Carlos Daniel: “Cheguei aqui sem precisar de nenhum padrinho”

Nasceu em Paredes. Adolescente, estreou-se na rádio, com relatos de futebol. Em televisão, apresenta telejornais, modera debates, faz comentários ao jogo que é, com o jornalismo, um prazer maior. Gosta de cantar, de dançar, precisa de momentos de solidão. Tem 52 anos e cara de bom rapaz. Os portugueses conhecem-no pelo nome completo: Carlos Daniel da RTP.

Dia de chuva portuense, miudinha e fria. Atravessar o rio, do Porto a Gaia, subir ao Monte da Virgem onde nos espera o diretor-adjunto de informação da RTP. São três da tarde e Carlos Daniel é pontual. Nessa semana, “É ou não é?”, programa que apresenta de Lisboa, fora dedicado à guerra. Iríamos começar por aí. Fala muito depressa, em português sempre escorreito. Raramente hesita. É daquela casa há três décadas. Ali terá inimigos, mas também quem lhe esteja grato e o demonstre. Por uma vez, comove-se. Declara-se um otimista. Crê nas pessoas. E que o jornalismo pode ajudar a compor o desacerto do Mundo.

O jornalista confronta-se, muitas vezes de forma direta, com factos e realidade cruéis. E com o cinismo. Ainda agora, na guerra que vivemos. Como pode proteger-se, como se evita a contaminação?
Não raras vezes, damos por nós a revelar alguma insensibilidade em relação aos temas que tratamos, muito focados nos pontos técnicos. Ainda esta semana passei por isso. A deriva técnica tira-nos a capacidade de nos emocionarmos. O mais importante é perceber que nos momentos em que não estamos a trabalhar vale a pena olhar com outros olhos. Quantas vezes me acontece, em casa, emocionar-me com reportagens bem mais do que quando as vi em ambiente de trabalho.

Pode um jornalista fugir ao pessimismo?
Somos inquietos por natureza, educados a interpelar, a duvidar, obrigados a carregar alguma desconfiança. Mas gosto de acreditar que conseguimos manter a esperança. Até a esperança de que o nosso trabalho possa contribuir para um final mais feliz. Considero-me um otimista e os tempos que vivemos são bons para pôr esse otimismo à prova.

Por outro lado, somos os primeiros a perceber que isto pode acabar mal.
É verdade. A nossa perceção de que alguma coisa má está prestes a acontecer verificou-se na pandemia. Nessas alturas, há que ir preparando e adequando a mensagem, sem criar alarme social. E sem nunca abdicar de especialistas. Há sempre alguém que sabe mais do que nós.

Que características fundamentais definem um bom pivô?
Há duas muito relevantes: a preparação permanente, por ter a noção de que trabalha no arame, e a facilidade de expressão e de improvisação em direto. Depois, há outros fatores – a empatia, a comunicabilidade, a imagem.

Nesse caso, que pivô português destacaria?
São tantos os que admiro. Na RTP por maioria de razões, naturalmente, mas não apenas. Nomes? Vou sempre esquecer algum relevante, mas o José Rodrigues dos Santos, a Ana Lourenço, o João Adelino Faria, o Hélder Silva, a fazerem cada vez mais e melhor também o Hugo Gilberto e o Manuel Fernandes Silva. Na concorrência há nomes óbvios, o Rodrigo Guedes de Carvalho, a Clara de Sousa, o José Alberto Carvalho, o Bento Rodrigues.

Pedi um.
Não consigo dizer um. Há vários que estimo e de quem gosto. Gente que faz muito bem o seu trabalho. Ainda que todos diferentes.

Quais são os primeiros sites que procura pela manhã?
Sigo os alertas. Alguns jornais, depois as televisões. Primeiro, as portuguesas, depois as cadeias internacionais.

Gosta de ler jornais numa esplanada. Nada substitui o papel?
Para mim, ler um jornal é ter um jornal na mão.

Os jornalistas de hoje são melhores do que os de há 30 anos?
Acredito que sim. Pelo menos, têm mais condições. Nós próprios somos melhores. Não só pela experiência, mas porque temos à disposição muito mais informação.

Já deu aulas. O ensino de hoje prepara bons jornalistas?
Penso que com Bolonha passou a haver menos informação prática, pelo menos na parte inicial dos cursos, mas as especializações são melhores. É só uma perceção. Já não dou aulas regularmente.

