As novas formas de amar

Bruno, Mariana e Cris têm uma relação em V. Maria é poliamorosa e está num relacionamento aberto com uma parceira monogâmica. Pedro e Inês namoram há três anos, mas podem ter outras pessoas desde que contem sempre um ao outro. André e Márcia estão juntos há uma vida. Praticam swing há 14 anos. João vive em anarquia relacional. Os meandros de várias formas de não-monogamia consensual.

Bruno Matos, 32 anos, designer industrial e de produto, mantém há 16 anos uma relação romântico-sexual com Mariana Silva, gestora de produto, também com 32 anos. De há três anos para cá, tem uma relação do mesmo cariz com Cris Deolindo, esteticista, de 26 anos. Já a relação entre Mariana e Cris é apenas de amizade, pelo que, vinca esta última, não são um “trisal”, termo brasileiro para trio. Bruno e Mariana vivem juntos a maior parte do tempo, mas tudo é organizado de forma a que ele também possa passar algumas noites em casa de Cris. E para que tenha algumas noites só para ele. As ligações não terminam por aqui. Cada um dos três teve, tem, vai tendo (todos os tempos verbais se podem aplicar) outras relações, ora românticas, ora sexuais, por vezes esporádicas, por vezes duradouras. E não só todos convivem pacificamente com isso como juram ser mais felizes desde que se permitiram largar as amarras da monogamia. Bruno e Mariana sabem do que falam. Tinham 16 anos quando se conheceram via Internet, foram amigos primeiro, namorados depois, mantiveram durante nove anos uma relação monogâmica, chegaram a casar. Mas já havia nuances que deixavam antever um caminho avesso às convenções sociais. Como o facto de terem acordado que podia haver flirt com outras pessoas (desde que não consumassem nada). E que Mariana poderia beijar outras raparigas. Daí que a decisão de abrir a relação tenha surgido com relativa naturalidade.

Bruno detalha os meandros de um momento que foi um ponto de viragem. “Muitas vezes, quando se decide abrir a relação, faz-se a chamada ‘caça ao unicórnio’, que no fundo passa por procurar uma terceira pessoa para ter uma experiência, regra geral uma mulher bissexual que esteja atraída pelos dois. Mas rapidamente percebemos que isso não seria tão fácil de acontecer. E então decidimos abrir a relação e estar separadamente com pessoas diferentes.” Inicialmente a premissa era a monogamia romântica sem exclusividade sexual, mas rapidamente perceberam que nem no afeto romântico eram monogâmicos. E assim os termos da relação foram sendo negociados para que cada um pudesse escolher os seus amores e relações livremente. É já ao fim de vários anos rendidos ao poliamor que Cris entra na equação. “Sempre notei que tinha facilidade em gostar de mais do que uma pessoa ao mesmo tempo. Não conhecia o conceito e na altura até achava aquilo estranho, o facto de estar com alguém e desenvolver sentimentos por outras pessoas. Acabei por ter contacto com a não-monogamia quando vim para Portugal, há uns seis anos, e me envolvi pela primeira vez com um rapaz poliamoroso.” Anos depois, enquanto andava pelo Tinder (aplicação de encontros), fez “match” com Bruno. Curiosamente, a dada altura, além da relação com Bruno, mantinha uma outra, com um rapaz poliamoroso com quem Mariana também estava. Era o destino a querer escrever-se.

Desde então os três funcionam em perfeita harmonia, numa estrutura em V, explica Bruno, que funciona como o vértice inferior da letra. E não duvidam do muito que ganharam ao rasgar a barreira dos moldes sociais tradicionais. “Além da liberdade que consigo ter, a questão da organização do meu tempo e da minha semana também tem sido muito positiva”, sublinha Cris, enquanto Mariana destaca que tem hoje uma “visão diferente das relações, com menos caixinhas”. Bruno, que realça igualmente a questão da liberdade, socorre-se de uma metáfora para ilustrar aquilo que lhe parece ser um caminho sem volta. “É como fazer um upgrade. Depois já não se quer fazer downgrade. Não voltarei a ser monogâmico.” Pelo meio, há um ano e uns trocos, em plena pandemia, Bruno, Mariana e Cris até criaram uma página no Instagram (Ramboia com Moderação) e um podcast homónimo, onde abordam as dinâmicas do poliamor e partilham as experiências pessoais. “Temos recebido muitas mensagens de pessoas a dizer que mudámos a vida delas”, orgulha-se Bruno. Mariana escrutina a receita do sucesso. “Acho que havia em Portugal uma falta de conteúdos grande sobre não-monogamias. E o facto de contarmos as nossas experiências pessoais, de forma informal, acaba por ajudar pessoas que precisam de uma validação de alguém que já passou por isso. Queremos desconstruir a ideia de que as pessoas precisam de uma relação romântico-sexual monogâmica para se sentirem bem, mostrar que há diferentes formas de se ser feliz e lutar contra uma única hipótese.”

