Jorge Manuel Lopes

Dançando com os fantasmas do jazz


Camae Ayewa, aliás Moor Mother, é uma poeta, compositora, vocalista, artista visual, ativista e docente americana que, em meados da década passada, entrou de rompante na cena alternativa global com vários projetos em que as fronteiras entre palavra dita, jazz, música experimental sem lei e projetos multimédia foram eliminadas. A sua produção em disco e em palcos é copiosa e sob muitos nomes, destacando-se os vários trabalhos como Moor Mother e a bordo do quinteto Irreversible Entanglements, de contornos nitidamente mais jazzísticos. A isto, e influenciando toda a sua obra, junta a militância no Black Quantum Futurism, um coletivo artístico e literário em que também se destaca Rasheedah Phillips, explorando um compósito de ciência, afrocentrismo e anticolonialismo.

O título do novo álbum de Ayewa como Moor Mother é revelador q.b. Submarino sonoro, “Jazz codes” (Anti-) percorre o fundo de um oceano de joias e detritos sonoros e líricos, uma sopa espessa e surreal. Será o seu trabalho mais acessível, uma obra de síntese em 18 faixas e 43 minutos, inclassificável mas inexplicavelmente familiar. Abundam as referências, sonoras e nominativas (John Coltrane, Dizzy Gillespie, Dee Dee Bridgewater, Miles Davis, Louis Armstrong; ouvem-se as vozes de Joe McPhee e Mary Lou Williams; Jason Moran e Nicole Mitchell participam), à história do jazz, atravessando as composições como fantasmas. Há um rumorejar táctil, digital e abstrato, omnipresente em “Jazz codes”, que dá uma sensação de continuidade aos temas e serve de amparo às oscilações estilísticas: neo soul translúcida (Melanie Charles é preciosa a cantar em “Golden lady”), hip-hop (“Rap jasm” e “Blues away”, reflexões sobre groove distendido), farrapos de jazz por toda a parte.

Não é raro este repertório dispensar as batidas, deixando as marcações rítmicas por conta de golpes de graves, subtis e espaçados. A declamação, pela voz imponente, sonâmbula mas perfeitamente desperta de Camae Ayewa, não demora a tornar-se próximo, acelerando às vezes para o rap.