Dar um empurrãozinho às escolhas certas

Há várias tipologias de "nudge", que significa empurrãozinho ou dar um empurrãozinho

Tomamos todos os dias decisões irracionais: pouco lógicas e muito ancoradas em automatismos ou emoções inconscientes. Pequenas alterações no contexto - que exploram esse lado menos reflexivo - podem levar a escolhas muito diferentes com grande impacto individual e coletivo. Esse é o poder do “nudge”.

Problema: os hóspedes dos hotéis atiram demasiadas toalhas para chão, mesmo quando só ficam dois ou três dias. Possíveis soluções: colocar um pequeno letreiro na casa de banho com o apelo “Ajude a salvar o meio ambiente. Pode mostrar o seu respeito pela Natureza reutilizando as toalhas durante a sua estadia”. Ou um que diz: “Ajude a salvar o meio ambiente. Quase 75% dos nossos hóspedes usam as suas toalhas mais do que uma vez”. Qual deles será mais eficaz? Um estudo de 2008, que envolveu 190 quartos de hotel durante 80 dias, contabilizou a diferença entre os dois: o segundo levou a 9% de aumento na reutilização em relação ao primeiro. São muitas toalhas a menos para lavar e muita água poupada.

Isto é o “nudge” ou “nudging”, que significa empurrãozinho ou dar um empurrãozinho. Uma intervenção pequena que, sem alterar as possibilidades de escolha ou os incentivos financeiros, incita a para tomar decisões melhores. Não é uma imposição, nem se trata de premiar financeiramente determinada ação, mas antes introduzir uma variante que dê um empurrão no sentido de uma escolha mais racional ou de um comportamento que se quer incentivar. O conceito nasceu das descobertas na área da Economia Comportamental, que começou por ser uma nova área dentro da economia, ancorada em descobertas de psicólogos cognitivos e economistas, e que hoje está a reenquadrar a forma como se olha toda a economia, ciências sociais e políticas.

“As descobertas dos últimos 20 ou 30 anos dizem-nos que tomamos decisões de uma forma muito menos lógica e racional do que pensávamos”, explica Diogo Gonçalves, cientista comportamental com formação em Psicologia Social e diretor da Nudge Portugal, que criou em 2017. Os dois nomes centrais nessa área são Daniel Kahneman, um psicólogo que ganhou o prémio Nobel da Economia, em 2002, ao integrar conhecimentos das ciências psicológicas na economia, especialmente no que diz respeito ao julgamento e à tomada de decisões, e o economista americano Richard Thaler, Prémio Nobel em 2017, que mostra como a nossa racionalidade limitada afeta sistematicamente as decisões individuais. O “nudge” nasce destes achados, explorando os nossos vieses cognitivos ou emocionais. “Estas pequenas alterações no contexto não nos influenciam por via da racionalidade, mas antes por via do sistema subconsciente, mais primitivo : o chamado sistema um, estudado por Kahneman”, resume Diogo Gonçalves.

Há várias tipologias de “nudge”. No estudo das toalhas de hotel é explorada uma das mais poderosas: a moralidade ou prescrição social, que tira partido de sermos seres sociais, com tendência para seguir as normas do grupo. Uma das intervenções mais conhecidas com essa tipologia foi usada nos Estados Unidos pelo fornecedor de eletricidade Opuser, que nas faturas de eletricidade, além do consumo do cliente, inclui uma barra a indicar os consumos, mais baixos, dos vizinhos mais eficientes energeticamente. “Conseguiam baixar o consumo de eletricidade de um estado em cerca de 2%. Parece pouco, mas é uma diminuição que significa que seria possível abdicar de uma central termoelétrica”, frisa o diretor da Nudge Portugal.

Diogo Gonçalves usou esse tipo de intervenção na cadeira de supermercados Auchan, no âmbito de um programa de combate à obesidade infantil. O “nudge” criado foi uma intervenção muito simples: no carrinho de compras uma pequena etiqueta a dizia: “As famílias mais saudáveis desta loja escolhem pelo menos 11 frutas e legumes por visita. E você?”. A compra de legumes aumentou 25% em quantidade e 30% em variedade.