(Foto: Diana Quintela/Global Imagens)

Bruno, Mariana e Cris praticam o poliamor que, numa definição muito simplista, passa por manter relações amorosas e sexuais com várias pessoas ao mesmo tempo. Sendo que estas relações podem assumir múltiplas configurações. Se Bruno, Mariana e Cris têm uma relação em V, também existem os trios, as quadras, as constelações, as redes de relações, as relações íntimas, as famílias poli. Ou, dito de outra forma, as relações em M, W, X, cada uma com as suas características e peculiaridades (que levariam incontáveis linhas a explicar). Existem até as relações mono/poli, em que uma das pessoas é monogâmica, mas consente o poliamor da outra. É o que acontece com Maria Madureira, sendo ela a parte poliamorosa da relação. Mas o poliamor não foi sempre uma realidade na vida desta alentejana de 23 anos formada em Biologia Aplicada e Ecologia. Pelo contrário, é algo bastante recente. Antes, Maria, que se assume como bissexual, teve várias relações perfeitamente monogâmicas. Primeiro com uma colega da equipa de futsal de que fez parte. Depois com outra rapariga. Mais tarde com um rapaz. Depois esteve uns tempos sem ninguém, divertia-se com o Tinder, ia a uns dates, nada de sério. Até que no verão passado, no Avante, fez novos amigos, que a introduziram ao conceito do poliamor. E foi como se tudo tivesse feito sentido de repente. “Percebi que era isso que eu era. Poliamorosa. E senti-me muito mais aliviada. Até porque chegou-me a acontecer, quando estava numa relação, ir de Erasmus e começar a gostar imenso de uma rapariga. Na altura reprimi por ser algo ‘errado’. Depois percebi que era uma opressão que estava a fazer a mim própria.”

A tomada de consciência foi também uma tomada de posição em relação a tudo o que viesse daí em diante. “Quando me apercebi que era poliamorosa decidi que sempre que tivesse um relacionamento ia referir isso. A pessoa podia querer ou não, mas para mim não faria sentido estar numa relação fechada, considerando que é possível ter sentimentos por outras pessoas.” E os meses foram correndo, uns dates aqui e ali, um envolvimento mais frequente com uma rapariga sem que evoluísse para relação, uma colega de trabalho monogâmica que começou por ser só uma amiga, mas acabou a tornar-se bem mais do que isso. E a tal conversa? No caso delas, aconteceu ainda antes de serem namoradas. E o receio esperado de quem não sendo poliamoroso sente um total desconforto em relação ao conceito. “Quando conversámos sobre isso pela primeira vez, ela disse-me que achava assustador pensar que a pessoa de quem se gosta pode gostar muito de outra pessoa.” O medo não a impediu de dar o passo de assumir o compromisso, há mês e meio, mais coisa, menos coisa. Mesmo que a relação obrigue a trabalho constante. “Continuo a estar com a outra rapariga com quem já estava antes. Isso no início fazia-lhe muita confusão [à namorada], mas acho que tem vindo a perceber que, independentemente de estar com a outra rapariga, eu gosto dela. Falamos muito sobre tudo. Às vezes é pesado, intenso, às vezes precisamos de tempo para digerir. Mas ainda no outro dia ela dizia que, apesar de ser difícil, compensa.” Riscos? Há, claro. Mas Maria desconstrói a ideia. “Se não fosse poliamorosa e estivesse numa relação fechada, também havia a possibilidade de conhecer outra pessoa e deixar de ter sentimentos por ela.” Mais uma razão para Maria estar decidida a não voltar atrás neste caminho que orgulhosamente tem percorrido. “A dada altura sais de uma caixinha e nunca mais queres voltar.”

