Joel Neto

Canção para Marta e Artur


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Dancem as pedras, a turfa e os outros corpos inertes, e os corpos viventes, e os astros – que o que é belo e vem sedento agora vive!

Dancem as pedras ao vento, que o que é inocente e sábio já chegou! Dancem as pedras, a turfa e os outros corpos inertes, e os corpos viventes, e os astros – que o que é belo e vem sedento agora vive!

Que homem procederá desta mãozinha frágil que eu aperto? Trará com ele o amor ou o vício da malquerença – saberá a diferença entre o torpor do ódio e a mera raiva?

Viro as costas ao medo, e a tudo aquilo que ignoro, e ao que sei. As palavras imortais soam-me estranhas, desta vez, e as cores que eu conhecia, os cheiros para que tinha nome dissiparam-se.

Dancem a fome e a fartura, que o menino já deu ar de sua graça! E que os que ousaram cantar, o homem cativo e o indiferente, e os governos, e os exércitos possam vir beber da taça da candura.

Floram rosas e magnólias, araucárias, criptomérias, eucaliptos! Tremam as crinas das faias, o orvalho e o mar em frente: eis que é belo e – inclusive – vem sedento de ternura e entendimento!

Nunca dei para o peditório de Tolstoi e dos dois tipos de família. As miseráveis sui generis e as felizes banalíssimas: tudo isso era mentira, pois não há felicidade em genealogia.

Mas que importa agora o riso, a tristeza momentânea ou a obrigação? Que importa agora o relógio, as notas no calendário, o calor que se evapora, ou o desejo, ou a frustração de circunstância?

Aqui estou, o que dança por entre as pedras e a turfa do jardim. Danço com as pedras ao vento, e com os outros corpos inertes, e com os corpos viventes, e os astros – que o que é belo e vem sedento agora vive.

Floram rosas e magnólias, cintilem as luzes e as trevas (e o firmamento)! Dancem as pedras ao vento, urrem os navios ao longe, e as sirenes da bombaria – deixem-se a dor e o lamento perpetuar de alegria!

Por ora e para sempre, todo ele é regozijo e mistério. E ela que o nutriu, e se compadeceu dele, e o amou – ela é o rosto da aurora, e o rosto da tarde, e o da noite, e o refrigério.

Este é o meu filho e o teu filho. E o filho de outra coisa mais, que somos nós. E é o filho dos pássaros, destes pássaros e de outros que tão-pouco conhecemos – e de um pássaro em concreto que aqui poisa.

Dancem, ó tribos da Terra! Dancem, ó povos dos vales! Dancem! Dancem! Dancem até não poderem, dancem depois disso ainda, dancem cantando e em silêncio! O que começa e o que finda – sobretudo, dancem!

Eu vou trepar às montanhas e ao dorso de um cavalo (e ele comigo). E plantaremos flores por sobre o oceano, em vez de naufragá-lo, tementes dos humores um do outro.

Trazei com o menino os cueiros, as fraldas, os biberões e os pandicórnios! Eu quero afundar-me em cueiros, e em fraldas, e em biberões – e, quando vir um dinossauro, hei-de chamá-lo pela espécie, também eu.

Dancem as pedras ao vento, que o que é inocente e sábio já chegou! Dancem as pedras, a turfa e os outros corpos inertes! E os corpos viventes, e os astros – que o que é belo e vem sedento agora vive!

Dancem, ó tribos da Terra! Dancem, ó povos dos vales! Dancem! Dancem! Dancem até não poderem, dancem depois disso ainda, dancem cantando e em silêncio! O que começa e o que finda – sobretudo, dancem!
O autor escreve de acordo com a anterior ortografia.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)