Como os pais devem lidar com as primeiras bebedeiras dos filhos

A adolescência é uma fase sensível e a questão dos consumos é particularmente delicada (Foto: AdobeStock)

A adolescência é uma fase complexa, delicada e sensível, com perguntas e medos. Se os excessos alcoólicos acontecem, é necessário perceber e enquadrar, informar e esclarecer, definir limites. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. A chave está na comunicação, na negociação, na confiança.

Aquela saída à noite e aqueles copos a mais. Aquela festa com os amigos e as amigas e aqueles brindes que não terminam e se repetem pela noite dentro. Uns atrás dos outros, sem conta, sem medida. Aquela vontade de festejar o fim de mais um ano letivo, um aniversário, um jantar em que as bebidas rodam pela mesa. Aquela conversa que se prolonga, depois um bar, a seguir uma discoteca, dançar e beber, beber e dançar, a cabeça a girar, o corpo a bailar. A ressaca no dia seguinte. A primeira bebedeira e suas consequências. Falar ou não falar? Ralhar ou não ralhar? Castigar ou não castigar? Deixar passar ou colocar tudo em pratos limpos? O que fazer, afinal?

Os adolescentes acham que os pais exageram, protegem de mais, não confiam e não dão autonomia. Os pais preocupam-se e estão atentos. “Exigir que os adolescentes compreendam e integrem os riscos do consumo excessivo de álcool, muitas vezes, não é realista. A busca de experiências novas, de riscos, de desafios, de ‘passar a linha’ são características mais ou menos marcadas dos adolescentes”, refere Tânia Gaspar, psicóloga, professora associada com agregação em Psicologia na Universidade Lusófona. Quando acontece, não se deve generalizar e colocar tudo em causa, pode ter sido uma situação pontual. “É importante conversar, tentar mostrar de forma assertiva as preocupações, sem recriminar e sem ser autoritário. Ouvir, compreender e negociar compromissos para futuras situações”, aconselha. Ralhar e castigar? Talvez não. Consequências? “Sim, maior autonomia se os compromissos forem cumpridos, mais restrições se os compromissos não forem cumpridos.” “A chave está na comunicação, negociação e confiança”, destaca Tânia Gaspar.

Intimidar não é o melhor caminho, é fundamental conversar e ter disponibilidade para ouvir os filhos. Segundo Rute Agulhas, psicóloga clínica, psicoterapeuta, terapeuta familiar, há confrontos que não resultam e que até podem ter o efeito contrário. “As ameaças podem ser contraproducentes e levar o adolescente a consumir também para desafiar e fazer frente aos pais, testando os limites”, adianta. Prevenir esse comportamento com diálogo franco e aberto, transmitindo informação, é a melhor maneira. Perceber como e porque aconteceu, o contexto, e se há crenças desajustadas que têm de ser desconstruídas – beber para ser fixe aos olhos dos amigos, beber como forma de se divertir, por exemplo.

“Muitos adolescentes bebem ao sentir-se pressionados pelo grupo, receando sentir-se diferentes, serem gozados ou excluídos”, sustenta Rute Agulhas. “Se esta é a principal motivação para beber, estamos perante uma questão de autoestima, de dificuldades de afirmação e de passividade – áreas que importa compreender, mais do que castigar”, avisa.

Dialogar, dialogar sempre, como primeira abordagem em qualquer assunto na educação e na relação entre pais e filhos. Inês Afonso Marques, psicóloga clínica e psicoterapeuta infantojuvenil, na direção da Oficina de Psicologia, recomenda o diálogo para perceber e enquadrar, informar e esclarecer, e definir limites razoáveis em prol de escolhas conscientes. Uma bebedeira não deve ser vista como algo que acontecerá mais dia, menos dia na vida de um filho, não é desejável, a acontecer que seja uma vez sem exemplo. “O diálogo será sempre um dos principais caminhos para prevenir comportamentos de risco e/ou excesso.” Se se repete, atenção. “Quando começa a surgir de forma reiterada é muito importante contextualizar aquilo que se está a passar, principalmente tentar perceber qual a função que a bebida possa estar a cumprir. E, nesses casos, procurar ajuda especializada pode ser relevante para evitar a cristalização de um comportamento de dependência”, assinala Inês Afonso Marques.

Há perguntas típicas na adolescência que ajudam a perceber e a enquadrar comportamentos e formas de estar. Como se relacionar com os outros? Como se sentir integrado? Como regular emoções? Como expressar opiniões e vontades? Não é fácil lidar com tudo isso. “Adolescentes que tenham desenvolvido mais competências socioemocionais tendem a gerir os riscos e a pressão dos pares de forma mais saudável e mais assertiva, tendo uma maior tendência para adotar comportamentos de proteção”, observa Tânia Gaspar.

Uma coisa é uma bebedeira com amigos, esporádica, outra coisa é um hábito. A intensidade, a frequência, e o impacto separam uma coisa da outra. E pisa-se a linha quando o excesso passa a ser a única forma de diversão e de gerir medos e inseguranças. “Ou seja, o adolescente aprende a usar o álcool como estratégia de gerir as dificuldades e não investe em desenvolver outras estratégias e competências mais saudáveis e adaptativas”, repara Tânia Gaspar.