“Pessoas mais felizes e completas”

Sendo que a saída da caixa pode assumir múltiplos contornos. Para os portuenses Pedro Fiel (33 anos) e Inês Rocha (30), namorados há mais de três anos, a não-monogamia vive-se na forma de uma relação aberta. Para Pedro, é uma estreia. Antes, teve quatro ou cinco relações, todas monogâmicas. Embora a ideia já andasse ali a marinar há algum tempo. “Sentia que na minha mente, de alguma forma, já praticava este conceito. Talvez o facto de ter passado por várias relações à distância também tenha ajudado. Porque estas relações podem muitas vezes espoletar a ânsia de estar com outras pessoas.” Esse terá sido o mote para outras reflexões que se seguiram. Por um lado, a ressignificação do conceito de pertença associado ao facto de estar com alguém. Por outro, a ideia de que ver a companheira satisfeita por estar com uma terceira pessoa também poderia ser compensador para ele. Por isso, na última relação que tinha tido, já tinha abordado a questão. Mas o projeto não foi em frente. Até que conheceu Inês e o passo para uma relação aberta foi só simples.

Até porque para Inês o conceito não era uma novidade. Já tinha experimentado duas vezes, uma com sucesso, outra sem. “Na primeira vez, a pessoa disse que sim, mas depois, quando aconteceu, não reagiu bem.” Na segunda, já foi diferente. A experiência foi de tal forma gratificante que quis manter os mesmos contornos quando conheceu Pedro. E assim as vontades de ambos conjugaram-se na perspetiva de um amor mais aberto, mais fluido também. Mesmo que esta forma de estar obrigue a uma negociação permanente. “Colocou-se a questão de lidar com algo que ambos queríamos, mas podia ser desafiante. Decidimos, por exemplo, que sempre que acontecesse estarmos com alguém contaríamos na primeira situação em que houvesse oportunidade. A relação tem de se basear numa honestidade a 100%.” A primeira vez em que a outra pessoa partilha uma experiência é um enorme desafio, confessa Pedro. “Foi o momento em que percebi que aquilo era a sério. E primeiro pensei: ‘Ui, que coisa desconfortável.’ Por outro lado, foi um momento definidor de ‘ok, eu consigo fazer isto’. E aí foi quase como tirar a cabeça debaixo de água.”

Pedro Fiel e Inês Rocha estão numa relação aberta há mais de três anos
(Foto: Paulo Spranger/Global Imagens)

Não se pense, no entanto, que nas relações abertas os ciúmes ficam necessariamente fora da fotografia. “Também há, mas lidamos com isso e fazemo-lo juntos. E se a dada altura acharmos que algo está a ser um bocadinho de mais, então podemos voltar a redefinir os limites da relação.” Sem que isso implique fechá-la de vez. Pelo menos para já. Até porque o balanço é claramente positivo. “Diria que somos pessoas mais felizes e completas, com interações mais honestas e profundas.” Também Inês realça a vertente construtiva deste tipo de relação. “Tem-me ensinado a estar mais atenta às coisas que me deixam insegura, aos ciúmes, a certos gatilhos e limites. Tem sido, no fundo, uma certa forma de desenvolvimento pessoal.”

As formas de não-monogamia consensual estão longe de se esgotar por aqui. Ou de se cingir a uma franja residual da população. Daniel Cardoso, sociólogue que se tem debruçado sobre o tema (Daniel é uma pessoa de género não-binário que pediu explicitamente para que fosse usada linguagem neutra, daí o termo sociólogue), ajuda-nos a compreender a dimensão deste fenómeno. “De acordo com alguns estudos internacionais, a prevalência das não-monogamias consensuais na população, num dado momento, anda entre os 5 e os 10%. Se alargarmos os números às pessoas que num dado período da sua vida o experimentaram, a percentagem chega aos 20%.” Na esfera das não-monogamias consensuais entra também o swing, prática que terá nascido algures entre as décadas de 1960 e 1970 e que, como salienta Paulo de Jesus, psicólogo e investigador nesta área, tem vindo a crescer exponencialmente. “Não há números exatos mas não tenho dúvidas de que o número de pessoas a frequentar, tanto online como presencialmente, as iniciativas de swing é crescente. E veem-se faixas etárias cada vez mais jovens.”

