Animais na cama? Uma opção que tem as suas regras

Filipa Bacelar com o seu cão, Jonas, um buldogue francês, no quarto onde ambos agora costumam dormir (Foto: Paulo Spranger/Global Imagens)

É uma decisão pessoal e intransmissível, uma questão de bom senso, com fatores de extrema importância. A saúde, a higiene, as vacinas, a desparasitação interna e externa. Responsabilidade, acima de tudo.

Filipa Bacelar tinha tudo acertado na sua cabeça quando, em 2016, foi buscar Jonas, um buldogue francês, lá para casa. O discurso decorado. “Nunca na vida vai dormir connosco, é preciso regras, o cão fica supermimado, não pode ser. Nós no quarto, o cão na sala”, lembra. E assim foi no início. Marido emigrado, Jonas era uma companhia, cada qual na sua cama. Tudo tranquilo, tudo resolvido. Até ao dia em que o marido não resistiu àquele olhar de Jonas e o quarto tornou-se espaço comum. Matilde, a gata, é mais independente, decide o que lhe apetece, ora dorme, ora não dorme, na cama dos donos.

Depois de anos a viver num canil, Isa compreendeu, desde o primeiro dia, desde o primeiro minuto, qual o seu espaço, o seu território, a sua cama. Cadela de raça Serra de Aires, semelhante ao cão de água, peluda, doce e meiga, entrou no apartamento de Ricardo e Carla há seis anos. Carla já a conhecia das ações de voluntariado no canil, Ricardo deu-lhe as boas-vindas. A ligação foi imediata. Isa, agora com 14 anos, 21 quilos, porte médio a pender para o grande, sempre soube qual o seu lugar. Por volta das 11 da noite, deixa, por livre e espontânea vontade, o sofá que partilha com Ricardo e Carla para ir para a sua cama, no hall de entrada. “A Isa é a alma da casa”, conta Ricardo Rodrigues. “Adaptou-se muito bem à vida de apartamento, nunca fez as necessidades em casa, mesmo com as portas abertas não entrava nos quartos.” Sempre foi assim.

Dormir ou não dormir com animais de estimação? Eis a questão. Não há uma resposta certa, não há uma resposta errada. Para Jorge Cid, veterinário, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, não há propriamente prós e contras de um animal dormir na cama do dono. Não se pode dizer que faz mal, não se pode dizer que faz bem, o assunto não é tão linear assim. “É uma questão de sensibilidade do dono”, considera.

Júlia Bragança, médica-veterinária, concorda. Cada cabeça, sua sentença. A experiência conta sempre, vantagens e desvantagens pesam também, e cada caso é um caso. “O que é conveniente para uma pessoa pode não ser para outra. Não há uma norma, é sempre uma opção individual”, afirma. E de bom senso. É uma opção individual, sim, pessoal e íntima, sim, mas com regras. O que é natural para uns, pode ser descabido para outros. “Se o animal estiver vacinado, em boas condições de saúde, desparasitado, não haverá inconvenientes”, adianta Jorge Cid.

Os animais, supostamente, têm donos inteligentes, que pensam no bem-estar de todos, que estão atentos. Dormir ou não dormir com os animais de estimação é, antes de mais, para Maria do Céu Sampaio, presidente da Liga Portuguesa dos Direitos do Animal, uma questão de responsabilidade. De opção também. A vários níveis. “Ter o animal bem cuidado e cuidado em termos de saúde, vacinas, desparasitação, higiene”, concretiza. Tudo em dia, portanto. Se tudo está como deve estar, nada há a recear.

O sim e o não são opções válidas e compreensíveis, nada de apontar o dedo a quem quer ou não quer dormir com os seus animais. Volta-se ao que é realmente importante para que não haja riscos a pairar e dúvidas a consumir. “É exigível que o animal tenha as vacinas em ordem e esteja devidamente desparasitado e tratado”, reforça a presidente da Liga Portuguesa dos Direitos do Animal.

A saúde, a higiene, as rotinas

Jonas, o cão, e Matilde, a gata, têm os cuidados de saúde em dia, vacinação, desparasitação, tudo como deve ser. Filipa Bacelar sabe que há micróbios e bactérias à solta em vários lugares. Como Jonas vai à rua, atenção redobrada, toalhitas para esfregar nas patas e no focinho quando entra em casa. “Temos o máximo cuidado possível para que o Jonas esteja sempre limpo”, diz.

Filipa Bacelar recorda que havia uma separação da cama dos animais e da cama dos donos durante os anos em que, em casa dos pais, viveu com animais de estimação. Não se arrepende de ter reconfigurado a ideia, já não se imagina sem o Jonas no quarto, mesmo com o seu ressonar, mesmo com o mexe para aqui e mexe para acolá antes de adormecer. “Não interfere no nosso descanso”, garante. “Não acho que foi uma opção errada, o Jonas é um cão bastante ajuizado”, sustenta. Jonas pesa dez quilos, é muito meigo com crianças, e só dorme com os seus donos, fora de casa, não sobe para nenhuma cama.

