Cães e gatos vegetarianos

Vasco Reis, veterinário aposentado, tem 84 anos e há quatro que só alimenta os seus animais (dois cães e dois gatos) com ração vegetariana (Foto: Carlos Vidigal Jr./Global Imagens)

Vasco e Beatriz têm em comum o facto de darem aos seus animais de companhia apenas comida vegetariana. Mas alimentar amigos de quatro patas apenas com ração de origem vegetal é uma opção que está longe de reunir consenso.

Vasco Reis tinha sete anos quando visitou o Parque Nacional da Gorongosa, no país onde nasceu, Moçambique. Ficou “marcado para toda a vida com a profusão, variedade, energia e beleza da fauna e da flora ali existentes”. Deslumbramento esse reforçado pela ciência que aprendeu, primeiro como estudante universitário, depois como médico-veterinário. Por outro lado, durante os 41 anos em que exerceu a atividade profissional, foi “testemunhando a exploração, o sofrimento, o pânico e a dor que vitimam animais na criação, no transporte e no abate”.

Atualmente, Vasco está aposentado e vive em Aljezur, Algarve. Tem 84 anos e há 15 que é “exclusivamente vegetariano”, movido pelo “conhecimento, empatia e compaixão”, mas também pelo “respeito ao ambiente e sustentabilidade”. Diz que encara os animais como “companheiros de vida com sentimentos, necessidades, gostos, prazeres e sofrimentos” semelhantes aos seus, uma postura refletida na forma como lida com os gatos Figo e Harry, ambos de quatro anos, e os cães Gaspar, de sete, e Noddy, de 14, que são alimentados há quatro com ração vegana. Ou seja, baseada no consumo de alimentos de origem vegetal, o que exclui comer qualquer tipo de origem animal. “Se o regime alimentar for equilibrado, palatável e saudável beneficia gatos e cães na respetiva saúde e no prazer com que comem”.

Segundo um estudo recente da Universidade de Winchester, no Reino Unido, é mais saudável e seguro para os cães seguirem uma dieta vegetariana nutricionalmente completa do que terem uma alimentação convencional. Dos 2500 canídeos analisados, durante um ano, com base em parâmetros gerais de saúde, visitas ao médico-veterinário e mais de 20 doenças comuns, verificou-se que cerca de metade dos animais com dietas convencionais, à base de carne, necessitaram de medicação com mais frequência; um terço dos cães com regimes vegetarianos teve essa necessidade.

A Associação Vegetariana Portuguesa (AVP) considera a oferta de uma dieta vegana aos animais de companhia “uma escolha individual” e equipara aos pais que decidem dar às crianças uma alimentação vegetariana, afinal, “ambos estão ao cuidado de tutores”, esclarece Nuno Alvim, da direção e coordenação de projetos da AVP. Especificando que “as rações convencionais de carne ou peixe são derivadas de subprodutos animais e, muitas vezes, fabricadas com recurso a animais doentes que não entram na cadeia alimentar humana”.

Para Daniela Leal, médica-veterinária e veterinary manager na Barkyn, no Porto, “é extremamente desafiante conseguir formular uma ração completa, excluindo fontes de proteína animal, e que seja tão nutritiva e biologicamente apropriada como uma alimentação não vegetariana”. Dá como exemplo os “requerimentos nutricionais específicos dos cães, que têm de ser cobertos”, sublinhando que existem “poucos estudos que permitam afirmar ser uma boa opção alimentar neste momento”.

Tanto nos cães como nos gatos, “é importante assegurar que as rações vegetarianas são suplementadas com aminoácidos essenciais que eles encontrariam na carne ou no peixe, como é o caso da taurina ou da L-carnitina”, frisa Nuno Alvim, alertando que, se assim não for, “os tutores poderão estar a colocar a saúde dos seus patudos em risco”.