Uma realidade bem distinta da que André e Márcia (fiquemo-nos pelo primeiro nome, por uma certa privacidade que querem continuar a manter intacta) encontraram quando, há uns 14 anos, entraram num clube de swing pela primeira vez. Com muita graça, Márcia conta que, na altura, “parecia que ia para uma cirurgia”. “Porque nós não sabíamos nada sobre o que íamos encontrar ali.” Sabiam, isso sim, que depois de anos a fio de relação, dez deles casados, de terem perdido a virgindade juntos e de terem sido parceiros exclusivos um do outro durante tanto tempo, gostavam de experimentar outras coisas. Sem saberem, André e Márcia encaixam como uma luva no “casal-tipo” que procura o swing. Paulo de Jesus elucida-nos. “É o casal de meia-idade – entre os 35 e os 45 anos – que já tem história conjugal bastante consolidada, com mais de dez anos de vida conjugal, uma vida estável, com filhos, que já viveu todas as experiências sexuais que consideram que enquanto casal podem viver. E que apesar de quererem permanecer como casal, também procuram a novidade.”

Márcia puxa a fita atrás. “Já há muito tempo que havia conversas entre nós, mas do falar ao fazer vai um grande passo. Primeiro andámos nos sites de comunidades swing e foi aí que percebemos a dimensão deste mundo. Porque durante muito tempo eu achava que era uma ave rara por querer experimentar.” Passaram uns meses nos sites, em conversas com outros casais, demasiado titubeantes para avançar. Até que um dia se encheram de coragem e convidaram um casal para jantar lá em casa. Só que eram os quatro inexperientes. E então foi tudo “muito difícil”. “Houve uns toques e mais nada, porque nenhum dos quatro conseguia fazer nada. Parecia que o nosso corpo pesava toneladas. Então eu, que nunca tinha estado com outro homem, parecia que nem sequer sabia o que fazer ou como fazer.” Só uns tempos mais tarde experimentaram um clube. A tal sensação de estar a caminho do bloco operatório. “Tremia como varas verdes. Pensávamos que estando lá dentro as pessoas podiam fazer o que quisessem.” Não podiam estar mais enganados. A primeira experiência, ainda assim, não foi incrível. O desconforto andou ali a rondar a noite toda. “Mas na semana seguinte estávamos lá outra vez”, ri-se André.

O que começou por ser uma experiência estranha acabou por fazer-se hábito de anos a fio. Mesmo que, no caso deles, os degraus do swing se tenham subido devagar devagarinho, para evitar tropeções. “Quando entrámos definimos logo que íamos fazer só ‘soft swing’.” Ou seja, que poderia haver beijos, carícias, sexo oral, mas não mais do que isso. “E impusemos uma regra a nós próprios. Que se aquilo corresse mal saíamos os dois juntos como entrámos e seguíamos em frente.” Até porque, alerta Márcia, o swing não pode servir nunca para resolver problemas. “É preciso estar muito bem resolvido para se começar a fazer swing. E quando se vai para lá tem de se desligar o complicómetro. Porque se se for para lá para estar a contar o que quer que seja e não para retirar prazer não vale a pena.” Com eles resultou. Mesmo que o incómodo também paire nas primeiras vezes. “No início fez-me alguma confusão. Nas primeiras vezes só olhava para a Márcia por preocupação com ela, não tirava partido nenhum.”

André e Márcia praticam swing há 14 anos. No início, parecia que iam “para o bloco operatório”, mas depois a estranheza deu lugar ao prazer
(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

Mas a estranheza foi dando lugar ao à-vontade. E depois de seis ou sete anos de “soft swing” arriscaram a troca completa (com penetração). Agora, quase 15 anos depois de se terem aventurado nestas andanças, o balanço é largamente positivo. “Não diria que nos fortaleceu, porque a relação já era forte antes ou nunca teria resultado.” Márcia tenta encontrar as palavras certas. “Diria que aumentou a nossa cumplicidade.” Esta é precisamente uma das facetas mais construtivas do swing, elucida Paulo de Jesus. “Tipicamente, quando temos um casal de swingers equilibrado, há uma comunicação muito elevada em casal. O processo de se tornarem swingers é tão intenso e desafiante, porque estão a transgredir as expectativas culturais em que foram educados, que têm de comunicar imenso. O segredo do impacto positivo da experiência é essencialmente o efeito da comunicação.”

