A menopausa não tem de ser um inferno

Há mil e uma formas de atacar os efeitos que vêm com a menopausa, como os calores, os afrontamentos, os fogachos

Estigma tem vindo a esmorecer, mas ainda há informação importante que precisa de ser amplificada. Desde logo, a de que as mulheres não têm de se conformar com os sintomas.

Foi uma espécie de tempestade perfeita. Ali por volta dos 44 anos, Isabel Dinis, hoje com 52, despediu-se do trabalho que tinha e tardou a reencontrar-se com a estabilidade profissional. Algures nessa altura, o corpo entrou em estado de ebulição. Eram “calores horríveis”, eram os nervos e a rabugice à flor da pele, eram as dores no corpo – nos joelhos, então, eram de bradar aos céus -, os quilos que se foram acumulando apesar de ela jurar que “comia exatamente a mesma coisa”. “Ao ponto de eu, que não gosto nada de ir ao médico, pensar que precisava de ser vista urgentemente”, recorda, agora com um estado de alma bem distinto. Marcou com a ginecologista, foi à consulta, saiu de lá com um “diagnóstico” curto e breve. “Disse-me só que tinha um útero adormecido.” Isabel garante que pouco mais lhe foi explicado. Deduziu que tinha entrado na menopausa, mas, no essencial, continuou às escuras sobre aquele turbilhão insano que se apoderara dela sem pedir licença. Durante anos. “Naquele período nunca percebi bem o que estava a acontecer. Os ataques de ansiedade enquanto conduzia – logo eu que sempre gostei de conduzir! -, as alterações no sono, o porquê de estar a engordar ainda mais. Fiquei um bocado sem chão.”

E assim entrou numa espiral decadente, reconhece. Desleixou-se, ganhou mais 20 quilos, o casamento entrou “em declínio total”. Ao ponto de se ter separado. “Hoje percebo que fui eu que comecei a ser, como se diz hoje, ‘pica-miolos’. Todos estavam mal e eu é que estava bem. Passei a não suportar nada, não me sentia bem com o meu aspeto físico, tinha momentos em que chorava imenso. Mesmo para os meus filhos comecei a ter pouquíssima paciência.” Até que, em 2019, algures num artigo de um ginecologista de Lisboa, viu uma referência a um grupo no Facebook que abordava estas questões e resolveu aderir. Foi um lampejo de consciência. “Só aí percebi realmente a situação em que estava.” O conhecimento haveria de ser também o gatilho para uma metamorfose. “Comecei a mudar após perceber o que se estava a passar comigo.” A prova mais evidente é a perda de peso (já lá vão 15 dos 20 quilos que ganhou), mas há outras. “Já consigo caber no meu corpo, mesmo psicologicamente”, diz com graça. Só lamenta não ter mudado o chip mais cedo. “Tenho a certeza de que, pelo menos ao nível da ansiedade e dos ataques de pânico, teria sido tudo diferente se tivesse sido acompanhada por um médico ou um psicólogo.”

Um dia na vida de uma mulher

Mas afinal, o que é exatamente a menopausa? António Tomé, diretor de Ginecologia do Centro Materno Infantil do Norte (CMIN), responde assim: “A menopausa é entendida como a última menstruação, resultante do esgotamento folicular do ovário. No fundo, é uma falência definitiva do ovário, que esgotou o potencial de gerar folículos.” E deixa um sublinhado importante, para que não haja sequer margem para mal-entendidos. “Não é uma doença, é um estado fisiológico.” Estado esse que se desdobra em várias fases. Cristina Mesquita de Oliveira, fundadora da VIDAs – Associação Portuguesa de Menopausa e do Movimento Menopausa Divertida Portugal (o grupo a que Isabel se juntou em 2019), ajuda a detalhá-las. “A menopausa em si mesma é um dia na vida de uma mulher. É o dia em que se completam 12 meses desde que teve o último período. Mas há a pré-menopausa, a perimenopausa e a pós-menopausa. A pré-menopausa é o período que vai desde a primeira menstruação até ao momento em que a mulher dá conta dos primeiros sinais e impactos relacionados com o que se chama de menopausa. Aí, deixa de estar em pré-menopausa e passa à perimenopausa, que dura até ao dia da menopausa. Tudo o que vem depois disso já é pós-menopausa. O que está estudado pelas várias ciências que se debruçam sobre o assunto é que a fase mais rica em termos de efeitos e impactos que mais incomodam a mulher é a perimenopausa, muitas vezes confundida com um termo que a Organização Mundial de Saúde há muito propõe que se ponha de lado: o climatério.”