Pode um autocolante salvar um elevador?

Um elevador parado é um problema, sobretudo quando só há um no edifício. E a Gebalis, empresa que gere a habitação pública municipal em Lisboa, tinha recentemente 57 elevadores parados, a aguardar intervenção, na sequência de estragos causados por atos de vandalismo. A empresa tem a seu cargo cerca de 23 mil casas, com uma população residente de mais de 64 mil pessoas, distribuídas por 3200 prédios onde há 1181 elevadores. Entre 2015 e 2021, 171 ocorrências de vandalismo motivaram a apresentação de queixa-crime por parte da empresa às autoridades, com danos que acenderam os 900 mil euros.

Mas o vandalismo não é um problema só a nível de custos – o pior é o impacto na qualidade de vida dos moradores. “Basta uma botoneira arrancada num lote só com um elevador para haver pessoas com dificuldades de mobilidade que ficam reféns dentro das próprias casas até o elevador estar reparado”, esclarece Carlos Freitas, coordenador de zona da Gebalis. Foi na esperança de uma melhoria que iniciaram a relação com a Nudge Portugal, em 2019, e arrancaram com o projeto “Lift to heaven” (Elevador para o céu). Selecionaram uma amostragem de cem elevadores onde intervir com um cartaz autocolante – “o nudge” – na parede da cabine.

Um terço deles são a imagem de um olhar, com a frase “Não danifique o elevador”, para apelar à questão de se estar a ser observado, “já que o vandalismo, por definição, se faz quando ninguém está a ver”, justifica Carlos Freitas. Noutro terço, o autocolante ilustra um cão fofinho, para apelar à bondade, com a frase “O Óscar está farto de subir as escadas. Por favor, não danifique o elevador”. Por fim, nos restantes, foi colada a imagem de um super-herói, acompanhada do texto “Seja como um super-herói, não danifique o elevador”.

A pandemia complicou as avaliações, que estiveram paradas, e ainda aguardam os elementos da última recolha de dados, mas já há algumas pistas. Surpreendentemente, a primeira delas, que foi observada nas avaliações, não tem nada que ver com os elevadores. “Quando mais bem apropriado estiver o hall de entrada do prédio, menos propensão existe para o vandalismo nos elevadores”, defende o responsável. Átrios de entrada limpos, com plantas, tapete e sem objetos partidos predizem elevadores menos vandalizados. “Isto leva-nos a pensar que, se tivermos uma ação preventiva na manutenção das zonas comuns, a probabilidade de elevadores vandalizados será menor”, advoga o responsável de zona.

Quando aos “nudges”, sem valores muito expressivos, mas também com diferenças a assinalar: os olhos e o cão fofinho são os autocolantes mais danificados, mas em compensação, as cabines em si, são menos vandalizadas. O que está aqui mais ou menos implícito é que o vandalismo é direcionado para o “nudge” e não para o equipamento. Meio a brincar, meio a sério, a equipa questiona-se agora se a solução não passará por uma intervenção que direcione o vandalismo para um objeto, afastando-o da cabine e poupando o elevador.

Também já experimentaram, por conta própria, o uso desta ferramenta no envio dos ofícios que notificam os moradores acerca da entrega de documentação obrigatória de três em três anos. Este com dados concretos muito expressivos: se enviarem um ofício com termos muitos jurídicos e que lembra as penalizações, têm uma taxa de resposta dentro do prazo de 7%; se enviarem o ofício normal mais neutro, a taxa de resposta é de 10%, se enviarem uma carta que tem um post it colado, escrito à mão, que diz “Não esquecer a entrega dos documentos até dia X”, que a pessoa possa colar algures, a entrega atempada sobre para 12%. “É uma estratégia que estabelece um pré-compromisso com as pessoas e a que resulta melhor”, conclui o responsável.

E nas políticas públicas?