“A maior parte da nossa história é não-monogâmica”

E tal como acontece no swing, há hoje cada vez mais gente a adotar formas de não-monogamia consensual? Possivelmente sim. Mas, como aponta Daniel Cardoso, “não existem dados longitudinais sobre se a incidência de pessoas em situação de não-monogamias consensuais aumentou, em grande parte porque não sabemos o quão frequente era antes de haver mais visibilidade para o tema”. O que sabemos é que a visibilidade mediática e o interesse (medido por aumento de buscas sobre o tema no Google, por exemplo) “têm aumentado consideravelmente” ao longo dos últimos dez anos. “Isto pode ter como efeito que mais pessoas se passem a identificar como estando em situação de não-monogamia consensual. Ou que mais pessoas questionem se a monogamia é para si.”

Não se pense, por isso, que a não-monogamia é uma espécie de moda recente. “O conceito de poliamor surge nos anos 1990, o de anarquia relacional [ainda lá iremos] por volta dos anos 2010. Mas o conceito de não-monogamia em si é algo profundamente antigo. Se tivermos em consideração a pré-história, aquilo que as investigações dos antropólogos mostram é que fomos principalmente não-monogâmicos, de uma forma mais aberta do que escondida, ao longo dos 200 mil anos da nossa história enquanto espécie. E socialmente monogâmicos na Europa de há seis ou sete mil anos para cá. A maior parte da nossa história é não-monogâmica.” Já os termos usados, e os diferentes moldes das relações, vão sendo redefinidos com o tempo.

É o caso do conceito de anarquia relacional, adotado por João Pinheiro, 28 anos, residente nos arredores de Lisboa, ele que é simultaneamente poliamoroso. Aliás, no caso de João, a forma como está nas relações com os outros tem-se construído com o tempo. Primeiro, em 2015, conheceu o conceito de poliamor. Mas só em 2016 o pôs em prática. Depois, ali entre 2017 e 2018, deparou-se com a ideia da anarquia relacional. E até confessa que a princípio não se identificou totalmente com ela. Só que, aos poucos, aquilo foi fazendo sentido para ele. Mas, afinal, o que é isto da anarquia relacional? João tenta conceptualizar, ainda que o exercício não seja simples. “A anarquia relacional define-se na abolição das pressões exteriores a moldá-la. A relação só é moldada pelas pessoas intervenientes nela. Não há nem pressões religiosas, nem estatais, nem dos amigos. Somos pela não existência de rótulos nas relações. Além disso, a anarquia relacional diz que cada relação é única, não existe uma relação hierarquicamente superior a outra.”

Depois, cada caso é um caso. Ou seja, os contornos que moldam a anarquia relacional em que João vive não têm de ser necessariamente iguais aos de outra pessoa que pratique o mesmo modelo de relações. “No meu caso, existem relações afetivas, sexuais, desportivas, familiares. Todas estas relações são diferentes e obedecem às mesmas regras de bem-estar, equilíbrio e não agressão.” Não significa que só tenha relações com outros anarquistas relacionais. Mas aceitarem o facto de João o ser é condição sine qua non. “A minha vida ganhou sem dúvida uma liberdade enorme para poder viver o amor como gosto, o amor dos meus sonhos, uma liberdade para poder comunicar isso abertamente com as pessoas com quem me relaciono.” Um amor que não cabe em caixinhas.

Formas de não-monogamia consensual

Como os conceitos inerentes a esta temática tendem a sobrepor-se e porventura a tornar-se confusos, pedimos a Daniel Cardoso, sociólogue especialista nestas temáticas, que nos ajudasse com as definições das formas de não-monogamia consensual mais comuns (note-se que existem outras, ainda que menos “populares”).

Relação poliamorosa
Tende a ser uma relação em que as várias pessoas estão disponíveis para envolvimento íntimo e/ou sexual com várias pessoas com o consentimento informado de todas as partes.

Relação aberta
Relação em que existe um casal central e envolvimentos sexuais pontuais com pessoas fora desse casal.

Anarquia relacional
As pessoas estabelecem entre si relações que não estão organizadas em função de um núcleo familiar específico, rejeitando explicitamente dar primazia a relações românticas ou relações sexuais. Não têm um ponto central.

Swing
Casal que se envolve em troca de parceiros com outros casais ou elementos individuais (os chamados singles), geralmente, mas não exclusivamente, em eventos específicos de swing.

Poligamia
Casamento reconhecido entre mais do que duas pessoas, proibido ou criminalizado na maior parte dos países.