Valter Hugo Mãe

A Reitoria da Universidade do Porto


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

A oportunidade de um cidadão comum se abeirar do universo académico é ínfima. O que eventualmente significa uma demissão da Academia em se explicar à comunidade que a sustenta, à comunidade que, tragicamente, perde a passos largos o respeito pelo saber e pela ciência.

O papel do professor António de Sousa Pereira como reitor da Universidade do Porto revoluciona por completo a presença da instituição na cidade e no país. A Academia portuguesa tem sido um mundo cansado, um espaço de competições em segredo que parece querer manter a multidão de comuns absolutamente de fora. Não agora no Porto. Não mais.

Lembro sempre a história que contava Agostinho da Silva, cuja moral era a de definir a boa escola como aquela cuja porta estivesse sempre aberta para que entrasse quem tivesse uma pergunta a fazer. A verdade é que as nossas escolas são obrigações intensas, e muito exclusivas, entre professores e alunos. A oportunidade de um cidadão comum se abeirar do universo académico é ínfima. O que eventualmente significa uma demissão da Academia em se explicar à comunidade que a sustenta, à comunidade que, tragicamente, perde a passos largos o respeito pelo saber e pela ciência. Para mim, todas as vezes que a Academia hostiliza a comunidade está a suicidar-se também.

A Reitoria do Porto, por outro lado, abriu seu monumental edifício e espólio e está a passos largos a tornar-se fundamental na movimentação cultural da cidade. Seja pela importantíssima conservação e mostra da fortuna em acervo, em parte da responsabilidade da equipa chefiada pelo professor Nuno Ferrand, seja pela constante actividade programada pela professora Fátima Vieira, a grande casa da Reitoria é hoje uma praça viva onde todos os que passaram pela universidade podem voltar, e onde todos os que queiram saber o que é uma universidade podem obter um vislumbre do que sabem e do que pensam os professores e os alunos. Ali, a universidade é já na prática da vida. É em uso da vida, e não na mera hipótese de um interesse para profissões e ocupações futuras.

Por motivos vários e gratos, tenho passado nessa praça inúmeras vezes. Há pouco, com maravilha, passei para ver Margaret Atwood, a quem se atribuiu o grau de Doutora Honoris Causa. Se a simples presença de uma das mais importantes figuras da Literatura do Mundo já seria festa bastante, o discurso de um genial Alberto Manguel fez-se a poética fundamental do dia. Atwood é a denúncia pela qual urgimos. Manguel é o absoluto do amor às palavras, aos livros, uma espécie de sábio do rigor e do belo.

A Reitoria está aberta. A Academia, com seus pudores costumeiros, haverá de mostrar o que entender mostrar. É magnífico que se possam oferecer ao grande público todas as conversas. A especialidade de cada assunto não tem de deixar ninguém de fora. Muito ao contrário. Pode ser exactamente a pista essencial para que alguém à deriva encontre o seu caminho. Até que todas as universidades entendam a necessidade de dizerem respeito ao inteiro da sociedade. E até que todas as pessoas entendam o quanto as universidades são humanizantes e melhoram o inteiro da sociedade.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)