A febre da Volta a Portugal em bicicleta

Adeptos incondicionais, fãs de corpo inteiro. Marçal Grilo, Rosário Pereira, Mário Lino, Roberto Carlos Reis e Henrique Delgado colecionam peças únicas, objetos com história. Postais, bicicletas, revistas, luvas, recortes de imprensa, fotografias a preto e branco. Este amor não se explica, vive-se. A maior prova do ciclismo português está na estrada de 4 a 15 de agosto.

Rosário Pereira era uma menina, a Volta a Portugal em Bicicleta durava três semanas, passava ao pé da sua porta, em Santiago do Cacém. Ia para a rua, adorava ver os ciclistas, toda aquela agitação como um dia de festa. Viu Joaquim Agostinho, Marco Chagas, Joaquim Gomes. “Esta paixão não se explica. É o cheiro, são as cores, é uma energia que não tem igual. Toda a gente está feliz, toda a gente é família. E eu preciso das pessoas, dos beijos e dos abraços. Só quem vive, só quem gosta, é que sente.” A magia da Volta.

Pouco depois dos 30, na viragem do século, uma mistura de sensações em relação aos ciclistas. Via-os de longe, queria olhá-los de perto. “Via-os como figuras quase míticas, seres extraordinários, tinha medo de me aproximar”, confessa. Via-os como heróis num pedestal. Com o máximo respeito. E nada mudou, continua a vê-los dessa forma. Até que há aquele dia. Calor abrasador, final da Volta, junto às baias, a dar água a quem precisa, um massagista, Paulo Silva, dá-lhe um lenço que traz na cabeça. Outro massagista junta-se à conversa. É o princípio de uma amizade e o início de conhecer a Volta por dentro. “Comecei a ir às provas como aficionada”, lembra. E tudo acontece. Participa em fóruns sobre a modalidade, nos primórdios da Internet, sempre muito interventiva, sempre a beber informação. Conhece mulheres ciclistas que se tornam comissárias internacionais. Começa a colaborar, pro bono, com a revista “Super Ciclismo”. Torna-se jornalista, entrevista ciclistas e outras personagens da Volta. Vidal Fitas, já como diretor desportivo do Clube de Ciclismo de Tavira, depois de sete participações como ciclista. Javier Benítez, ciclista espanhol, no início da carreira. “Era como se entrevistasse o Lance Armstrong”, revela. Começa a fazer fotografia, a colaborar com rádios e jornais locais, para contar as voltas da Volta em Portugal e em Espanha, os meandros do ciclismo, as histórias dos protagonistas, massagistas, mecânicos, elementos das equipas. E assim andou até 2007.

Marçal Grilo é adepto incondicional. Quando era miúdo, chegou a ter a meta à porta de casa, em Castelo Branco
(Foto: André Luís Alves/Global Imagens)

Marçal Grilo recua até 1948. Tinha seis anos, lembra-se da chegada da Volta a Castelo Branco, a mãe não o deixou aproximar-se, assistiu ao longe, recorda-se de Fernando Moreira, que venceu nesse ano. A partir dos anos 1950, a meta da Volta era mesmo em frente à sua casa, o pai tinha um supermercado, cedia o telefone aos jornalistas. Agosto de 1957, ciclistas espalhados pela sua terra, por pensões e restaurantes. Foi de manhã à noite, Marçal Grilo não parou um segundo. O dia foi intenso. “Fiz uma coleção magnífica de autógrafos”, conta o ex-ministro da Educação. De Ribeiro da Silva, que havia vencido o contrarrelógio Portalegre-Castelo Branco, 80 quilómetros de estrada. De Pedro Polainas, Fernando Maltez, Alves Barbosa. Nesse agosto, Alves Barbosa pediu para comprarem dois frascos de compota de pera de Alcobaça no estabelecimento do pai que, sabendo para quem era, teve gosto em oferecer. No final do dia, o ciclista passou para agradecer o gesto e ofereceu dois postais com uma fotografia à ciclista no Parque dos Príncipes, em Paris. Um para o pai, outro para o filho. Na altura, Castelo Branco era uma aldeia grande, a Volta era o único evento de dimensão nacional que ali acontecia em agosto, uma vez por ano, atravessando a EN18. E era a única maneira de ver as camisolas do Benfica e do Sporting fora de Lisboa, quando ainda não havia televisão.