Que expectativas trazem os estagiários que chegam à RTP?
Aparece gente muito qualificada. Não tenho dúvidas de que as pessoas que chegam hoje ao jornalismo são globalmente mais bem preparadas do que as de há 20 ou 30 anos. O problema de hoje é a menor atração pelos meios tradicionais e a fraca capacidade destes para garantir a progressão salarial.

A precariedade interfere diretamente no exercício do rigor e da ética?
Não creio. Apresentei o Jornal da Tarde durante alguns anos a recibo verde e não senti essa interferência. Não relaciono precariedade com as questões éticas e o cumprimento das regras. Um jornalista é tão sério quando ganha mil como quando ganha quatro mil. Ou leva o exercício do jornalismo de forma rigorosa e competente, sempre, ou mais vale desistir.

A guerra das audiências pode interferir?
Aí, sim. Há uma cedência crescente ao modelo tabloide, bem evidente nas televisões, desde logo em alguns canais de notícias.

Como se trava essa cedência?
Só com o crescimento da competência do recetor. Hoje, os espectadores e leitores são muito mais determinantes no nosso produto do que há 30 anos. Através de um efeito imediato e impositivo, seja nas redes sociais seja na medição de audiências, vamos percebendo o que os públicos estão a pedir. E quanto maior for a exigência do público melhor será o nosso trabalho. Há, depois, uma multidão que não percebe nada de coisa nenhuma e que comenta tudo e mais alguma coisa, mas essa não é valorizável.

A guerra de audiências é desigual? Se não os vences junta-te a eles?
A televisão pública é especial. Valorizamos as audiências, mas não vivemos a pensar nas audiências. Ou a fazer de tudo para as ter.

Quem escolhe a RTP vai à procura de quê?
Além da simpatia por este ou aquele profissional, o que estudos de opinião indicam é que se trata de uma questão de confiança. De fiabilidade. Não à procura do canal que dá primeiro, mas o que é seguro. “Quando vejo ali, acredito.” Essa é a marca de confiança distinguida em estudos nacionais e internacionais. Marca de fiabilidade.

Porém, aparentemente, a RTP é o canal mais sujeito à pressão política. Com tantos anos de televisão pública, assistiu certamente a essa pressão.
Se disser que o poder político nunca teve a tentação de interferir ninguém acreditará, mas também sei que não é seguramente exclusivo da RTP. Agora devo dizer que comigo, de forma direta, nunca houve qualquer tentativa. Outra coisa são manifestações de descontentamento, de desagrado, mas com isso só temos de saber lidar. Na RTP é possível fazer o nosso trabalho com total independência e liberdade e a criação do Conselho Geral Independente (CGI) também contribuiu para isso. Costumo dizer que só não fazemos melhor se não formos capazes.

Há um antes e um depois do CGI?
Foi uma viragem no bom sentido, acredito. Independentemente das tentações dos vários poderes, não só do político, a independência está mais salvaguardada. Estou na Direção de Informação há dois anos e digo isto com sinceridade: no que me diz respeito e do que vejo à minha volta, não tivemos constrangimento algum a esse nível.

Paga-se um preço por não ceder?
Num momento ou noutro fiquei com essa sensação, mas nunca tive tendência para me vitimizar. Fiz o que a minha consciência mandou. Fui diretor algumas vezes, deixei de o ser sempre por acreditar que não era o melhor contexto para mim na empresa. Senti, claro, que havia quem não me quisesse em certas funções, mas são coisas antigas. Gosto muito de dizer que cheguei aqui sem precisar de nenhum padrinho ou apadrinhamento.

A RTP tem um ambiente interno complicado, bem visível quando é notícia. Da minha experiência, aqui dentro fala-se em off. Concorda?
A RTP é notícia muito mais vezes do que as outras empresas de media, o que leva porventura a uma atitude defensiva. Quando o profissional tem muitos anos de casa, e responsabilidades, sabe que o que disser vincula a empresa, uma empresa, que é, de facto, muito particular.

Com muitas capelas?
Concordo. Todas as casas onde trabalha muita gente, onde há várias estruturas até fisicamente separadas, têm os seus pequenos poderes. Temos de nos habituar a viver com isso (ri).

Se trabalhasse em Lisboa, cidade de que gosta muito, mais portas abertas teria?
Estou convencido disso, e não só na RTP. Creio que poderia haver um reconhecimento maior. Vou dar um exemplo corriqueiro: o meu nome é muito menos vezes indicado para prémios de apresentação do que o de qualquer colega que trabalhe no horário das 20. Ora, só se apresenta o noticiário da hora de jantar se se trabalhar em Lisboa. Mas insisto em que me orgulho muito da carreira que tenho feito e não me queixo de falta de oportunidades, em particular na RTP.

