A volta grande

Joel Neto, escritor e cronista da "Notícias Magazine"

Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

O facto é que o pequeno Artur nasce no Outono, e para mim não podia haver melhor momento.

Há uns anos, um vizinho azedo viu-me a plantar uma araucária e veio debruçar-se no muro: “Para que estás tu a plantar essa árvore, homem? Já não vais chegar a vê-la crescida. E nem sequer tens filhos!” Perguntei-me se devia responder-lhe, mas achei que me tinha definido na perfeição.

Já nessa altura eu levava uma boa dúzia de anos sobre a idade em que se procria pela primeira vez. Era, segundo a maior parte das aritméticas, um tipo a caminho do crepúsculo – não inteiramente malsucedido, talvez, mas sem descendência a que legar o que herdasse ou construísse. De pouco me serviriam os livros que escrevesse, como aliás as árvores que plantasse: tudo, para mim, se acabava ali.

E, no entanto, eu continuava a preferir ser aquele homem: o homem que planta árvores mesmo que já não chegasse a vê-las crescidas. Preferia ser aquele homem e continuava a sê-lo, acho: o homem que planta árvores independentemente da idade – e que, ao plantá-las, ainda acredita que as vai ver crescidas, e trepar aos seus ramos, e empoleirar-se a comer os seus frutos, e dar desses frutos a provar aos filhos. Mesmo tratando-se de uma árvore sem frutos, isto é. Como uma araucária. Como ele.

Portanto, não é impossível que alguma coisa dentro de mim se tenha sempre recusado a aceitar a infecundidade. Uma obstinação assim não se edifica sem pelo menos algum género de esperança.

O facto é que o pequeno Artur nasce no Outono, e para mim não podia haver melhor momento. O meu primeiro filho chega-me numa década em que tantos dos meus contemporâneos começam a ficar sós, com os divórcios, o esvaziamento dos ninhos ou o simples advento da meia-idade. De repente, os meus melhores tempos estão para a frente, quando os de muitos estão para trás. A vida deles declina e a minha espevita, retumbante – como se acabasse de começar.

Para o Artur, claro, era melhor o pai ser mais novo. Em muitos aspectos, era. Mas, ao mesmo tempo, ele nasce numa altura em que eu tenho pelo menos algumas urgências resolvidas. Já não vou a todas, nem é provável que venha a ser seu rival, ou sequer seu concorrente. E, de qualquer modo, talvez ainda hoje me faltem o discernimento, o sentido de dever e o altruísmo essenciais ao exercício da paternidade, mas é ainda menos provável que os tivesse antes.

Um dia a Marta disse-me: “És uma pessoa com jeito para ser feliz”. Ter-me-ia enfeitiçado nesse mesmo dia se eu não estivesse já, desde o primeiro instante, terrível e irremediavelmente apaixonado por ela. Portanto, aqui estamos, os dois: à espera de sermos três. Ao passado, celebro-o: sou um escritor, a memória é o meu alimento. Apenas dei, como um dia me disse um amigo, a volta grande. O que podia ser um slogan se não se desse o caso de ser verdade.

E, quanto ao meu vizinho azedo, pois também não me fiquei a rir. No dia em que lhe disse que ia ser pai, aproveitou para me contar que (melhor ainda) vai ser avô. Não me pareceu inapropriado: talvez até venhamos a ser felizes ambos, aqui, numa casa a seguir à outra – a ver os nossos pequenos brincar.