Ração à distância de um clique

Vasco Reis admite que “em tentativas pouco esclarecidas e não equilibradas de alimentar gatos e cães com vegetais, há o risco de se criarem deficiências nos animais”. É possível encontrar no mercado algumas soluções, mas “parecem ser todas importadas”, diz Nuno Alvim. Vasco garante haver variedade e que sempre teve facilidade em encontrar ração vegetariana. Agora, o tutor oferece aos seus quatro animais “uma marca espanhola comercializada por uma empresa de médicas-veterinárias”, que recebe em casa “dois a três dias” após a encomenda. Porém, já usou produtos fabricados em Itália e no Reino Unido.

Beatriz Batista, designer de 38 anos, adepta do veganismo, diz que a alimentação dos dois gatos, Pico (preto) e Guita (dourado), tem todos os nutrientes de que precisam
(Foto: Amin Chaar/Global Imagens)

A ração vegetariana que Beatriz Batista oferece aos gatos Pico, de cinco anos, e Geeta, de quatro, está à distância de um clique. “Aproveito para fazer outro tipo de compras, como a levedura nutricional”, diz a designer de Gaia, 38 anos, que iniciou a “jornada pelo vegetarianismo” aos 20.

Antes de tomar a decisão de adotar o gato mais velho, “já tinha participado em palestras sobre alimentação vegetariana para cães e gatos”, sobretudo em Espanha. “Por cá, havia poucas opções”, constatou nessa altura. Ainda assim diz que foi fácil introduzir de imediato a alimentação vegetariana a Pico. “A Geeta também começou assim que chegou. Comem ração fortificada que tem todos os nutrientes que precisam, vitaminas e taurina.”

Beatriz, que “espalha o veganismo” através do site sociedadevegan.com, apresenta vários motivos que sustentam a escolha desta alimentação para os seus animais de companhia e um deles é “saber que não são utilizados intensificadores de sabor ou corantes, como noutro tipo de ração”. Assegura que os felinos “são saudáveis e felizes”. O estado de saúde de ambos é avaliado na visita anual ao médico veterinário.

Os donos devem analisar a ração com a ajuda do médico-veterinário e estarem atentos a eventuais mudanças no animal, defende Daniela Leal, indicando haver “deficiências nutricionais que não são visíveis e que não são facilmente diagnosticadas, daí a importância de garantir que o alimento foi testado e que aporta todos os nutrientes necessários”. A especialista acrescenta ainda que, “visivelmente, é possível avaliar a eficácia, parcial, de uma dieta pela qualidade do pelo, das fezes, pela condição corporal”. E informa que “existem análises que podem ser feitas, como o hemograma ou a medição de cálcio e algumas vitaminas, que podem indicar se alguma necessidade não está a ser coberta”.

Quando se opta por uma transição, esta deve “ser feita de forma muito gradual para que o trato gastrointestinal do animal se adapte ao novo alimento”, declara Daniela Leal, aconselhando o acompanhamento por parte do médico-veterinário nesse processo.

Alimentar amigos de quatro patas com ração vegana é uma escolha que está longe de reunir consenso, inclusive entre vegetarianos. “Alguns concordam, outros discordam veemente. Do lado de fora, é uma opção frequentemente rotulada como extremista”, observa Nuno Alvim, considerando a “escolha legítima” se a ração for “preparada por especialistas e garantir uma composição nutricional adequada”. Algo que tanto Beatriz como Vasco dizem assegurar aos seus animais. “Os gatos são animais carnívoros, mas se existem alternativas que os alimentam, mantêm saudáveis e não prejudicam o nosso Planeta, opto por essas alternativas”, justifica Beatriz. Já Vasco assegura que tanto os dois cães como os dois gatos “têm comido com gosto, estão saudáveis, bem-dispostos, com boa energia, pelagem ótima, sem diarreias, com fezes bem formadas e sede normal”. Por isso, afirma convicto: “Nunca tive animais tão bem de saúde”.