Mário Lino ainda tem caixotes por abrir, material que encheria mais duas ou três salas do Museu do Ciclismo, nas Caldas da Rainha, nunca fez as contas ao dinheiro que gastou nas peças que foi comprando desde os 21 anos, agora tem 75, senão, confessa, “se calhar, caía para o lado”. Em 1999, doou o que tinha à sua cidade das Caldas, surgiu o Museu do Ciclismo, é diretor e anfitrião. Não, não lhe peçam para escolher um objeto especial. “Todas as peças são relíquias, todas merecem o meu apoio e o meu interesse”, responde. “É o conjunto que forma uma coleção relevante.” De 1 a 20, quão adepto é do ciclismo? “Só não digo a totalidade porque é sempre incompleto, seja de 1 a 20, seja de 1 a 50.”

Na prova de agosto de 1957, Marçal Grilo, ex-ministro da Educação, conseguiu autógrafos de nomes consagrados do ciclismo nacional
(Foto: André Luís Alves/Global Imagens)

O pai ofereceu-lhe uma bicicleta quando tinha nove anos, sentiu-se o melhor corredor do Mundo, a paixão espoletou. “Achava que era o Alves, já julgava que era ciclista.” Acompanhou várias Voltas, escreveu 21 livros, fez vários comentários para a televisão, uma fotografia que tirou foi transformada em selo de correio comemorativo da prova. Chegou a ser o transportador do material dos jornalistas – textos, rolos de fotos, fitas e vídeos – que levava a um bimotor da Força Aérea, que depois fazia chegar às redações e à RTP para as transmissões à meia-noite.

O afeto, a proximidade, os leilões solidários

É sagrado, sagradinho. Desde 1990 que Roberto Carlos Reis tira férias para ver a Volta, primeiro nos tempos de estudante, depois no trabalho. Nunca falhou uma Volta, pelo menos uma etapa tem de ser, este ano tem seis na agenda. O acordo pré-nupcial, confidencia, incluía essa cláusula. E há anos que a mulher, Carla, e os filhos, Paulinho e Maria Inês, o acompanham nessa paixão. Um amor com raízes na terra. “O ciclismo não é apenas um desporto. É dedicação, liberdade e muita paixão”, garante.

(Foto: André Luís Alves/Global Imagens)

Roberto é de Santa Maria da Feira, concelho fértil em ciclismo, com seis vencedores da Volta. Conheceu-os a todos. “Convivência de respeito e de amizade.” Fernando Carvalho quis oferecer-lhe a bicicleta com que ganhou a Volta de 1990, mas era responsabilidade a mais. Roberto, professor universitário e técnico superior de História na Câmara feirense, alimenta a esperança de ver nascer um museu do desporto na Feira. Guarda luvas, bidões de água, medalhas, obras técnicas, revistas, postais, fotografias, autógrafos, livros da prova. Tem umas luvas de Miguel Indurain, ciclista espanhol, oferecidas pelo próprio. Publicou a história do ciclismo em Santa Maria da Feira na revista “Villa da Feira” com grandes nomes, Manuel dos Santos, Sousa Cardoso, Mário Silva, Joaquim Andrade, Fernando Mendes, Sousa Santos (filho). E partilha as suas voltas numa rádio local e num jornal britânico para a comunidade portuguesa. “O ciclismo é uma família, todos se conhecem.” Há várias razões que explicam a mística. Passa ao pé da porta, não se paga para ver, “reconhece-se o esforço sobre-humano do ciclista”. E não há sobrancerias, os craques falam com todos, todos falam com os craques. “O afeto, a proximidade, as pessoas têm acesso direto.” O convívio antes das partidas, garante, é sempre extraordinário. Roberto tem mais de dez mil fotografias de ciclismo desde que a modalidade existe no concelho da Feira. A tradição é muito forte. E os dias em que a mãe Aldora e o avô António o levavam a ver a caravana passar na EN1, para aplaudir os ciclistas feirenses, não se esquecem.