Há casos e casos e há os que merecem atenção e preocupação. Há adolescentes que bebem como forma de anestesiar a dor e o sofrimento. O que não é nada bom. “Aqui, o consumo de álcool é, mais do que um problema, o sinal de outros problemas. Pode mascarar um estado mais depressivo ou ansioso”, considera Rute Agulhas. Olhos bem abertos, corações em alerta. “Os pais devem estar atentos à quantidade de álcool ingerida, à natureza das bebidas, à frequência do consumo e ao contexto onde ocorre”, acrescenta.

O exemplo parental, a relação com os amigos

Tânia Gaspar é coordenadora nacional e dos países mediterrâneos do Health Behaviour School-Aged Children (HBSC/OMS), estudo colaborativo da Organização Mundial de Saúde, feito em vários países, que analisa estilos de vida e comportamentos dos adolescentes. Este estudo indica que mais de 80% dos adolescentes não consomem bebidas alcoólicas e cerca de 90% referem não ter tido bebedeiras. “Alguns jovens consomem bebidas alcoólicas de forma recreativa e uma minoria tem bebedeiras regularmente”, constata.

A pergunta que se impõe é porque é que os adolescentes consomem álcool? “A razão principal é sentir-se parte do grupo, fazer o mesmo que os amigos e, em alguns casos, a pressão dos pares. Por outro lado, o experimentar sensações diferentes, desinibição, sentir-se mais confortável na relação com os pares, nomeadamente com o par sexual.” Resumindo: para se sentirem bem, divertidos, livres, autónomos, confiantes, inseridos no grupo. “Em alguns casos, menos frequentes, o consumo de álcool tem o objetivo de não sentir tristeza, ansiedade ou medo. Nestes casos, a atenção dada ao comportamento e a intervenção devem ser mais profundas e especializadas”, defende Tânia Gaspar. Aqui, jovens e famílias precisam de apoio.

O HBSC/OMS revela que os rapazes consomem mais álcool do que as raparigas, mas é uma diferença que se tem vindo a esbater ao longo dos anos. A bebedeira de um rapaz é diferente de uma bebedeira de uma rapariga? “As diferenças são essencialmente sociais e culturais. Ainda se verifica uma maior tolerância social face às bebedeiras dos rapazes do que às das raparigas”, responde Tânia Gaspar, que faz questão de salientar que, mais do que o género, “são os motivos das bebedeiras, a frequência e a intensidade do consumo excessivo que definem o nível de risco”.

A adolescência é uma fase sensível e a questão dos consumos é particularmente delicada, essencialmente por dois motivos, segundo Inês Afonso Marques. “A necessidade de integração num grupo, como tarefa de desenvolvimento da adolescência, com consequente possível pressão dos amigos para a adoção de comportamentos menos desejáveis.” Por isso, é importante conhecer e acompanhar o grupo de amigos dos filhos. O segundo motivo, explica, prende-se com “a dificuldade de autocontrolo, decorrente da interferência de fatores hormonais e da imaturidade do córtex pré-frontal, região cerebral responsável pela capacidade de autocontrolo e regulação emocional.”

O exemplo é sempre importante. “Os filhos aprendem mais com o que observam do que com o que ouvem. Portanto, pais com consumos excessivos de substâncias tendem a apresentar aos filhos um modelo menos saudável”, diz Tânia Gaspar. Rute Agulhas lembra que os pais são os principais modelos para os filhos e que há comportamentos que se podem repetir. Ou não. Há os que replicam o que veem e há os que evitam o que veem devido a más experiências. “Muitos jovens afirmam não querer beber exatamente por terem memórias negativas associadas ao consumo parental. Recordam o pai/mãe bêbado, as discussões, a vergonha social e o que sentiram ou sentem enquanto filhos e, por esse motivo, rejeitam qualquer tipo de consumo. Aqui, o consumo dos pais acaba por ter um efeito dissuasor e aversivo”, indica a psicóloga clínica.

Moderação, autorregulação das emoções, relações interpessoais positivas e baseadas no respeito mútuo são fundamentais no modelo parental quando se fala em álcool. “Mas a prioridade será a prevenção, desenvolver competências para saber lidar e gerir os desafios da vida”, sublinha Tânia Gaspar.

Há mais vida além da família e, portanto, o assunto deve ser falado nas escolas em nome da promoção de adoção de comportamentos saudáveis, da reflexão sobre os riscos e suas consequências, com informações detalhadas e vocabulário adequado à faixa etária. “Ao contrário do que por vezes se pensa, falar abertamente de temas como álcool, drogas ou sexo não incentiva ao comportamento, mas promove tomadas de decisão mais conscientes”, garante Inês Afonso Marques. Falar sem diferenças de género por motivos óbvios. “Uma bebedeira traduz um comportamento de excesso, pelo que os limites do aceitável não deverão estar associados ao facto de se tratar de uma rapariga ou rapaz, até porque o impacto negativo da mesma (nomeadamente no cérebro e, consequentemente, no comportamento) é genericamente análogo em rapazes e raparigas”, remata a psicoterapeuta infantojuvenil. A primeira bebedeira de um filho ou de uma filha é sempre um momento complicado de gerir e de lidar. O importante é ter olhos, ouvidos e braços abertos. E saber escutar corações.