Isa é uma cadela muito disciplinada, dócil, que gosta de colocar a cabeça no colo dos donos quando estão todos no sofá. “É uma paz de alma, faz-nos companhia, respeita os espaços”, realça Ricardo Rodrigues. Tudo em ordem com os cuidados de saúde, vacinação, desparasitação. Ricardo e Carla dão-lhe todos os mimos que merece e agradecem o seu saber estar, entender que todos precisam de espaço e privacidade.

Isa, uma Serra de Aires, com os donos Carla e Ricardo. Todos os dias, por volta das 23 horas, a cadela sai do sofá e vai para a sua cama, no hall de entrada
(Foto: Álvaro Isidoro/Global Imagens)

Qualquer opção é legítima e não há problema algum. Jorge Cid avisa que não se deve dar por adquirido que dormir com animais é benéfico para os bichos e seus donos. O contrário também é válido. O importante é que cada dono faça o que acha que deve fazer, o que lhe dá mais prazer, o que o faz sentir melhor. “O que fizer sentido”, especifica. Desejos não se discutem, mas há regras. Em primeiro lugar, a saúde. “Há sempre o risco de o animal transmitir o parasita”, alerta Júlia Bragança. Dormir com carraças ou pulgas entranhadas nos lençóis, e que se instalam na pele, não é bom para ninguém. Atenção, portanto. Vacinação em dia, desparasitação interna de três em três meses, desparasitação externa com regularidade a depender do produto utilizado. As pipetas, as coleiras para cães e gatos, as consultas regulares.

Nem tudo a favor, nem tudo contra. Nem tudo pode ser perfeito. Um animal que se mexe muito durante a noite pode incomodar o descanso do dono. Uma pessoa com insónias ou imunodeprimida deve pensar duas vezes antes de ter um cão ou um gato no quarto. Alguém com problemas afetivos, que se sinta bem com o animal ao pé de si durante a noite, tem a decisão facilitada.

A higiene é ponto de honra. A Natureza é como é, faz o que tem a fazer, os animais, sobretudo os cães, vão à rua fazer as suas necessidades, passear, brincar, conviver. Tudo pode acontecer e, por isso, é preciso cuidados, limpar patas e outras partes do corpo antes de entrar em casa.

O afeto, o amor, os banhos

As doenças, as alergias, os problemas respiratórios, os contactos e os contágios. “Se não for uma pessoa com problemas graves de saúde, não há problema”, defende Jorge Cid. Se não houver uma alergia àquele animal, àquela raça, àquele pelo, e se forem cumpridas as regras de higiene, tudo tranquilo, não há dores de cabeça com doenças que passam de uns para os outros.

A ciência confirma que as crianças desenvolvem as suas defesas em contacto com animais, o sistema imunitário sai fortalecido. Um animal é uma companhia, não há dúvida, especialmente para os mais novos e pessoas mais velhas. “Ter um animal à espera em casa, que salta, que faz festas, quando os donos chegam, quebra a solidão, obriga a sair”, frisa Maria do Céu Sampaio.

Afeto é afeto, amor é amor, e não será por dormir na mesma cama que animais e seus donos ficam mais próximos. A ligação, qualquer que seja, existe em qualquer circunstância, em todos os contextos. “Todos os animais devem ter o seu espaço e não é por isso que se gosta menos dele, de passear com ele, de brincar com ele”, observa Maria do Céu Sampaio.

Sem culpas, sem inibições. Jorge Cid não é contra nem é a favor. É uma opção. Ponto. “A pessoa deve fazer aquilo que quer fazer”, reforça. Mas há um aspeto a ter em consideração. Um ponto que pode passar despercebido. “A habituação. Vai ser sempre assim? O que se quer para o futuro? É que desabituar é difícil, deve-se educar desde o princípio.” Quebrar repentinamente a rotina, ou seja, hoje dorme na cama dos donos e amanhã já não, ou vice-versa, não é fácil de digerir e compreender para qualquer animal.

O animal tem de estar bem cuidado, já se sabe, isto é, sintetiza Júlia Bragança, “em boas condições sanitárias”. Fora isso, não há uma norma estabelecida, depende do animal, depende do dono, e de um fator de extrema importância. A educação. “Não há aqui uma regra, depende do animal e da maneira como se educa”, destaca a médica-veterinária.

Banhos são sinal de higiene, só que em matéria de bichos não se aplica a regra dos humanos. A frequência é bem diferente. Segundo Júlia Bragança, um cão deve tomar três banhos por ano, máximo dos máximos um por mês. Os gatos não precisam de tomar banho, lambem-se e lavam-se, necessitam apenas que alguém cuide do pelo. Os cães também precisam de pelo escovado, patas limpas com um pano húmido, pode ser uma toalha velha rasgada em quatro pedaços (dois para lavar, dois para limpar), depois de uma ida à rua. Cumpridas as regras de saúde e toda a higiene, dormir ou não dormir com animais é simplesmente uma opção. Uma decisão que exige responsabilidade.