Jorge Manuel Lopes

A inocência do doo-wop vem de longe


Crítica de música, por Jorge Manuel Lopes.

O doo-wop é um idioma essencialmente vocal, praticado sobretudo por jovens afro-americanos das grandes cidades. Um idioma que lida com os temas transcendentes da adolescência: amores que chegam e partem (mais os segundos do que os primeiros), festas, carros. Um idioma contemporâneo e contaminado pelo rhythm and blues e pelo rock e que assume múltiplas formas em canções com o coração ao pé da boca, pérolas cuja inocência não se esbate com o correr das décadas.

A mais recente demonstração do estado de graça do doo-wop é a compilação “This love was real – LA vocal groups 1959-1964”, editada pela Ace Records, especialistas em escavações arqueológicas sonoras. O título do disco é já uma prova de que se está a lidar com um documento maravilhosamente específico no tempo e no espaço, a que se junta outra pré-condição: quase nenhum dos 21 nomes aqui recolhidos teve algo parecido com sucesso ou carreira longa na música. A exceção é Danny Stewart, que se reinventaria como Sly Stone. A meia exceção, Arthur Lee Maye, prosseguiu uma carreira frutuosa como basebolista. Todos merecem ficar gravados na História, de uns tonitruantes The Wonders (aqui com “Please don’t cry”) aos peculiares The Dandevilles (dão-se alvíssaras a quem identificar a peculiar instrumentação em “Psychology”), do minimalismo de recursos da quase trágica “This wilted rosebud” de Bobby Sheen à dilacerante “I need someboy” de James Washington Lee. E em momentos mais enérgicos como “Jolly green giant”, de The Valaquans, vislumbram-se os ramos do doo-wop que se prolongam até aos Ramones.