Margarida Rebelo Pinto

Céu de setembro


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Precisamos de planos sérios e viáveis, cumpridos por governantes que nos levem a sério. Precisamos de menos operações de marketing e de mais olhos nos dossiês.

É oficial, a rentrée está aí. Mergulhamos suavemente no final do verão. Portugal já ultrapassou mais de cem mil hectares de área ardida, o que corresponde, grosso modo, a dez vezes a cidade de Lisboa, ou a 24 vezes a cidade do Porto. No percurso entre dois hospitais, por não ter tido lugar num deles, uma grávida morreu de paragem respiratória. Vivemos num país em que as futuras mães não podem parir ao fim de semana porque os serviços de obstetrícia de vários hospitais estão fechados. Vivemos num país em que o primeiro-ministro diz que se não houver mãozinha humana, não há incêndios, e em que a ex-ministra da Saúde justifica as falhas do SNS por decisões que foram tomadas nos anos 1980. Um belo postal ilustrado, muito mais bonito de se ver por fora do que por dentro. Olho para o céu, pincelado com as mais belas cores, uma sinfonia de infinitas matizes de rosa, laranja e magenta e interrogo-me como é que um país tão bonito é tão fraco a reagir aos seus governantes. Carregamos o sofrimento e a dor como irmãos da resignação, cultivamos a saudade e a nostalgia com o mesmo orgulho com que fabricamos pastéis de nata, achamos que até nos dá uma certa “panache” e deixamos os braços caídos perante estas enormidades, enquanto nos anestesiamos com o futebol. Como não gosto de futebol, ocupo os serões a ler literatura (parece um pleonasmo, mas não é) e a coser botões, repondo com labor e afinco os que foram caindo das fronhas das almofadas, das camisas e dos vestidos. Na caixa dos botões encontro dois hímenes pertencentes a uma vastíssima coleção de palavras que comprei em Nova Iorque na década de 1990 e volto a colá-los na porta do frigorífico, lado a lado, na tentativa de construir uma frase que fica irremediavelmente incompleta: love could.

O amor podia dar a volta a isto? Não o amor romântico, que mina gerações de sonhadores há dois séculos, mas o amor-próprio, o amor ao que é nosso, o amor enquanto força integradora e congregadora? E no que diz respeito aos políticos, o amor ao país, e já agora algum espírito de missão, que deveria ser a primeira das vocações? Não, não basta dar o peito às balas e vestir uma camisola, seja de um clube ou de um partido. É preciso pensar no todo e não apenas no nosso quintal, no nosso umbigo, na nossa vidinha.

O final do verão também é a época em que as relações sofrem um ajuste com a realidade. As mais fortes aguentam o embate como um navio em alto-mar, as mais inconsistentes ouvem o canto do cisne ecoar como uma tempestade, e tudo o vento levou. Setembro é o mês da Feira do Livro, do regresso às aulas, das mochilas e do material escolar, queremos dar o melhor aos nossos filhos, ajudar os nossos pais e fazemos planos até ao Natal. Eu gostava que até ao Natal as maternidades voltassem a abrir ao fim de semana, mas temo que, como tantas vezes acontece no nosso jardim à beira-mar plantado, o provisório passe a definitivo.

Não, o amor não consegue tudo. Precisamos de planos sérios e viáveis, cumpridos por governantes que nos levem a sério. Precisamos de menos operações de marketing e de mais olhos nos dossiês. Portugal não pode ser um país para inglês ver, por mais belo que seja o céu de setembro.