É uma doença silenciosa, assintomática no início, cerca de 70% dos casos são detetados tardiamente. O tabagismo é a principal causa e a mais evitável também. Em 2020, foram registados mais de 5400 novos casos no nosso país.
O enquadramento geral mostra a dimensão do problema. Todos os anos, mais de dois milhões de novos casos em todo o Mundo, em Portugal mais de 5400 com uma sobrevida global de cerca de 15% aos cinco anos. O cancro do pulmão é responsável por 18,4% das mortes relacionadas com cancro, mais de 1,7 milhões de mortes anuais. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a prevalência é facilmente explicada pelo aumento e envelhecimento da população e pela frequência de alguns tipos de cancro ligados ao desenvolvimento social e económico.
A doença tem uma elevada taxa de mortalidade, provavelmente a maior entre todos os tumores malignos. “Devemos olhar para esta doença como um verdadeiro problema de saúde pública e abordá-lo de uma forma integrada, desde a prevenção, até aos cuidados de fim de vida, centrando toda a atividade no doente”, refere Paulo Calvinho, diretor do Departamento de Cirurgia Torácica do Hospital de Santa Marta, em Lisboa. “Os registos portugueses mostram que aproximadamente cerca de 70% dos doentes com diagnóstico de cancro do pulmão se apresentam em fase avançada no momento do tratamento”, acrescenta. Em 2020, morreram 4 797 portugueses com esta doença.
Perceber o problema, marcar uma consulta, ir ao médico ver o que se passa. Atuar o mais cedo possível é fundamental. “À medida que o tempo vai passando a doença evolui, por isso, temos que ser rápidos a fazer o diagnóstico e estadiamento. Este segundo significa perceber em que fase está a doença e se esta está localizada ou avançada, sendo preciso realizar vários exames complementares de diagnóstico para podermos chegar ao estadio correto da doença num doente em particular. E isso terá de ser célere”, avisa o médico.
O diagnóstico precoce é fundamental. A esperança de vida nas fases mais iniciais da doença ronda os 90% aos cinco anos
Há literatura científica sobre este cancro, há trabalhos que indicam, segundo Paulo Calvinho, que, em duas semanas, 25% dos doentes aumentam um grau, ou seja, passam do estadio I para o estadio II. “Na Península Ibérica, temos tempos de diagnóstico e de estadiamento que podem chegar aos três meses, o que tem a ver com a dificuldade de acesso aos vários momentos dos exames por razões logísticas, como a falta de equipamento e recursos humanos dedicados. Isso faz com que tudo se vá atrasando na cadeia do diagnóstico e do estadiamento e, quando é oferecida uma alternativa terapêutica, a doença já evoluiu”, revela. De qualquer forma, os vários intervenientes no processo estão a trabalhar para que esses tempos diminuam.
“Através de um diagnóstico e estadio precoces, as soluções terapêuticas são locais, sendo que a cirurgia num nódulo pequeno e bem localizado é, hoje em dia, feita por todos os centros de cirurgia torácica por métodos minimamente invasivos, tendo uma recuperação muito rápida e uma probabilidade de sobrevida muito boa, aos cinco/dez anos de 90%.”
O caso muda de figura se passar muito tempo ou a doença for detetada tardiamente. Nesse caso, sustenta, “os tratamentos locais deixam de ser opção ou, quando são opção, fazem apenas parte de um tratamento multimodal, acrescentado à radioterapia, quimioterapia ou à própria imunoterapia.” E as terapias sistémicas são dispendiosas e têm efeitos secundários. “De uma forma geral, por um lado, os doentes têm pior qualidade de vida e, por outro, sai muito mais caro, face ao que acontece com os doentes que são diagnosticados precocemente e operados na fase inicial da doença.”
Sintomas inespecíficos de dificuldade em respirar, tosse ou expetoração com sangue podem ser sintomas de doença avançada
Um doente com cancro de pulmão precisa de apoio multidisciplinar, não apenas o tratamento da sua neoplasia, mas também ajuda social e psicológica, numa precoce ou avançada da doença. “A neoplasia maligna primária do pulmão é uma doença complexa cuja abordagem mostra o paradigma da multidisciplinaridade, integrando todas as áreas da saúde em todos os momentos do processo. Podemos fazer a diferença se estabelecermos um diálogo sério e competente, integrando todos os intervenientes e centrando a jornada no doente”, sublinha.
O tabaco, o maldito tabaco. Paulo Calvinho refere que é muito importante que fumadores, doentes com patologia respiratória crónica e qualquer pessoa que note alteração no seu padrão de tosse, expetoração raiada de sangue, cansaço aumentado, mal-estar generalizado, perda de peso ou qualquer outro sinal ou sintoma, por muito leve que seja, recorram ao médico assistente e forneça todos os elementos como fatores de alerta. “Certamente, terão a atenção merecida e serão realizados os exames adequados ao estudo da sua situação clínica”, garante.
O tabaco é o principal inimigo, já se sabe. Fumar faz mal e é a causa mais frequente e evitável de cancro do pulmão. O médico lembra que, em 2019, cerca de 17% da população portuguesa era fumadora, aproximadamente 1,7 milhões de portugueses em risco muito aumentado de patologia respiratória e cardiovascular. Apesar da diminuição do consumo do tabaco, nos últimos anos, o trabalho na prevenção, sustenta, “deverá ser continuado e intensificado.”
Paulo Calvinho apresenta várias propostas como, por exemplo, “ações de sensibilização (com início nas escolas), a promoção de medidas de contenção dos fumadores (por exemplo: proibir o fumo em qualquer área dos recintos hospitalares) e o aumento do acesso dos fumadores a consultas e programas de desabituação tabágica.” Há outras medidas de âmbito legislativo para diminuir o consumo do tabaco que, em seu entender, deveriam também ser tidas em consideração e implementadas.
Por tudo isso, a insistência na implementação de programas de deteção precoce em consultas de desabituação tabágica. “Faz sentido encontrar clusters e nichos populacionais em determinadas áreas demográficas e começar, de forma lenta, a avançar com trabalhos de rastreio no campo, implementando novas soluções. Creio que isto teria impacto na identificação destes doentes na fase inicial da doença”, refere.