexto de uma série de decisões para que não tenho preparação, que no limite podem ditar a viabilidade de um bebé e que – tenho a certeza – muitos casais vêm a tomar com ligeireza, me obriga a escrever num papel não querer que seja cometido um crime contra a minha mulher ou o meu filho.

A ignorância não é uma bênção (a ignorância nunca é uma bênção), a humildade de reconhecê-la é. Completei o plano, mas para levar no bolso, com um pedido de consentimento informado. Não vou inibir actos médicos por decreto e, francamente, se chegarmos à hora da decisão X, não quero ser eu a tomá-la. Não há partos (ou sequer gravidezes) mais ou menos: o que acaba bem foi uma maravilha; o resto, uma tragédia.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)