Rosário Pereira, bancária, tem mais histórias para contar. Em 2005, dias de férias, máquina fotográfica, algumas roupas, cartão de crédito, imprime mapas do guia Michelin, atesta o Fiat Punto, e faz-se à estrada para mais uma Volta a Espanha, desta vez pelo norte. Sozinha, mais uma vez. Dorme em Vilar Formoso num hostel de beira de estrada, chega a Salamanca, estradas em obras, os mapas não servem, pára numas bombas de gasolina a pedir indicações para Zamora, cola-se a um carro de apoio da Volta que ia a passar. Semáforo vermelho, tudo muda, até que uma patrulha da Polícia de mota dá uma ajuda, acompanha-a até Zamora, até ao campo de futebol onde ia começar a etapa. “Foi uma festa, era o único carro com matrícula portuguesa no meio daquela barafunda”, recorda. Houve mais aventuras, refeições com a equipa da Movistar num autocarro, uma chegada descalça sob um sol abrasador porque os seus chinelos foram à vida.

Tudo se conjuga nesta paixão pelo ciclismo e as coincidências não se explicam. Jorge Nunes, que havia sido ciclista do Benfica, foi presidente da Caixa de Crédito Agrícola, onde Rosário trabalha. O banco patrocinava a Volta ao Alentejo e Rosário arregaçava as mangas, envolvia-se com a organização, marcava quartos, reservava mesas no restaurante, contratava e ensaiava as meninas do pódio. Há, de facto, peças que se encaixam naturalmente como um puzzle. “Há toda uma interligação. Sempre fui muito aficionada pelo Vítor Gamito [vencedor da Volta em 2000].” Tornaram-se amigos. O pai de Vítor Gamito é de uma terra próxima de onde mora, de Vale de Água.

Rosário é desapegada de objetos, duas mãos cheias de mudanças de casa, não acumula coisas. Não tem muitas recordações da Volta. “As memórias ficam.” Tem livros sobre ciclistas, alguns autografados, e uma pulseira amarela dada pelo próprio Lance Armstrong que ali estava à sua frente, numa Volta ao Algarve. Meteu conversa, ele com a namorada da altura, a cantora Sheryl Crow, não sabia bem para qual estrela se havia de virar, ficou-se no ciclista norte-americano que lhe deu a recordação que ainda hoje guarda. “Comecei a chorar, parecia uma patinha.”

Rosário Pereira, bancária, de Santiago do Cacém, cresceu a ver a Volta passar na sua terra. Olhava para os ciclistas como heróis, seres extraordinários. Fez-se à estrada e acompanhou várias etapas cá e em Espanha, por entre os dias das suas férias. Tornou-se amiga de vários corredores portugueses e estrangeiros. Na foto mostra uma pulseira amarela dada pelo próprio Lance Armstrong
(Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Marçal Grilo é adepto incondicional da Volta. “Tenho um grande interesse e um grande gosto pelo ciclismo.” Acompanha a prova desde 1998, todos os anos integra uma ou duas etapas. “Para mim, é uma distração, gosto muito daquele ambiente.” O professor e ex-ministro da Educação percebe a mística da Volta. Mais uma vez, recua ao passado, à Volta a Portugal a Cavalo, em 1925. José Tanganho venceu a prova, 1458 quilómetros em 25 dias, fez algum do percurso a pé com o cavalo por uma corda. Essa Volta, realça, “criou, no país, um espírito de coesão.” Era seguida pela rádio. E essa Volta a Cavalo foi o motor da Volta a Portugal em Bicicleta que arrancou com o mesmo percurso, os mesmos dias, o mesmo número de concorrentes. Depois, tudo o resto. “O período de competição entre o Nicolau e o Trindade empolgou o país.” O país seguia pela rádio, a Volta passava à porta das pessoas.

Henrique Delgado é um assíduo participante nos leilões solidários organizados pela Volta. A organização licita objetos, o dinheiro reverte para a Associação Salvador. Filho de pais emigrantes, nasceu em França, vive em Paris, cresceu a andar de bicicleta. Nos anos 60 do século passado, José Ferreira Delgado, seu pai, era ciclista em França, correu na RedStar, depois na Peugeot Cycle, equipa de Bernard Thévenet. “É muito fácil explicar as minhas compras nos leilões”, diz. Em 2015, estava em Faro, de férias, leu num jornal desportivo que a bicicleta do vencedor da Volta, Gustavo Veloso, e camisolas de várias categorias estavam em leilão. “O meu pai faz anos a 4 de agosto e que prenda mais original lhe podia oferecer? A bicicleta? As camisolas autografadas?”. Meteu-se a licitar tudo a ver se conseguia ficar com alguma coisa. Ficou com tudo, a bicicleta e cinco camisolas. “Foi uma loucura, mas foi uma prenda original para dar ao meu pai nos seus 70 anos. Como vi que a iniciativa era para a Associação Salvador juntei o útil ao agradável. E ajudar é quem mais precisa. Aqui começa a história dos leilões.”

