As polémicas mais absurdas da Internet (e não só)

Umas duram o sopro de um dia, transpiram futilidade, criticam-se as unhas, o bronzeado, os glúteos que sobressaem em demasia, uma afirmação aparentemente vulgar. Outras fazem-se caso sério, põem o dedo na ferida, convocam discussões profundas, por vezes alimentam até os extremismos políticos. As redes sociais são o caldo perfeito para uma polarização crescente que está a transformar a web (e a sociedade) numa fogueira incontrolável.

Blaya, cantora luso-brasileira, há muito se habituou aos holofotes. Iniciou-se na atividade musical em 2001, juntou-se aos Buraka Som Sistema em 2008, aventurou-se no primeiro EP a solo em 2013, saltou para a liderança dos tops nacionais em 2018, quando lançou o single “Faz Gostoso”. Para que se perceba o alcance, o videoclipe do tema, publicado no YouTube, tem hoje mais de 40 milhões de visualizações. Paralelamente, o fenómeno Blaya foi-se exponenciando nas redes. Só no Instagram, a artista tem mais de 400 mil seguidores. Por lá, vai partilhando fotos do dia a dia, vídeos a dançar, (muitos) momentos com os filhos, dicas e opiniões em relação a dados temas. Por lá, coleciona gostos, elogios, palavras de incentivo. Mas a popularidade tem um outro lado, feito de comentários depreciativos, dedos apontados, polémicas sem-fim. Ou é porque surge “demasiado despida”, ou é porque dança com o bebé ao colo, ou é porque faz uma dança atrevida em cima do namorado, ou é porque prega um susto à filha de três anos. E por aí adiante.

A cantora Blaya é criticadas nas redes pelas mais variadas razões
(Foto: DR)

“As pessoas gostam destas coisas, do drama. Quando estamos a ver um filme, ficamos sempre mais entusiasmados quando sabemos que está para acontecer algo de mau, não é? Temos esse lado mais venenoso”, considera Blaya. Encontra também uma outra explicação para o fenómeno: o ego. “Parece que comentar a foto de alguém a dizer mal enche o ego. Porquê? Não faço a mínima ideia.” E aponta o dedo aos media cor-de-rosa, garantindo que os comentários críticos se multiplicam depois de serem feitas notícias sobre as suas publicações, regra geral num tom pouco simpático. “O que vende é o lado negativo”, acusa. A princípio, chateava-se, revoltava-se, aqueles maus fígados constantes causavam-lhe até ansiedade. Depois, foi aprendendo a proteger-se. “Hoje, se me vêm falar nisso, digo logo que não quero saber. Tento mesmo não ver. Até porque, na verdade, eu ver ou saber não vai mudar nada.” Defende ainda que uma certa “sensibilização” pode ser importante. “Dizermos que isso não é fixe, que magoa, que causa ansiedade, que pode causar depressão.”

Certo é que o fenómeno continua a ganhar a força, os casos multiplicam-se, viraram ocorrência diária. E a Internet segue neste comboio doentio, de polémica em polémica, uma mais absurda do que a outra, sem que se vislumbre travão. Um exercício de memória rápido basta para enumerarmos umas quantas. A atriz Jessica Athayde foi criticada por dizer que não gostou particularmente de estar grávida, a cantora Carolina Deslandes por ter três filhos num curto espaço de tempo, a apresentadora Carolina Patrocínio por partilhar uma foto da filha em que esta estava “demasiado morena”, a fadista Cuca Roseta por exibir umas calças que faziam sobressair as nádegas, a atriz Sofia Arruda por publicar uma imagem do filho a beijar uma menina. Até Ronaldo chegou a dar que falar por publicar uma imagem em que, com muito zoom, se podiam ver as unhas dos pés algo maltratadas, servindo de exceção a esta lógica de as mulheres serem um alvo aparentemente preferencial nesta enorme fogueira em que está feita a web. A lista de exemplos não tem fim.

