Margarida Rebelo Pinto

Ao lado da vida


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Quantas vezes ao longo da nossa existência somos obrigados a aceitar coisas que não percebemos? E quanto tempo demoramos a conseguir tal proeza interior? Por vezes, uma vida inteira não chega, morremos sem nunca aprender a lição final. Ou então, quando alcançamos a paz, sentimos que perdemos demasiado tempo e que já vamos tarde. O mais comum é aprendermos durante um tempo e depois desaprendermos, como se o cérebro se esquecesse temporariamente, o que pode parecer-nos estranho, porque o cérebro não se esquece de falar, de andar de bicicleta, do nome da nossa professora da primeira classe ou do cheiro das lancheiras que levávamos para o colégio. Esquecemos quando o nosso cérebro não processou, quando pensamos que não vamos sofrer outra vez. Esquecemos temporariamente quando não conseguimos arrumar o assunto. Contudo, esconder uma coisa não é o mesmo que arrumá-la. Quem acredita que o cérebro pode funcionar como um contador indo-português e as suas incontáveis e estanques gavetas, vive mergulhado num dos maiores equívocos da condição humana. Ninguém tem a cabeça arrumada, isso não existe. Existem pessoas que são mais racionais e/ou que possuem mais espírito de sacrifício do que outras.

Ainda sou da geração na qual casar, ter filhos e constituir uma família sólida era um objetivo tão importante como ter sucesso profissional. A Geração X acreditava que fazer planos era um caminho seguro para alcançar a felicidade. Mais: sem planos, nem sequer existia realidade. Até aos 30 anos, ouvia sempre a mesma pergunta das pessoas mais velhas da família: então quando é que te casas? O facto de querer viver sozinha e de viajar sempre que podia deixava a fação mais conservadora da família algo perplexa. A vida era desenhada a régua e esquadro, eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, acabaria por cumprir o plano.

Há pouco mais de uma década, o aparecimento das redes sociais veio alterar a ordem natural dos afetos. O mundo virtual criou uma espécie de limbo emocional predominante nas relações amorosas, um labirinto invisível do qual muito poucos conseguem encontrar a saída. Como e onde encontrar o fio de Ariadne tornou-se um dos meus objetivos. Sentia que andava tudo a jogar no mais ou menos, reflexo do desinvestimento generalizado nas relações amorosas, como se a construção amorosa não tivesse direito a existir. Muito encontrão e alguma conversa, uma tendência para o toca-e-foge generalizado, alguns trambolhões, um cumular de relações que não funcionavam com as inevitáveis consequências; sensação de rejeição, síndrome do abandono, complexos de culpa e o medo a ganhar terreno, medo de arriscar, medo de falhar, e, em estados de desgosto acumulado mais avançados, medo de sentir.

Quando as pessoas fogem daquilo que sentem, é apenas natural que se percam pelo caminho. Perdem-se na falta de coragem para assumir o que sentem, o que querem, o medo rouba-lhes a vontade. Deixam-se ir em relações que dão sinais de alarme desde o início, porque acreditam que não existe pior inferno do que a solidão. Ou então, deixam-se armadilhar em relações que já estão doentes, que há muito foram infetadas com os vírus da desesperança, das omissões, das traições pela surra pela mesma razão, porque também acreditam que não existe pior inferno do que a solidão. E é assim que muitas vidas passam ao lado da vida.