Esteve um ano na SIC.
Gostei muito, mas pagando o custo pessoal de estar em Lisboa.

Nas entrevistas e na moderação e debates, já lhe apeteceu dar um murro na mesa?
Nunca tive a tentação de ser menos delicado com os meus convidados. A agressividade tem de estar nas perguntas, não no tom. Podemos perguntar tudo num tom amigável. Depois, porque há um respeito pelo público, a quem devo lealdade. Não é ao patrão, nem ao chefe. É ao público. Ainda mais num canal em que somos pagos pelos portugueses.

Pagos pelos portugueses. Na RTP, é uma noção presente?
Completamente.

E como reage sempre que um português lhe lembra que é ele quem lhe paga o salário?
Não é uma coisa simpática, mas não é dita assim tantas vezes. Quem tem exposição pública tende a valorizar mais, a remoer mais, a crítica negativa do que os elogios, mas por cada um que diz “sou eu que lhe pago o salário” há 50 a dizer ‘‘gosto tanto de o ver na televisão”.

Como reage quando vê o ordenado anunciado na imprensa quase como “um roubo”?
Como os salários na RTP já não mudam há 20 anos, deixaram de ser notícia.

Dá importância ao que dizem sobre si?
Às vezes, demasiada.

O que sobretudo o incomoda?
Negativamente, que pessoas que não me conhecem avaliem o meu caráter por coisas que em regra nem sequer são verdade. No lado positivo, comove-me a gratidão. Sei que a ingratidão existe, já a senti, mas também há gente muito grata. Tenho imenso orgulho em que algumas dezenas de pessoas na RTP vivam hoje melhor também por responsabilidade minha.

Como gostaria de ser recordado?
Como um tipo muito profissional, empenhado e sério. E como boa pessoa.

Qual é o seu lugar no meio audiovisual?
Todos devemos ter noção de que o meio televisivo inflaciona os egos. Mas sem falsa modéstia posso dizer que, dentro do meu trabalho – apresentação de noticiários, moderação e debates e comentário de futebol -, sou competente e estou entre os melhores.

Quantas pessoas o ajudam a preparar o “É ou não é”?
Uma equipa muito pequena e muito competente. Duas em permanência e quatro no total para um programa semanal muito exigente e desafiante. Mas também me dá muito gozo ser o responsável pelos conteúdos não-diários da RTP, o “Linha da frente”, o “Outras histórias”, e, mesmo em contexto de pandemia, termos lançado, além do “É ou não é?”, o “Primeira pessoa”, da Fátima Campos Ferreira, e “A prova dos factos”, o nosso novo programa de investigação com uma equipa de gente muito competente e empenhada. A RTP tem gente muito boa. É uma grande casa da televisão.

Onde se vê daqui a dez anos?
A tentar não ter funções de direção para ter mais tempo para os meus e para mim – para escrever, ler, viajar. A aproveitar o melhor da vida, mas sempre no jornalismo televisivo. Esta é a casa da minha vida. Tenho um sobrenome – Carlos Daniel da RTP.

Vê-se noutro canal?
Não com facilidade, mas vejo. Não recuso essa possibilidade.

Com carta-branca, o que primeiro mudaria na RTP?
Carta-branca e dinheiro (ri). Acredito que a mudança tem de ser permanente, mas o mais relevante seria criar uma cadência informativa, mais regular e menos centrada em Lisboa e no Porto. Por vezes, não é preciso carta branca. Basta tempo e vontade de tirar as pessoas do conforto. Assumir o ónus de pedir às pessoas que façam diferente.

Estar muito tempo numa casa provoca esse conforto?
Provoca. As rotinas tornam-se cultura.

É o grande problema desta casa?
Vejo a RTP muito partir do Porto e, no essencial, não me parece que as pessoas estejam acomodadas. No entanto, é importante ter desafios novos.

Tem aqui muitos inimigos?
Não acho nada, sinceramente. Haverá um grupo de pessoas que não gosta de mim, mas a maioria dos que trabalham comigo respeitam o meu percurso e tenho até alguma vaidade nisto: sinto que os mais novos me tomam como uma referência. Ainda agora, nos 65 anos da RTP, alguém me disse que se estava ali a mim o devia. Comoveu-me e comove-me, como se está a notar.

Até porque, costuma dizer, não gosta de pessoas boazinhas.
Pessoas boazinhas, daquelas que não fazem mal a ninguém, não acrescentam muito.

Os debates nas legislativas correram muito bem. Tem essa noção?
Tenho sim. Sabia que seria um risco, mas felizmente correram bem.