A atriz Jessica Athayde foi contestada por dizer que não gostou de estar grávida
(Foto: DR)

Como chegámos aqui? A resposta enreda-se em explicações múltiplas, umas mais complexas e intrincadas, outras mais óbvias e intuitivas. Desde logo, como lembra Paula Guerra, professora universitária e investigadora na área da Sociologia, “o facilitismo das redes sociais, a possibilidade de as pessoas opinarem sem ter que mostrar o rosto, de se esconderem atrás do ecrã”, o que por si só faz com que a Internet se torne um espaço propenso à crítica gratuita, ao estigma, à violência, qual montra maior de problemas graves “que estão latentes na própria sociedade”. O machismo, a desigualdade de género, o racismo, a xenofobia. Rodrigo Saturnino, sociólogo digital, também enfatiza esta questão. “Na Internet, as pessoas têm liberdade de comentar e deduzir rapidamente sobre uma situação. Não há filtro, não há a preocupação de se verificar se as coisas são exatamente assim, potenciando-se todas estas situações que já existem fora dela.” Salienta ainda que as próprias plataformas “encorajam as pessoas a manifestarem-se de forma polémica”. Lembremos, a propósito, as revelações feitas por Frances Haugen, antiga funcionária do Facebook, que acusou a empresa de desenvolver um algoritmo fomentador do confronto e do discurso de ódio.

Polarização e extremismos

Luís Osório, antigo jornalista que tem quase cem mil seguidores no Facebook e todos os dias opina nas redes (e na rádio) sobre um dado tema da atualidade, conhece bem este apetite perverso pela crítica e o conflito. “Gosto muito de escrever sobre tudo. Para mim não há assuntos tabu. Escrevo sobre a vida e a vida interessa-me na sua plenitude. Curiosamente, as maiores polémicas até surgem com assuntos, digamos, menores.” E dá um exemplo concreto. “Há mais ou menos um ano escrevi um texto sobre a Katia Aveiro, um texto mais duro em que dizia que a profissão dela era ser irmã de Cristiano Ronaldo. E que no fundo era uma crítica a pessoas que utilizam o privilégio de chegar a muita gente para fazer comentários azedos. No caso dela, esteve internada com covid e queixou-se do serviço público, dizendo que não tinha sequer uma televisão. Achei aquilo um comentário totalmente desajustado. A reação dela foi muitíssimo mais agressiva, desejando a minha morte. E de repente comecei a ver milhares de comentários por causa daquele assunto.”

Uma agressividade com que nunca antes se tinha deparado. “Durante quase 30 anos escrevi, fui diretor de jornais, e nunca tinha visto nada igual. Mas a Internet é outro mundo e as coisas ganham uma visibilidade e agressividade proporcionais ao tempo de duração. Tudo se desvanece muito rapidamente”, entende, lembrando ainda que “há pessoas para quem a polémica acaba por ser a razão da sua visibilidade pública”. “Mais seguidores, mais haters [o termo usado para apelidar pessoas que publicam comentários de ódio ou crítica], mais popularidade. É a perversidade deste tempo.”

Quanto às explicações para o fenómeno, aponta o facto de a Internet ser um universo sem regulação, onde existe uma liberdade absoluta, uma vez que “cada um pode escrever aquilo que quiser e desenvolver o seu próprio nicho de poder”. “Se há uns 20 anos falássemos das redes sociais diríamos todos que era uma excelente ideia, uma forma de aprofundamento da democracia, visto que cada um pode ganhar o seu espaço de reconhecimento e liberdade. Mas esta é a semente da sua própria perversidade. Nestas coisas, há sempre uma capa de luz e uma capa de sombra e todos sabemos que se alimentarmos ambas na mesma medida, a parte sombria vai crescer muito mais depressa.”

Também Carolina Deslandes é alvo de críticas nas redes sociais
(Foto: DR)

Dora dos Santos Silva, professora da Universidade Nova de Lisboa especializada em media digitais, chama à discussão outras possíveis causas. Desde logo, a “cultura de cancelamento” (contextualize-se: um fenómeno moderno segundo o qual uma dada figura é afastada de uma posição de influência por atitudes ou opiniões consideradas questionáveis; uma espécie de boicote, portanto). “Começou por ser uma tomada de posição muito importante, que ajudava a sensibilizar a opinião pública para o posicionamento de dadas celebridades, mas atualmente é um fenómeno ultrapassado porque já está enraizado e porque acabou por tornar-se algo sem qualquer critério e valor acrescentado, em que se critica gratuitamente qualquer pessoa, muitas vezes sem fundamento e suporte argumentativo.”