Todos temos perceções e ideias sobre como influenciar os outros. Mas fazer “nudging” implica passar do senso comum à ciência. E a ciência implica experimentação e análise de resultados. “É imprescindível avaliar empiricamente e testar as ferramentas antes de serem implementadas”, vinca Sandra Maximiano, professora de Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e especialista em Economia Comportamental. E a experiência deve ser feita no contexto de implementação, não com exemplos importados de outros países, acrescenta a investigadora do XLAB – Behavioural Research Lab, um laboratório que explora a tomada de decisão e o comportamento económico, político e social.

O “nudge” aplicado às políticas públicas pode ter efeitos muito relevantes. “Testar pode custar algum dinheiro, mas é ínfimo comparado com os custos da implementação de medidas políticas em grande escala que não funcionam”, considera a investigadora. Pode até ajudar a salvar vidas. “Veja-se a pandemia de covid-19 e a necessidade de convencer a população a ser vacinada”, exemplifica. “Poder-se-ia testar em pequena escala vários tipos de mensagens a enviar por SMS e escolher a que demonstrou maior eficácia no teste experimental.”

Podia, mas não aconteceu. “Depois de vários países o terem feito, o Governo decidiu criar uma task force comportamental. Mas não foi feito nenhum teste, apenas discussões e brainstorming de grupo. No fim, simplificou-se muito pouco no que respeita aos SMS que os utentes recebiam”, conta. De resto, ao pedido de indicação de um exemplo recente, bem-sucedido, de aplicação do “nudge” a políticas públicas portuguesas, a investigadora responde com um “infelizmente, zero”.

“Não existem exemplos de uma aplicação direta nas políticas públicas. Não há tradição de avaliação quer ‘ex-ante’, quer ‘ex-post’ de políticas públicas em Portugal e esse é um dos problemas sucessivos da administração pública em Portugal”, destaca Sandra Maximiano. “A palavra experimentação parece assustar os governantes. [… ] Pensa-se que se pode estar a brincar com a vida de algumas pessoas quando, no fundo, a implementação de muitas medidas às cegas significa brincar com a vida de todos os cidadãos”, resume. A razão, alega, pode também estar relacionada com o facto de quase ainda não haver formação nem especialistas na área da Economia Comportamental em Portugal (a investigadora fez a sua formação fora e só regressou em 2018).

Também a propósito da pandemia, Diogo Gonçalves deixa um exemplo de uma medida que lhe chamou a atenção pela negativa: as restrições horárias para ir a supermercados, lojas e restaurantes. “Quando criamos uma mentalidade de escassez, neste caso temporal, vamos gerar uma afluência desnecessária ao serviço ou local. Acho que foi um exemplo paradigmático de como uma medida pública mal informada em termos comportamentais pode ser desastrosa.”

Há quem considere o “nudge” uma técnica paternalista ou manipulativa. Sandra Maximiliano entende a questão, mas avalia como mais paternalistas as medidas que reduzem a liberdade de escolha, como a proibição de comida e bebidas consideradas pouco saudáveis nas cantinas das escolas. “Em vez de ter sido aplicada uma medida extremamente paternalista e proibitiva que não muda necessariamente hábitos, poderiam ter sido testados alguns ‘nudges’, como a alteração da disposição dos alimentos”, defende.

Quanto à manipulação, há esse perigo, sim, nomeadamente em estratégias de marketing empresarial. O que é mais uma razão para que o Estado e os reguladores conheçam as técnicas usadas pelas empresas. E fornece um exemplo da sua vida: nos Estados Unidos, onde viveu dez anos, a seguradora de saúde decidiu considerar todos os clientes como fumadores, por defeito, para efeitos de valor do prémio a pagar. “Foram dados poucos dias para que, quem não fosse fumador, indicar isso numa página pouco acessível do website da empresa. Isto é um exemplo de aplicação abusiva de técnicas de ‘nudge’.” É a chamada tipologia por defeito, que explora a nossa tendência para manter as coisas como estão, porque isso requer menos esforço. Pode ser usado para o bem, tornando-nos a todos, se nada fizermos, doadores de órgãos após a morte, como acontece já em Portugal, ou para nos cobrar valores indevidos no seguro de saúde.