Margarida Rebelo Pinto

Adiar a vida


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

A felicidade é para ser mais vivida do que sonhada, o remorso mata e o arrependimento é uma sombra com peso e corpo que a consciência arrasta diariamente.

No que toca a ir a casamentos, a espécie humana divide-se em duas fações: a que adora ir e a que é arrastada à força, qual Maria Antonieta para a guilhotina. Todos temos memórias de tias com vestidos em forma de bolo de noiva e homens feitos pinguins graças a elegantes fraques, agrupados em pequenas quadrilhas, observando meninas casadoiras e uma ou outra senhora decotada, casada com um choninhas de óculos de massa e cabelo oleoso. Com os anos, tornou-se uma obrigação social, na qual a parte mais aborrecida é acabar agrilhoada a uma mesa repleta de desconhecidos, pois é sabido que ao povo português não é comum a desenvoltura de outros povos, como o brasileiro que faz conversa do nada, ou o inglês, que aprende técnicas de conversação nos colégios “posh”. Os convivas acanham-se e baixam a cabeça, quebrar o gelo é como fazer o caminho das pedras. Às donzelas sem anilha, recomenda-se estabelecer a comunicação com o elemento feminino do casal, porque só conheço dois tipos de mulheres casadas: as que estão sempre a controlar os maridos e as que fingem que não controlam os maridos.

Também existe o mito urbano que os casamentos são ótimos eventos para solteiros encontrarem um par, todavia, tal destino nunca me calhou. Prefiro confiar no acaso e acredito que é mais fácil uma pessoa apaixonar-se na fila de espera da lavagem de carros, porque o inesperado é que desenha a sorte. Sempre que almas bem-intencionadas me meteram em arranjinhos através do clássico estratagema do “blind date”, milénios antes do maravilhoso mundo das aplicações, acabei invariavelmente a olhar para o candidato com a mesma frieza com que escolheria uma cabeça de garoupa na praça do meu bairro.

O amor não se encomenda. É uma alquimia que os cientistas dissecam através das funções dos neurotransmissores e das hormonas, um caos químico que se transforma num caso sério, um mistério maravilhoso, um instante mágico que nos assalta o coração com tal assomo e convicção que só mais tarde paramos para avaliar compatibilidades.

Nas mil faces desta guerra tão desumana, emocionei-me com o casamento de Viktor e de Oksana na ala de cirurgia de um hospital em Lviv, a noiva aninhada nos braços do seu amor como uma pequena nuvem. A enfermeira perdeu as duas pernas e quatro dedos numa explosão, depois do casal ter chegado à cidade num comboio de refugiados. Perante uma pandemia, uma doença ou uma guerra, as pessoas dão o nó porque a vida não deve ser adiada. O tempo corre cada vez mais veloz, nunca sabemos o dia de amanhã. A felicidade é para ser mais vivida do que sonhada, o remorso mata e o arrependimento é uma sombra com peso e corpo que a consciência arrasta diariamente, mesmo quando fingimos que tomámos a decisão certa em ter desistido daquela pessoa que nos fazia voar como uma pequena nuvem nos braços de um poeta. O amor acorda o coração dos homens e aquece os das mulheres. Fernando Pessoa, génio de mil e um talentos, mas sem jeito para ser feliz, escreveu, “sou aquilo que perdi”. Prefiro ser aquilo que vivi.

Adiar a vida? Isso é para os choninhas, com ou sem óculos.