Aponta também o dedo à fadiga da informação. “As pessoas cada vez consomem mais informação através das redes sociais. Muitas dizem que estão fartas de ler notícias, mas na verdade estão fartas de aceder a uma mistura de notícias e desinformação que recolhem através das redes sociais. Isto gera uma desordem de informação. E é neste caldo todo que vamos formando as nossas opiniões.” Uma desordem perversa que é em si mesma parte da explicação de um outro fenómeno, porventura o ponto-chave de toda a questão: a polarização. “É tudo sim ou não. Não há zonas cinzentas. Rapidamente somos levados a tomar uma posição, mesmo que não conheçamos os argumentos todos. É muito fácil cairmos nestes extremismos.” A socióloga Paula Guerra concorda: “O binarismo a que fomos habituados é super-relevante neste caso. Nesta sociedade neoliberal em que vivemos, as áreas cinzentas são vistas como um sinal de fraqueza”.

Luís António Santos, investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, também enfatiza este ponto. “Toda a gente diz o que pensa de forma explosiva e ficamos assim. É quase aquela reação automática do joelho quando levamos com o martelinho. São assuntos tendencialmente complexos que nós tratamos com enorme leveza, no sentido de que olhamos para eles numa lógica de campos opostos. Não se pensa nas implicações todas, pensa-se numa perspetiva de ataque. Vocês contra nós, nós temos absoluta razão e vocês não têm razão nenhuma. Aproveita-se aquele momento para deitar cá para fora algumas coisas, quase para expiar frustrações.” O docente admite que isso “tem muito que ver com a lógica de funcionamento destas plataformas em que nos expressamos, mas considera “muito provável que esta tendência para uma lógica de constante confronto tenha sido incorporada por muitos de nós”. “A ideia de ganhar é cada vez mais importante e isso impede-nos de escolher outros caminhos que seriam mais importantes do ponto de vista da coesão social. São fenómenos micro que contribuem para a degradação da nossa vida comum.”

A reflexão entronca numa outra nuance pertinente, que se prende com a relação entre a polarização que enforma os nossos dias (e que é particularmente visível na web) e os partidos políticos extremistas que vão ganhando ascendência pelo Mundo fora. “Com a disseminação das fake news [notícias falsas], houve uma série de movimentos políticos que não tinham acesso ao poder e passaram a ter. Criou-se uma espécie de realidade paralela, muito graças a estas plataformas que são também instrumentos massificados de influência política”, sustenta Luís Osório. E voltamos à polarização. “Tanto em grupos de Esquerda como de Direita há uma apropriação de ferramentas dogmáticas daquilo que é a matéria do tempo. Não existem dúvidas, existem certezas. Aquilo que era uma prerrogativa dos sábios, a dúvida, está completamente descredibilizado. Perde todas as batalhas.” E assim a fogueira vai crescendo, a um ritmo incontrolável.

Rodrigo Saturnino tem uma obra exposta no MAAT que é uma bandeira em que se pode ler “Não foi descobrimento, foi matança”, numa alusão ao colonialismo português. Foi criticado e acabou por se tornar uma questão viral na Internet
(Foto: DR)

No caso de Rodrigo Saturnino, nem o facto de ser especialista nesta matéria o “salvou” de ser, ele próprio, vítima desta fúria que cavalga o universo cibernético. É que, além de sociólogo, também é artista. Tem até várias obras expostas no MAAT, museu de arte contemporânea instalado em Lisboa. Uma delas é uma bandeira em que se pode ler “Não foi descobrimento, foi matança”, numa alusão ao cada vez mais sensível tema do colonialismo português. “A obra motivou críticas de pessoas do CDS e da Faculdade de Direito [da Universidade de Lisboa] e acabou por se tornar uma questão viral na Internet. Além das críticas no Twitter e nas caixas de comentários das notícias, recebi muitas mensagens diretas de ataque, desde os que diziam que não estava a prestar um bom serviço ao país às mais xenófobas: ‘Volta para a tua terra’, ‘nem sequer sabes escrever’, coisas assim.” Também por isso, não tem dúvidas. “A Internet não é neutra porque permite e favorece os discursos de qualquer pessoa, mesmo que sejam para ofender grupos que historicamente sempre sofreram ofensas.”