O facto de ter sido surpresa para muitos incomoda-o?
(Sorriso) Não só não me incomoda como me diverte. Lá está, se porventura estivesse em Lisboa, tinha feito mais trabalhos deste género. Mas não me queixo. No ano passado fiz os debates presidenciais, como já fiz muitas noites eleitorais. É verdade – há momentos em que não estou tanto, resultado de estar no Porto e a fazer outros trabalhos. Sempre fiz muita coisa diferente. Sempre à minha maneira. Se a avaliação é positiva, ótimo.

O comentário futebolístico retira credibilidade?
Por brincadeira costumo dizer que percebo de futebol e de mais umas coisitas. Curioso: em Portugal, o futebol é omnipresente, mas se eu disser que não faço regularmente comentário desportivo desde 2014, é capaz de ficar surpreendida. Apareço nos campeonatos do Mundo ou da Europa, e nada mais. E sempre falando do jogo a sério. Passe a imodéstia, tornei-me um especialista. Se na política faço perguntas, no futebol atrevo-me a dar respostas. E orgulho-me de ouvir elogios pela forma como explico o jogo. Mas sendo uma paixão não impede outros interesses – filosofia, história, cinema, música, literatura.

Porque não revela o clube?
Não sou definido, nem pessoal nem profissionalmente, por ser de um partido ou de um clube.

Canal 11 – deixou a RTP por esse projeto. Foi um passo em falso?
Hoje não teria dado esse passo. Não maturei suficientemente, acabando por criar problemas à RTP, à Federação e a mim próprio. Gostei muito que a RTP tivesse feito o possível para que eu não me desvinculasse definitivamente, porque a minha primeira intenção foi sair de vez. E fui muito bem tratado pela FPF, incluindo a compreensão que tiveram no momento em que disse que a minha felicidade era voltar à RTP.

O que aprendeu com esse episódio?
Que é mais fácil sair do conforto aos 30 anos do que aos 50.

O comentário de futebol vai ficar afastado por uns tempos?
Não, não. A RTP tem os direitos do Campeonato do Mundo e eu não resisto. Gosto da explicação com base nas imagens. Espero que Portugal lá esteja.

Para ser tão duro com a seleção quanto foi no Europeu de França?
Quando criticamos, e por determinadas circunstâncias corre bem, temos menos razão. Quando corre mal, temos mais. Não gosto de mudar mediante o resultado.

Nasceu em Paredes, irmão do meio, que é o pior sítio para se estar.
Não me sentia o irmão do meio. O meu irmão mais velho tinha mais sete anos de que eu e o mais novo apenas ano e meio. Somos quase gémeos. Portanto, eu senti-me sempre o mais velho desse par. Mas fomos sempre muito próximos, muito diferentes e crianças com uma infância feliz. Não há traumas dessa fase. Os meus pais foram um casal feliz e vivemos rodeados da família mais próxima – avós, tios, primos.

Três irmãos muito diferentes. Fale-me de si.
Era o mais responsável, o melhor aluno. Muito curioso, gostava de ler, de simular relatos e comícios políticos. Ora imitava Mário Soares, ora imitava Sá Carneiro. Apesar de ter nascido em 1970, lembro-me dos debates da Constituinte.

Os pais tinham intervenção política?
Não, mas discutia-se política em casa. Eram atentos.

Teve sempre um ar certinho.
Em boa parte, sim. Era o bem-comportado, o bom aluno que habituou os pais a fazer as coisas certas. Andei nos escuteiros, a aprender piano, fui acólito. Mas também gostava de jogar futebol e hóquei em patins, de andar de bicicleta, desaparecia de casa com os amigos. Tinha um lado físico muito desenvolvido.

Um bom rapaz?
Não sei se sou. Mas sei que gosto que as pessoas gostem de mim. Isso é verdade. Tento ser simpático para as pessoas e não me levar muito a sério, até por influência da minha mulher, que é uma pessoa muito importante na minha vida. E que me ajudou a ser melhor pessoa, no sentido de nunca me deixar deslumbrar. Não ando na rua como pivô de televisão. Serei sempre o Carlos Daniel, o Carlos, o Calica para os amigos de infância. O pai das minhas filhas.

O filho de Zé Maria.
Do Zé Maria e da Lindinha, sim. O Zé Maria é figura fundamental da minha vida. Industrial gráfico, teve o primeiro supermercado de Paredes ajudado pela minha mãe, professora de inglês. Deixou-me o gosto pelo futebol e o feitio. Morreu há um ano, depois de uma vida bonita.

