Margarida Rebelo Pinto

Diva para sempre


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Anna mostrou ser uma impostora nata e uma burlona talentosa, mas, acima de tudo, ela é a personificação do clássico americano “fake it until you make it”.

Quem tem lata, tem quase tudo, e a tua atitude pode levar-te ao topo do Mundo. Até ao dia da queda, porque a mentira tem perna curta, mesmo que andes de jato privado.

A história da Anna Sorokin foi revelada em 2018 no “The New York Times” pela jornalista Jessica Pressler. De embuste em embuste, com o falso apelido Delvey, encantou ricos e famosos, bancos e investidores, no intuito de financiar o projeto para o melhor clube privado de sempre. Para isso, infiltrou-se na elite nova-iorquina, enquanto orquestrava uma vida de luxo, baseada na projeção da pessoa que sempre quis ser: uma herdeira milionária europeia que só faz o que lhe apetece e que transforma os seus sonhos mais ambiciosos em realidade. As suas aventuras e desventuras chegaram ao Mundo sob a forma de uma série na Netflix (“Inventing Anna”) .

Ninguém resiste a uma vilã com um palminho de cara que revela esperteza e jogo de cintura. Mas, para conquistar o público, ela tem de nos surpreender a cada gesto, de viver um processo de constante superação que a torne irresistível. Anna mostrou ser uma impostora nata e uma burlona talentosa, mas, acima de tudo, ela é a personificação do clássico americano “fake it until you make it”. Para isso, vestia roupas de marca, insinuava-se junto do poder e do dinheiro, presenteava as amigas com artigos de luxo e viagens, vivendo o sonho de ser outra pessoa.

A verdade é que, em algum momento da existência, qualquer ser humano sonha com vida de luxo: ir aos restaurantes de quem toda a gente fala, dormir em suites de hotéis de cinco estrelas, ter uma carteira Chanel, viajar num jato privado e passar férias num iate ao largo de Ibiza. Quem não tem posses, ou tem amigos que as têm, ou, se tiver vocação para a malandragem, aproveita-se da simpatia alheia.

A construção da personalidade também é feita em função dos objetivos a atingir. Existe uma idealização, uma projeção daquilo que queremos ser, ou daquilo que queremos que os outros vejam em nós. Não existe nada de errado em ser ambicioso, o problema é quando a não aceitação da nossa realidade nos leva à construção de uma identidade completamente falsa. A ideia que vamos construindo de nós próprios em função daquilo que conseguimos também se vai alterando: quanto mais longe formos nos nossos objetivos ou sonhos, mais em conta nos temos. Uma pessoa pode convencer-se que já é outra pessoa em função daquilo que atingiu.

Acerca de Hollywood, o ator e dramaturgo Sam Shepard escreveu: estas pessoas já são as pessoas que fingem ser. Será Anna uma destas pessoas? A sua pose blasé e desafiadora fez com que enganasse muitas pessoas durante bastante tempo, sem sequer usar o clássico estratagema associado ao eterno feminino da sedução sexual. Pelo contrário, repudiou tentativas de ricos e poderosos que, fascinados com ela, tentaram esse tipo de aproximação. Talvez Anna só gostasse de si mesma. A sua única ambição era tornar-se na herdeira milionária que sempre sonhou ser. Para tal, derreteu 250 mil dólares que não lhe pertenciam, foi condenada em tribunal e presa. Depois de ter sido libertada, a Netflix pagou-lhe 330 mil dólares pelos direitos da sua história dos quais 199 mil foram para ressarcir os seus credores, 24 mil para custas de tribunal e 75 mil para o seu advogado. Anna ficou com 22 mil dólares e foi às compras.

Uma diva é sempre uma diva, não tem a ver com os zeros à direita no saldo bancário, é tudo uma questão de atitude.