O caso concreto da apropriação cultural

O argumento do investigador remete-nos para um outro lado relevante da questão: a forma como, por vezes, as polémicas aparentemente leves e efémeras da Internet desembocam em debates profundos sobre temas estruturantes da própria sociedade. Luís António Santos não se mostra surpreendido. “Parece-me uma decorrência inevitável do facto de estes espaços se terem tornado muito relevantes na nossa vida. Basta ver que todos os dias temos as empresas de media a fazer notícias de coisas que alguém disse no Twitter, no Facebook, no Instagram. Os próprios políticos contactam diretamente com as suas audiências através das redes sociais. Este é o ambiente em que vivemos.”

Um bom exemplo deste fenómeno – leia-se, os temas que, por impulso inicial das redes, acabam a tornar-se relevantes no espaço público – aconteceu recentemente e teve Rita Pereira como protagonista. O rastilho foi um vídeo partilhado pela atriz no Instagram, em meados de julho, em que surge com longas tranças, a dançar o tema “Filha da Tuga”, da autoria de Irma, cantora portuguesa com raízes angolanas. “[A música] descreve a realidade de muitos dos meus amigos que, vezes sem conta, já ouviram: ‘Vai para a tua terra.’ A todos vocês que um dia passaram por isso eu grito bem alto: FICA AQUI, NA TUA TERRA”, escreveu. A publicação pretendia ser um apelo contra o racismo e a xenofobia, mas fez ricochete, com os comentários críticos a acumularem-se.

Contra Irma, por cantar “sou branca para os pretos, para os brancos preta” – sendo mestiça, foi criticada por estar numa posição privilegiada em relação a quem tem a pele mais escura. Contra Carolina Deslandes, por ser a autora da letra. Contra Rita Pereira, que foi mesmo acusada de “apropriação cultural”. A atriz, que não teve disponibilidade para falar com a “Notícias Magazine”, acabaria por responder, jurando que era contra o racismo desde que se conhecia como gente, que foi “das primeiras pessoas (não afrodescendentes) a falar de racismo na TV”, que recentemente teve até uma amiga negra a ser despedida por usar tranças e que sempre honrou e respeitou a cultura africana. Ao conceito de “apropriação cultural”, retorquiu por isso com o de “admiração cultural”.

A atriz Rita Pereira partilhou um vídeo no Instagram em que surge com longas tranças, a dançar o tema “Filha da Tuga”. A publicação pretendia ser um apelo contra o racismo e a xenofobia, mas fez ricochete
(Foto: DR)

Mas o tema seguiu vivo, dando até origem a uma carta aberta no jornal “Público”, com várias figuras mais ou menos mediáticas e associações a subscreverem uma missiva em que se aponta o dedo à “comunicação social e à branquitude” por alegadamente se terem apressado “a despolitizar e a ridicularizar” o debate público em torno da questão, “mostrando como a experiência negra tende a ser desprezada e negada na sociedade portuguesa”. Mafalda Fernandes, ativista antirracista, autora da página de Instagram “Quotidiano de uma negra” e uma das vozes mais críticas na polémica que envolveu Rita Pereira, explica o que está em causa. “A questão não é tanto o uso das tranças, porque eu não vejo o uso das tranças como um problema. É o facto de serem usadas para proveito próprio, no sentido de poder ter um ar exótico e diferente da norma, e sem qualquer tipo de crédito. Sendo que neste caso ela [Rita Pereira] tem um histórico que não ajudou. Para além de ter usado a palavra ‘n word’ [adotada pela comunidade negra como forma de empoderamento para combater a opressão], faz muito “blackfishing” [termo pejorativo usado para descrever o comportamento de artistas brancos que procuram imitar a aparência dos negros], já tem um histórico de microagressões racistas.” Mafalda aponta ainda o dedo à própria música. “Há ali um conjunto de coisas que correram mal. É certo que pretende retratar a vivência da Irma, mas só o facto de ter escolhido uma pessoa branca para escrever a música e falar da vida dela, quando andamos sempre a pedir para ter voz, não faz sentido. E depois a própria letra, que é uma letra racista, com vários problemas. Mesmo o facto de a pessoa em causa nunca ter assumido até hoje a sua negritude e ter escolhido aquele momento e aquela forma para o fazer é discutível.”