O que esperar? Cristina Mesquita de Oliveira esclarece que, em traços gerais, se espera “o impacto físico e emocional que as alterações hormonais implicam no corpo humano”. Tal como acontece no início da puberdade, por exemplo. Ou seja: “Alterações do período menstrual [tanto a nível da periodicidade como da duração], alterações físicas – como a secura vaginal, por exemplo – e alterações da temperatura corporal.” António Tomé acrescenta outros sintomas, apresentando uma espécie de cronologia que pode ser de extrema importância. “Numa primeira fase, a mulher vai ter os chamados sintomas vasomotores. Os calores, os afrontamentos, os fogachos. Bem como mudanças ao nível do sono e alterações emocionais: a labilidade emocional, a perda do humor, eventualmente a depressão. Numa segunda fase, temos a chamada síndrome geniturinária, que se caracteriza por uma atrofia genital da mulher, com secura, ardor, eventualmente incontinência ou mesmo infeções recorrentes. Em função disso, o padrão sexual também se vai alterar, até porque aumenta a probabilidade de haver dores e perturbação do orgasmo e da excitação.” Com o passar do tempo, outras alterações podem surgir. Desde logo, “alterações cardiovasculares e metabólicas, com aumento do risco cardiovascular”. Ou mesmo perturbações neurocognitivas. “Diminuição da memória verbal, dificuldade na concentração e na verbalização de frases”, enumera. Por fim, podem ainda surgir as doenças do foro osteoarticular. Como a osteoporose, por exemplo. “Podem” Esta é uma ressalva particularmente relevante. Porque, sublinha o responsável do CMIN, nem todas as mulheres terão estes sintomas.

O que fazer

E quando os têm? Essa é outra boa notícia: há mil e uma formas de atacar os efeitos que vêm com a menopausa. “Algumas mulheres precisam de ser ajudadas, precisam de tratamento. Seja através de terapêutica hormonal de substituição, de suplementos de cálcio, ou mesmo de cremes de aplicação tópica [na área vulvar], para que as infeções não sejam tão frequentes. Há como tratar e minorar os problemas”, enfatiza António Tomé. Também Cristina Mesquita de Oliveira chama a atenção para a importância da terapêutica hormonal, admitindo que há um estigma associado a este tipo de solução. “É verdade que tudo o que se refere a alternativas farmacológicas para atenuar os efeitos da menopausa também é possível de ser tomado por áreas menos confiáveis. Muitas vezes, vemos as chamadas ‘pílulas milagrosas’, com as chamadas hormonas bioidênticas, que são vendidas a peso nas farmácias e podem ser prejudiciais. E a verdadeira terapêutica hormonal acaba por sofrer com isso. É lógico que os médicos têm de ser chamados ao processo.”

A fundadora da VIDAs, que está prestes a lançar o livro “Descomplicar a menopausa”, editado pela Influência, alerta ainda para um outro ponto, que lhe parece fundamental. “Os próprios organismos do Estado não referem a menopausa como uma fase que deve ser acolhida e cuidada. Em termos estruturais, não há consultas de menopausa. As consultas de planeamento familiar acabam quando acaba o período fértil. Ora, é precisamente aí que as mulheres mais vão precisar de ajuda. Mesmo nas escolas, a questão da menopausa não está observada nos planos curriculares. A nossa vida reprodutiva tem um princípio e um fim. E isto tem que ser falado de alguma forma. Tal como já acontece no Reino Unido, por exemplo.” E deixa uma última reflexão, entre um desejo para o futuro e um lamento. “A menopausa deveria ser um dia para celebrar. Era sinal de que a toda gente a reconhecia e que era devidamente valorizada. Porque atualmente há uma espécie de norma social que arruma os assuntos relacionados com este tema para debaixo do tapete. A gente sabe que está ali, mas não se vai mexer porque não se está à vontade.”

Factos e números

51
A idade média da mulher quando entra na menopausa, segundo estatísticas internacionais.

Dia de sensibilização
Celebrou-se nesta terça-feira, 18, o Dia Mundial da Menopausa, criado com o objetivo de alertar as mulheres para as mudanças que acontecem com o seu corpo e incentivá-las a procurar um especialista que as possa ajudar a passar pelas alterações desta fase com tranquilidade.

60% a 80%
A percentagem de mulheres que vão sentir os famosos fogachos associados à menopausa.