Margarida Rebelo Pinto

As vozes do Irão


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

As mulheres iranianas pedem-nos para não deixar cair a história de Masha Amini, de 22 anos, que simboliza a trágica realidade que as aprisiona de mil maneiras.

Imagine o que é acordar todas as manhãs e não ter o direito de vestir o que quer, ser impedida de sentir o vento a acariciar-lhe o cabelo, não poder cantar nem dançar em público. Imagine o que é viver num país no qual existe uma força policial organizada, a autointitulada Polícia da Moralidade, que decide de forma arbitrária e impune se os jeans que tem vestidos estão demasiado apertados, ou se o hijab que é obrigada a usar não está corretamente colocado, e por esse motivo ser detida e brutalmente agredida até à morte. Imagine viver sob o terror de um regime cujo nível de opressão chega a todas as suas células. Esta é a realidade atual do Irão desde que a República Islâmica tomou conta do território em 1979.

Como podemos ajudar o movimento Mulher, Vida e Liberdade? É nestes casos que o efeito borboleta amplificado até ao infinito nas redes sociais faz sentido. As mulheres iranianas pedem-nos para não deixar cair a história de Masha Amini, de 22 anos, que simboliza a trágica realidade que as aprisiona de mil maneiras. Sempre que o fazemos, não estamos a manifestar-nos contra o islamismo, estamos a denunciar os abusos de um governo opressivo e teocrático que distorceu e perverteu uma religião para seu interesse e benefício e que aterroriza e chacina um povo há mais de 40 anos. Ninguém sabe quantas mulheres, sobretudo jovens, já morreram em nome da liberdade, por isso o gesto de divulgar e amplificar esta realidade é, até ao momento, o mais eficaz usando os hashtags corretos. Share, repost and retweet, como se diz na gíria virtual.

A crueldade deste regime ultrapassa todos os limites daquilo que nós, ocidentais, nados e criados na democracia, conseguimos imaginar, pois é muito difícil entender uma realidade nunca vivenciada. Os pais de Nika Shakarami, de 16 anos, assassinada pelo regime, viram o cadáver da sua filha ser levado durante a cerimónia fúnebre para evitar protestos públicos. Saiu de casa no dia 20 de setembro para se juntar a milhares de manifestantes no ato simbólico de queimar o hijab. Nove dias depois, a polícia informou a família que uma rapariga com parecenças com Nika se encontrava na morgue. A família foi impedida de reconhecer o corpo, barbaramente agredido, com o nariz esmagado e fraturas cranianas.

Ninguém sabe quantas mulheres, sobretudo jovens, já morreram em território iraniano, envolvidas em protestos que alastram por todo o país. O atual movimento está a ser divulgado pela diáspora iraniana e todos temos o dever moral de o divulgar, mas ir para as redes sociais cortar duas pontas do cabelo num gesto de rebeldia momentânea não vai ajudar as mulheres iranianas, nem todos os milhões de mulheres espalhadas pelo Mundo que sofrem de abuso, discriminação, violência, maus-tratos e negligência. A apresentadora Ellen DeGeneres não precisou de cortar as pontas do seu elegante penteado para amplificar a causa das heroínas iranianas. Bastou-lhe ceder a sua conta de Instagram durante 24 horas a Nazanin Nour, a atriz que tem sido uma das bandeiras desta luta, como forma de amplificar a causa. Embora com a melhor das intenções, e sem desvalorizar o simbolismo do gesto, é tão tentador brincar às heroínas instantâneas como é fácil cair no ridículo. Afinal, isto não é sobre nós, é sobre elas, em nome de todas as mulheres como Masha e Nika.