A posição convida à reflexão sobre os limites da apropriação cultural, definida, segunda o dicionário de Cambridge, como “o ato de usar coisas de uma cultura que não é a sua, sem mostrar que se entende ou respeita essa cultura”. O termo terá sido utilizado pela primeira vez em contexto académico, ainda na década de 1980, para abordar questões relacionadas com o colonialismo e as relações com as minorias. Mas do contexto académico passou para a cultura popular e a discussão tem vindo a ganhar fôlego. Por um lado, os críticos da apropriação cultural, como Mafalda Fernandes, que entendem que ela está associada a uma omissão dos significados originais, a uma apropriação leviana, a uma intenção de lucrar com a mesma. E por consequência a uma obliteração dos verdadeiros protagonistas de uma cultura.

Por outro, os que consideram que esta tese redunda num extremismo que “procurando servir uma boa causa, a prejudica”. É isso que entende o historiador João Pedro Marques. “Quando as pessoas que combatem o racismo, que obviamente é uma causa justa, fazem finca-pé em questões como esta, acabam por dar tiros no pé. Este exagero argumentativo e esta hipersensibilidade em relação a qualquer coisa que toque nas culturas associadas é idiota e vira a opinião pública contra eles”, atira, corrosivo. Para o autor, a apropriação cultural “é qualquer coisa que existe desde que temos registo histórico entre povos e culturas, algo de humano e inevitável”. “E fazer das coisas um monopólio de um determinado povo, num Mundo aberto, que contacta e interage entre si, parece-me ridículo.” João Pedro Marques distingue, no entanto, casos como aquele que envolveu a camisola poveira, em que a estilista norte-americana Tory Burch criou uma camisola de lã a imitar a veste típica da cidade nortenha. “Aí havia um intuito comercial, essa estilista patenteou o produto como se fosse seu e iria vendê-lo.”

Luís Osório, antigo jornalista, escreveu no Facebook, num texto duro, que a profissão de Katia Aveiro era ser irmã de Cristiano Ronaldo, como crítica “às pessoas que utilizam o privilégio de chegar a muita gente para fazer comentários azedos”. A madeirense não se ficou: “Foi muitíssimo mais agressiva, desejando a minha morte. E de repente comecei a ver milhares de comentários por causa daquele assunto”
(Foto: DR)

Também Luís Osório se mostra crítico em relação aos contornos das mais recentes discussões à volta da apropriação cultural. “Estas questões que discutimos hoje já não têm nada a ver com os grandes combatentes da causa, como o Martin Luther King. É uma loucura completa, feita de intolerância, culpabilização, arrogância e policiamento fascista da linguagem. São grupos progressistas que defendem ideias justas, mas que pelo seu radicalismo acabam por criar condições para que as ideias contrárias possam ganhar força.” O escritor fala mesmo num “racismo ao contrário”. “Sou branco e não tenho o direito de defender o negro porque não compreendo, não pertenço ao grupo que deve ter o exclusivo dessa defesa.” E, no meio deste extremar de posições, as minorias não correm o risco de ficar ainda mais isoladas? Mafalda Fernandes refuta por completo esta tese. “Esse argumento não faz qualquer sentido. As minorias já estão isoladas, nunca deixaram de estar. Isso é uma tentativa de desviar o assunto e de nos descredibilizar, nomeadamente através do uso de palavrões como ‘extremismos’ que, para quem não está dentro do assunto, acabam por assustar.”

De volta às polémicas, à lógica de confronto que tolhe horizontes, à polarização que nos vai tomando conta dos dias, Luís Osório partilha uma reflexão curiosa, ao jeito de uma chamada de atenção urgente. “O combate contra o ressentimento é o mais importante deste tempo. Basta ver que os movimentos de extrema-direita são um exército de ressentidos. Este é um tempo decisivo. Há uma guerra na Ucrânia, está a acontecer o que está a acontecer em Taiwan e nós andamos a atacar-nos uns aos outros por causa da apropriação cultural. Se não soubermos perceber o que está verdadeiramente em causa e não nos soubermos respeitar, isto vai acabar. É um tempo de decadência em que os tambores já estão a soar.”