A vida dos vice-presidentes de Câmara

Trabalham na sombra, mas estão sempre lá. Quase não se dá por eles, embora lidem de perto com os presidentes de câmara. De muito perto. Quando se comemoram 46 anos das primeiras eleições autárquicas em Portugal, fomos conhecer o que fazem e como são os dias dos vice-presidentes.

Mudança de vida por uma boa causa​​​​​​​

Conheceu um Governo por dentro – foi assessor da secretária de Estado adjunta do ministro da Economia e adjunto do ministro da Presidência entre 2003 e 2005 – e esteve no Parlamento como deputado pelo CDS, de 2016 a 2019. O regresso ao escritório de advocacia parecia não encontrar justificação para interrupções quando um repto inesperado, aproximava-se o verão do ano passado, o levou a voltar à vida política ativa. “Carlos Moedas, que então não conhecia bem e agora admiro e respeito”, sondou-o para integrar em lugar elegível a lista da coligação Novos Tempos (PSD, CDS, Aliança, MPT e PPM) à Câmara de Lisboa. “Na altura, não sabia sequer se iria ser vice-presidente”, revela.

As sondagens não sorriam e só no dia das eleições, a 26 de setembro, foi confirmada uma vitória que (praticamente) todos os vaticínios julgavam impossível. “Lembro-me de falar com a família e de ela própria considerar a hipótese de ganhar diminuta. Felizmente não teve razão”, diz.

Desde então, a vida “levou um trambolhão”, sem horas certas para nada, sem dias dedicados por inteiro à mulher e aos quatro filhos, sem descanso. “Mas não o lamento. O nível de responsabilidade e a dedicação obrigam a uma entrega maior”, frisa.

Filipe Anacoreta Correia
(Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)

Entre os pelouros que detém, conta-se o das Finanças. Ou seja, a responsabilidade de dirigir um “orçamento quatro vezes superior ao segundo maior orçamento do país”.

A relação com Carlos Moedas é de “grande proximidade.” Assenta numa “responsabilidade pelo conjunto do projeto” num quotidiano onde reina “a confiança do presidente em mim e em toda a equipa”. Nem o facto de militarem em partidos diferentes obstaculiza a relação institucional. “A coligação Novos Tempos une partidos, não é dos partidos. Foi sempre essa, e continua a ser, a nossa filosofia”, sublinha.

Há pouco mais de um ano em funções, Filipe Anacoreta Correia não tem dúvidas: “Gostei de ser deputado. No entanto, ser vice-presidente da Câmara de Lisboa é outro patamar. Porque numa autarquia as ideias ganham corpo e concretização, ao contrário do que acontece no Parlamento”.

Nome: Filipe Anacoreta Correia
Idade: 50 anos
Formação: Licenciado em Direito
Partido político: CDS


O lento caminho até ao lugar inimaginável

Nasceu em 1974, ano do 25 de Abril e da liberdade devolvida a Portugal, qual premonição para o que lhe viria daí na vida. Patrocínio Azevedo formou-se em Engenharia mas a política já o habitava. Inscreveu-se militante do PS em 1992, foi fazendo caminho e acompanhando aquele viria a ser seu mentor e líder, Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia desde 2013 e até então presidente da concelhia socialista local. “Um projeto que começou em 2005 e que culminou na vitória nas autárquicas de há nove anos”, recorda. Um pontapé nos tempos de insucessos em que as derrotas socialistas em Gaia se somavam, estrondosas, era o social-democrata Luís Filipe Menezes o dono da cadeira.

O convite para vice-presidente veio de surpresa. “Nunca fez parte dos meus objetivos de infância ocupar tal cargo, sequer ter funções executivas numa autarquia”, jura. “O presidente nem deu tempo para eu pensar no assunto. Como sempre gostei de desafios, aceitei.”

Patrocínio Azevedo
(Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

De início, foi a estranheza de quem vinha do setor privado, com outras práticas, velozes e eficazes. “Numa Câmara Municipal a burocracia muitas vezes impede de agirmos com a rapidez que gostaríamos”, explica. Patrocínio Azevedo não baixou a cabeça ao desalento e foi fazendo caminho. “Ser vice-presidente é um desafio constante. Ainda por cima tendo como número um Eduardo Vítor Rodrigues, alguém com uma capacidade de trabalho acima da média”, aponta. “Não tenho horários, funciono de segunda-feira a domingo. Entro na Câmara às nove da manhã e saio às onze da noite.” Nem os fins de semana são deixados à família porque “são dias para estar em proximidade com a comunidade”.

Uma década passada e três mandatos como vice-presidente depois, Patrocínio Azevedo não se arrepende. Diz sentir-se “um homem realizado por ajudar a resolver problemas”. Porque ser autarca é “uma missão de um eterno insatisfeito”. Como garante que o é.

O futuro, esse, será o destino a decidir. Nem o facto de agora liderar o PS/Gaia o impele a pensar noutros voos: “Veremos. O partido vai ponderar e cá estarei para aceitar o que for decidido”.

