Jorge Manuel Lopes

Astor Piazzolla. O tango, recomeçado, até ao fim


Escolhas musicais de Jorge Manuel Lopes.

Os últimos anos da vida vivida de Astor Piazzolla, a segunda metade dos anos 1980, foram intensos e triunfais. Foi o tempo em que o compositor e bandoneonista argentino, nascido em 1921 em Mar del Plata, viu a aclamação chegar do norte da América. E foi em Nova Iorque, com chancela da editora American Clavé, que gerou um fio de álbuns notáveis, incluindo aquele que Piazzolla via como a sua obra máxima.

A caixa “The American Clavé recordings” (Nonesuch/Warner) devolve em versões remasterizadas os álbuns “Tango: Zero hour” (1986), “La Camorra” (89) e “The rough dancer and the cyclical night (tango apasionado)” (89). É toda uma linguagem que se celebra, condensa e transcende. Em que o tango é sucessivamente desmontado e remontado com paixão, em conversa permanente com a música erudita e o jazz, por vezes com o rock. São discos a que se cola uma pungência adicional quando se sabe que, pouco depois, a 4 de agosto de 1990 em Paris, Piazzolla sofreria uma hemorragia cerebral que o remete para um coma até à morte, em Buenos Aires, a 4 de julho de 1992.

“Tango: zero hour” é a referida obra máxima segundo o músico – e não há especial motivo para contestar (para o autor destas linhas é um empate técnico com a pulsão inflamável de “Libertango”, de 1974). O seu percurso atípico, a terna e apaixonada e visionária miscigenação de idiomas resume-se em composições em que a formação que o rodeia, The New Tango Quintet, é não menos crucial. A articulação de estilos passa pelo violino cúmplice de Fernando Suárez Paz, pelo piano lírico de Pablo Ziegler, pela guitarra discreta mas travessa de Horacio Malvicino, Sr. e sobretudo pelo baixo swingante de Héctor Console.

À visão total de “Tango: zero hour” responde “La Camorra” com um maior classicismo melancólico e cinematográfico, na derradeira gravação com o New Tango Quintet. A formação que se escuta em “The rough dancer…” inclui o saxofone alto e o clarinete de Paquito D’Rivera, regressando a um sincretismo próximo de “Zero hour”, menos uno e mais descontraído do que a obra de 1986. Há tanta vida nestes discos.