Margarida Rebelo Pinto

Dentro e fora


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Nas relações em que um, de forma mais ou menos óbvia ou velada, vai encostando o parceiro às cordas, não é comum reunirem-se as condições para a mudança, porque ninguém consegue fazer uma revolução sozinho.

Esperei pelo resultado das eleições presidenciais em França para escrever sobre liberdade, porque o meu coração tremeu quando as sondagens apontavam para uma possível vitória da extrema-direita. Assustou-me a possibilidade de a República Francesa, um dos berços da democracia, cair no abismo. Não aconteceu. Os franceses escolheram o candidato que mais se aproxima dos valores da República: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

É com grande orgulho que faço parte da geração dos filhos do 25 de Abril: cresci com os retratos de Marcello Caetano e de Américo Tomás na sala da Primária e assisti às últimas eleições antes da Revolução através do olhar cético do meu pai, que comentava que não serviam para nada, dado que vivíamos numa ditadura. Quando Portugal se libertou do antigo regime, gasto e vetusto, com todos os excessos que se seguiram, o meu pai respirou fundo. Fora afastado de uma multinacional por se recusar e ser informador da PIDE, pouco tempo depois da Revolução sofreu um saneamento por estar ligado à fundação do CDS. Antes e depois, pagou caro o preço da independência. Contudo, sempre defendeu a democracia como o melhor dos regimes.

Os casamentos são parecidos com os regimes: existem os democráticos, nos quais as partes dialogam, negoceiam, discutem e tentam chegar a soluções de consenso, e existem os tirânicos, onde um controla e subjuga o outro, seja por deter o poder económico, ou por ter uma personalidade dominante e, como tal, dominadora. Como faz parte da minha vida de escritora observar a condição humana, a vida mostrou-me que o primeiro estilo conjugal leva a um maior número de divórcios do que o segundo. A razão é simples: é natural a alternância de poder numa democracia, não se anula nem se mata a oposição. Numa ditadura é normal que isso aconteça. Manda quem pode, obedece quem deve.

Tal constatação acabou por ser uma revelação, porque durante anos acreditei que um casamento morto ou moribundo era fácil de terminar, até a vida me mostrar que uma relação ligada às máquinas pode durar uma vida, enquanto um casamento vivo corre o risco de ruir se levar um abanão. Nas relações em que um, de forma mais ou menos óbvia ou velada, vai encostando o parceiro às cordas, não é comum reunirem-se as condições para a mudança, porque ninguém consegue fazer uma revolução sozinho.

O número de queixas por violência doméstica continua a aumentar num país que está a chegar a meio século de democracia. Os portugueses orgulham-se de uma revolução feita de abraços e de cravos, mas em casa nem sempre praticam os valores democráticos. Esta linha de comportamento não está associada a uma faixa etária ou a uma classe social. Infelizmente, persiste ainda o peso da tradição machista que dita que quem manda é o homem. Fiquei feliz pelos franceses e festejei o 25 de Abril, desejando que as novas gerações valorizem a liberdade e a democracia a ponto de não as considerarem adquiridas. Nunca são, por isso a luta é eterna, dentro e fora de portas.