Nome: Patrocínio Azevedo
Idade: 48 anos
Formação: Licenciado em Engenharia Civil
Partido político: PS


A honra de ser o homem das mil tarefas

Vereador há três mandatos, Filipe Araújo fez parte desde a primeira hora do movimento independente que levou Rui Moreira à liderança da Câmara do Porto, em 2013, ano em que abandonou a militância no PSD. A vice-presidência só chegou após as segundas eleições ganhas pelo autarca portuense. “Foi uma decisão do presidente, uma honra que encarei como uma escolha natural.”

Chegavam então outras responsabilidades e, até, outra visibilidade. Dias que lhe têm dado oportunidade de lidar ainda mais de perto com Rui Moreira, “uma pessoa culta e cosmopolita, que dá grande liberdade de ação aos seus vereadores, sem nunca lhes negar apoio”, define.

Ser número dois na hierarquia da autarquia da segunda cidade é cargo que Filipe Araújo encara com especial preocupação de função. “Traz obrigações que não tinha quando era apenas vereador. Como a de substituir o presidente nas suas ausências ou a de o representar quando necessário”, exemplifica. Resumindo, uma exposição pública que dantes não lhe era tão frequente e que, por ser proporcionada por uma instituição como a Câmara do Porto, carrega consigo “um grau de compromisso maior e uma responsabilização pessoal e política também ela superior”. Uma “certa mudança” dos dias de Filipe Araújo, com agendas pesadas onde se confundem os compromissos relativos aos pelouros que ocupa – do Ambiente e Transição Climática e da Inovação e Transição Digital -, a que se juntam a presidência dos conselhos de administração das empresas municipais Agência de Energia do Porto e Porto Digital, além da liderança do Fórum do Ambiente da rede internacional Eurocities. “O trabalho é intenso”, assume.

Filipe Araújo
(Foto: Pedro Correia/Global Imagens

Daqui a três anos haverá eleições autárquicas a que Rui Moreira não poderá recandidatar-se por limitação de mandatos – vai no terceiro e último. Apesar de ter sido eleito há menos de um mês presidente do “Porto, o Nosso Movimento”, estrutura que sustenta politicamente o círculo próximo de Rui Moreira, suceder-lhe é questão a que se furta responder. “É extemporâneo falar disso. O meu único compromisso é trabalhar em prol do Porto”, assevera.

Nome: Filipe Araújo
Idade: 46 anos
Formação: Licenciado em Engenharia Eletrotécnica e mestre em Telecomunicações
Partido político: Independente


Das pistas de atletismo para o gabinete

Foi treinadora de estrelas do atletismo como Manuela Machado, Conceição Ferreira ou Jéssica Augusto, a quem ajudou a somar dezenas de títulos nacionais e internacionais. O desporto ainda lhe corre no sangue, ou não seja vice-presidente do Comité Olímpico de Portugal, ela que participou em sete Jogos Olímpicos. A política entrou-lhe porta dentro sem aviso prévio. “Nem nos meus sonhos mais recônditos tinha colocado esse hipótese”, desabafa. A hipótese de que fala Sameiro Araújo foi a de integrar o executivo autárquico de Braga, primeiro apenas como vereadora, em 2013, e desde o ano passado como vice-presidente. “Inicialmente, não aceitei. Já tinha imenso trabalho com os pelouros que tutelava e confesso que a vice-presidência me assustava um pouco pela importância da função e, sobretudo, pela dimensão da entidade que represento”, conta.

Até que uma conversa com o presidente Ricardo Rio a tranquilizou e a levou a dizer sim. “Tem sido um desafio diário, sobretudo nos momentos de substituição do presidente, onde me cabe a representatividade do Município nos mais diversos meios e contextos”, descreve.

O dia a dia é intenso, as atividades multiplicam-se, a carga horária também. “Ser autarca é um trabalho, literalmente, a tempo inteiro”, reforça. Entre o gabinete e a rua, os compromissos autárquicos ocupam-lhe uma média “entre oito e dez horas.”

Sameiro Araújo
(Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

As finanças, ou a escassez delas, são o principal obstáculo com que reconhece debater-se. A estratégia passa por gerir as contas “como se de uma habitação familiar se tratasse”, num contexto de “recursos limitados” que obriga “a uma priorização bem programada.”

O bichinho de treinadora de atletismo, esse, é que teima em não a largar. “É algo que me preenche e dá muito gozo e satisfação pessoal. Aliás, a continuação da minha ligação ao desporto enquanto treinadora foi uma condição que coloquei ao presidente Ricardo Rio quando aceitei o seu convite”, admite. Suceder-lhe é que está mesmo fora de questão: “Não tenho ambições políticas nesse sentido”.

