Almoços diários com os colegas: sim ou não?

No caso de pessoas cujos perfis comportamentais “não fazem match” no ambiente laboral, a obrigação de partilharem um momento de descontração “podia ser contraproducente”

Os laços criados à mesa são uma mais-valia na hora de deitar mãos à obra. Mas lembre-se: uma gestão adequada das companhias é importante para um bom marketing profissional.

Rita Santos, 30 anos, começou a trabalhar numa agência de comunicação de Lisboa há mais de dois anos. Desde então que invariavelmente almoça com os colegas, juntam-se uns dez ao todo, três ou quatro que vão mudando, uma meia dúzia que se repete dia após dia, diferentes departamentos representados, graus hierárquicos também, algo “totalmente espontâneo”, vinca Rita. No caso dela, o grupo com que partilha as refeições teve muito que ver com o timing em que entrou para a empresa. “Entrei em junho de 2020, numa altura em que, por causa da pandemia, ainda havia pouca gente a ir para o escritório. E as pessoas com quem mais me dou são as que já iam nessa altura, que não eram assim tantas, daí também me ter conectado logo com colegas de outras áreas.” Mas a própria cultura da empresa ajuda a isso, garante Rita. “Eu já trabalho há dez anos e sempre tive ótimos ambientes de trabalho, mas nunca como o que tenho aqui. Há muito uma cultura de trabalho em equipa e de integração e respeito, de cima para baixo.” Daí que, e voltando aos almoços, se possam juntar tanto a administrativa como a rececionista, os partners ou mesmo o CEO da empresa. Desde que obedeçam a uma “regra” importante. “Quando alguém começa a falar de trabalho no meio da refeição há sempre um que lembra logo que ainda não é hora. A não ser que seja uma situação cómica ou caricata. Mas de resto tentamos sempre falar de coisas extra trabalho.”

E será este hábito dos almoços conjuntos vantajoso? Rita não tem dúvidas. “Claro que sim. Além de ser um momento em que conseguimos conviver com pessoas que não estão sempre nas mesmas reuniões que nós e falar com malta de outras áreas, a partir do momento em que conheces melhor as pessoas com quem trabalhas, sabes melhor o que esperar delas. Sabes por exemplo que a pessoa X vai lidar melhor com o cliente Y, que a pessoa Z é muito forte a montar uma dada apresentação. O facto de nos conhecermos melhor do ponto de vista pessoal acaba por ser uma mais-valia do ponto de vista profissional.” Sendo que, frisa a especialista em comunicação, o facto de se darem bem nunca é pretexto para haver paninhos quentes. “Quando as coisas correm mal, diz-se o que é preciso com frontalidade da mesma forma que quando correm bem festejamos juntos.” E com tantas horas passadas juntos, não se fartam? “Às vezes brincamos com isso. Dizemos coisas do género: ‘Já não vos posso ver à frente’. Mas a verdade é que além do trabalho e dos almoços ainda há dias em que saímos e decidimos ir beber um copo todos juntos. Acho que isso mostra que não há saturação nenhuma.”

O que nos leva a uma questão mais lata: almoçar diariamente com os colegas é produtivo ou o caso da agência em que Rita trabalha será só uma exceção num vasto leque de exemplos menos felizes? Artur Queirós, especialista em Psicologia do Trabalho e das Organizações, tem uma perspetiva marcadamente positiva. “Almoçar todos os dias com os mesmos colegas – na perspetiva de fomentar o espírito de equipa e todos se conhecerem melhor, tanto a nível de competências pessoais como profissionais – pode permitir que o relacionamento melhore”, defende. A explicação vai ao encontro da experiência de Rita Santos. “O facto de os colaboradores conviverem informalmente nesses momentos ajuda depois a perceber melhor certos comportamentos em ambiente laboral. Além de que os ambientes descontraídos abrem, em teoria, espaço para que se fomentem laços mais fortes. E isso vai, à partida, aumentar a nossa disponibilidade para apoiar os colegas quando mais precisam.”

Mas há ressalvas importantes a fazer. “É importante que estas situações aconteçam sempre de forma espontânea. Porque uma coisa é agendar aqui e ali uma ação de team building. Outra coisa é o quotidiano. Numa equipa de dez pessoas, obviamente não têm de ir sempre os dez ao mesmo restaurante. E é fundamental que haja sempre espaço à liberdade individual de cada um.” Até porque no caso de pessoas cujos perfis comportamentais “não fazem match” no ambiente laboral, a obrigação de partilharem um momento de descontração “podia ser contraproducente”. Se analisarmos a questão de uma perspetiva pessoal, há ainda outras considerações relevantes, que se prendem com “o marketing pessoal e profissional”. “Na perspetiva de desenvolvimento de carreira, de ascensão dentro da organização, o facto de os colaboradores conviverem sempre com as mesmas pessoas vai ser restritivo a nível de networking e mesmo de lóbi meritocrático, que é a capacidade de influenciar outrem para benefício próprio ou de outrem.” Portanto, almoçar com colegas sim, mas a melhor solução será mesmo diversificar. “Quando se passa tempo sempre com as mesmas pessoas, deixa-se de ter hipótese de mostrar as competências dentro da organização. Já se se tiver a capacidade de ir almoçar com outras equipas e departamentos, pessoas com diferentes graus hierárquicos, isso pode ser uma mais-valia.”