Há dez anos perdeu um irmão. Como lida com a adversidade mais profunda?
Com o conforto de nunca ter deixado de dizer que gostava deles. Guardando deles o melhor – os momentos mais divertidos, os gestos de maior carinho. O vazio é terrível, mas se não tivesse estado lá para eles, seria ainda maior. No caso do meu irmão, o que mais me dói é não ter falado com ele nos dois dias anteriores à morte. Ajuda o abraço dos que me rodeiam. Um abraço ajuda muito.

É crente?
Sou um crente refratário, costumo dizer por piada. Tenho mais dúvidas do que certezas.

Os pais tinham orgulho da carreira do filho?
Imensa vaidade e orgulho. E, nesse sentido, ser reconhecido teve importância. Até para mim. Tive, sem dúvida, uma fase de deslumbramento. Ainda mais porque em 1991 havia apenas uma televisão e meia. Estar na RTP era estar em todas as casas.

Fisicamente, é vaidoso?
Sou. Tem a ver com características próprias e com este trabalho. Tenho noção de que a pessoas reparam em mim.

Foi assediado?
Cobiçado, sim. Em contexto de trabalho, nunca.

Licenciado em Sociologia, teria ido para jornalismo se não fosse televisivo ou radiofónico?
Poderia ter acontecido. Adoro escrever. Mas nunca sobre mim.

É casado com uma psicóloga. Qual é o maior defeito que aponta ao marido?
A impulsividade.

Por exemplo?
Uma das coisas que me tiram do sério é saber que alguém está a bloquear um trabalho que quero fazer. Isso irrita-me um bocadinho, cada vez menos, diga-se. Moderei muito ao longo dos tempos. Mas ainda digo uns impropérios.

Não diria que diz palavrões.
Digo palavrões todos os dias. Sou muito emocional, mas também sou capaz de pedir desculpa. Ora, as desculpas evitam-se e, por isso, tenho vindo a aprender a contar até dez. Às vezes custa, às vezes tenho saudades do velho Carlos Daniel que se irritava mais facilmente, mas sei que este se protege mais.

Está a perder mais-valias?
Um pouco, mas não perdi o lado caterpillar. Tento selecionar mais, isso sim. Já nem tudo me irrita. Velhice ou aprendizagem, hoje valorizo muito os momentos de felicidade.

Que são?
Nos momentos mais tensos, como quando se deu o problema com o 11, ansiava era voltar à minha paz, acordar em casa, sentir o cheiro da maresia.

Dias duros, os da saída do 11.
Sobretudo porque prezo muito a minha seriedade. Ainda mais tendo em conta a profissão e a minha visibilidade. Alguém achar que eu podia estar a ser beneficiado de uma situação particular, doía. Sentir que alguém pudesse colocar em causa o meu trajeto, construído por mim, sem favores de ninguém, doía.

Pergunta-se se seria mais realizado a fazer outra coisa?
Pergunto. Via-me a dar aulas. A estudar mais História e Filosofia. A fazer advocacia. No futebol, a treinar. A política, no limite. Mas neste momento já é muito difícil que tudo isso aconteça.

Ser pai trouxe que medos?
São dois corações à solta que deviam estar aqui dentro. A pandemia teve esse lado bom. Fechar a porta de casa e saber que elas estavam dentro.

Medo em relação à sua finitude?
Espero que seja tarde e que elas estejam numa fase em que possam compreender, como eu compreendi agora com o meu pai, que quando o caminho é bonito o fim é natural.

O que o sobressalta?
A insegurança, comprovada nestes dias sombrios. Que Mundo está à volta delas? Quero viver mais 40 anos, morrer velhinho, mas quero que elas vivam mais 80. Em paz.

A propósito ainda de momentos felizes. Há dias em que a solidão pode ajudar?
Com certeza. Tenho o meu canto no escritório, onde passo boa parte do meu tempo. São momentos de felicidade. Pego nos jornais de vários dias, faço recortes inúteis porque não vão servir para nada, jogo um jogo de futebol no computador, ali estou a treinar o Manchester City ao som de uma musiquinha, cheio de dinheiro.

A banda “A tertúlia dos 40” vai continuar?
Claro. Cantar diverte-me e ser feliz é mesmo o que mais conta na vida.

Gosta de dançar como gosta de cantar?
Gosto muito de dançar. Sou de uma desenvoltura, digamos, desengonçada.

Recorta jornais porque é nostálgico?
Sou muito saudosista.

Veja o vídeo da entrevista aqui