Nome: Sameiro Araújo
Idade: 64 anos
Formação: Licenciada em Psicologia e ex-professora de Educação Física
Partido político: Independente eleita nas listas da coligação Juntos Por Braga (PSD, CDS, PPM e Aliança)


O enfermeiro a quem a política chamou de surpresa

Há um antes e um depois da pandemia na vida de todos, na de Carlos Mouta também. E com transformações que não imaginava antes de 2020. O coronavírus apanhou-o à frente da Unidade Local de Saúde de Matosinhos, período em que trabalhou de perto com a Autarquia, articulando estratégias para combater da melhor forma no concelho a voragem da doença. Pelo meio, em 2021, começaram outras estratégias, as das autárquicas, e veio um desafio especial, o de integrar as listas à Câmara pelo PS, onde milita há 15 anos, desde os 24. “Era deputado na Assembleia Municipal há um mandato, havia presidido à concelhia da JS de Matosinhos, contactei sempre de perto com as juntas de freguesia e a própria Câmara”, rebobina Carlos Mouta, há pouco mais de um ano vice-presidente de Luísa Salgueiro. “Senti que poderia dar resposta aos problemas do município”, expressa.

Ser vice apanhou-o de surpresa, “até porque não fiz qualquer exigência nesse sentido nem tinha expectativa para tal.” Poucos meses após assumir o cargo, e de ter jurado os pelouros da Intervenção Social e Saúde, da Participação Cívica e Juventude, da Transição Digital e Modernização Administrativa, dos Sistemas de Gestão de Qualidade, da Valorização das Freguesias e da Mobilidade e Transportes, surgiu a guerra na Ucrânia e, por arrastamento, todo o cenário social se alterou. “O conflito descaracterizou as nossas prioridades e obrigou a dar resposta urgente à questão dos refugiados e a todo o processo de inflação”, conta.

Carlos Mouta
(Foto: Gerardo Santos/Global Imagens)

“Tem sido um ano desafiante”, confessa. “Obrigou a que todo um processo de adaptação que seria natural tivesse que ser alterado devido a fatores externos”, explica Carlos Mouta, enfermeiro de formação, político por convicção. E admirador de Luísa Salgueiro, que já conhecia mas a quem não imaginava “tamanha energia para trabalhar a um ritmo imenso”. Lidar com ela, assegura, não acarreta dificuldades de maior. “Fomos ganhando uma forma de cumplicidade em que mesmo antes de qualquer um de nós dizer seja o que for já sabemos o que vamos sugerir fazer. Estamos alinhados.” Palavra de vice-presidente.

Nome: Carlos Mouta
Idade: 40 anos
Formação: Licenciado em Enfermagem
Partido político: PS


Dias loucos de uma montanha-russa sem fim

Francisco Rocha Gonçalves era vice-presidente havia poucos dias quando lhe calhou em missão entregar as chaves de habitação social a famílias desfavorecidas de Oeiras. Entre elas, estava uma mulher a quem tinha sido detetado um cancro terminal e que vivia com uma filha pequena em condições de miséria. Uma lição que ficou como mote para a atuação futura. “Ser autarca é participar na construção do bem comum e servir os outros. Não é uma profissão, é uma vocação.”

Vai no segundo mandato como número dois, a primeira posse ocorreu na véspera de Natal de 2017. Era assessor técnico de Isaltino de Morais quando o veterano autarca o convidou para seu vice. “Sou muito amigo dele mas desconhecia que via em mim qualidades para tais funções”, reconhece. Veio um mundo novo, “uma experiência intensa com uma dinâmica também ela diferente”. Um quotidiano “pressionante” em que o grande objetivo é “estar presente nas necessidades das pessoas e resolver-lhes os problemas”. No fundo, “é tentar chegar onde nos pedem para chegar”. Todos os dias, sem baixar armas nem render ao desânimo. “Ser vice-presidente de uma câmara com o a de Oeiras obriga a uma limitação da vida pessoal e familiar, muitas vezes prejudicada pela atividade intensa que desempenho”, assinala. “Tenho sorte porque a minha mulher e a minha filha compreendem as minhas ausências.”

Francisco Rocha Gonçalves
(Foto: Gerardo Santos/Global Imagens)

Conviver de perto dia após dia, hora após hora, com Isaltino de Morais é, também em si, um desafio. “Uma autêntica montanha-russa”, define. “Logo na primeira semana em que trabalhei com ele enquanto vice reparei que havia lixo no quintal da Câmara e comentei. Perguntou-me imediatamente do que estava à espera para mandar limpar. Ficou a lição de que os problemas são para resolver imediatamente”, diz. A amizade, essa, “manteve-se e fortaleceu-se”. Um Isaltino a quem não pensa suceder nas próximas eleições autárquicas. “A minha única preocupação é pensar se estou à altura da confiança dele, nada mais. O futuro a Deus pertence, mas liderar Oeiras não é algo que perspetivo”, garante.

Nome: Francisco Rocha Gonçalves
Idade: 47 anos
Formação: Licenciado em Relações Internacionais e mestre em Estudos Africanos
Partido político: Independente