Em 2016, não conseguiu nada no leilão por poucos minutos. Nos dois anos seguintes, conseguiu as bicicletas que venceram as Voltas de Raúl Alarcón. No total, já gastou cerca de 12 mil euros. O dinheiro não é o mais importante. “É um orgulho ter um pai fervoroso a quem devo este amor ao ciclismo.” O seu pai continua a andar por terras de Bragança, ainda este mês conseguiu o 1.º lugar, na sua categoria, no Grandfondo de Bragança. Aos 77 anos e com a famosa bicicleta de Gustavo Veloso.

Amor à camisola (amarela) e outros momentos

É amigo de vários ciclistas, um dos autores do livro “História da Volta” com Guita Júnior e Alves Barbosa, um colecionador atento. Marçal Grilo tem livros e revistas, uma montanha de material sobre ciclismo, que vai oferecer ao Museu do Ciclismo Joaquim Agostinho, em Torres Vedras. Neste momento, aliás, anda a fazer uma recolha de fotografias de Joaquim Agostinho para fazer uma colagem, arte a que se entrega de forma amadora, para oferecer ao mesmo museu. Tem posters, algumas bicicletas, postais, fotografias de várias cores. Tem a edição especial do jornal desportivo francês “L’Équipe” dedicada aos 50 anos da Volta à França, de 1953. Uma raridade. Tem um poster com a capa dessa revista que comprou numa barraquinha em Paris, junto ao Sena. Tem outras revistas, do mesmo jornal, dos 75 anos e dos 100 anos do Tour francês, em que Joaquim Agostinho aparece como uma das 100 figuras mais marcantes da prova e do ciclismo internacional. Tem um postal de Alves Barbosa de 1951, na sua primeira Volta, que venceu. Tem um prato comemorativo da Volta de 1939 oferecido por Adriano Moreira, que comprou para lhe oferecer, uma prenda entregue pela mulher. “Foi uma coisa muito carinhosa, muito simpática.” Tem um álbum com recortes de jornais dedicado a Joaquim Agostinho que não sabe de quem foi, com uma carta em francês dirigida ao ciclista que não sabe quem escreveu, que encontrou num alfarrabista.

Mário Lino é apaixonado pelo ciclismo e doou a extensa coleção, dedicada à modalidade, à sua terra natal, Caldas da Rainha. Assim surgiu o Museu do Ciclismo, no final de 1999
(Foto: Nuno Brites/Global Imagens)

É preciso recuar para recuperar a história. Mário Lino era caixeiro-viajante de lanifícios, tecidos, sedas, percorreu o país, foi colecionando objetos ligados ao ciclismo (tem também uma coleção dedicada ao cinema). O seu património é valioso. Tem a carta de controlo de António Augusto Carvalho, o primeiro vencedor da Volta, em 1927, numa altura que os ciclistas tinham um cartão que era carimbado nas localidades por onde passavam – não havia o controlo que há hoje, o percurso não era marcado como é hoje. A sua coleção tem camisolas, fotografias, taças, bicicletas, autógrafos, documentos únicos, no primeiro piso do edifício que é museu. Para Mário Lino, tudo é importante. “Um simples papel de jornal marca todo o ciclismo, é como se fosse uma barra de ouro.” Tal como todos os outros, compreende a mística à volta da Volta que vem de trás. “Atravessámos diversas gerações desde 1927, toda a gente corria para a estrada. Antigamente, andava-se com o vencedor às costas. Com o ciclismo, as notícias de Lisboa chegavam ao interior do país.” Não esquece jornalistas como Homero Serpa, Carlos Pinhão, Neves de Sousa, e os ciclistas Abílio Gil Moreira, Aristides Martins, Joaquim Leite. Nomes que aumentaram o seu gosto pela modalidade.

No tempo em que as Voltas passavam e não paravam nas Caldas da Rainha, Mário Lino tinha umas coisas combinadas. Antes de o pelotão passar, colocava-se na rua Heróis da Grande Guerra com o jornal “A Bola” na mão. Nessa altura, Onofre Tavares, um dos maiores sprinters da história do ciclismo português, conduzia o carro de apoio neutro. Mário levantava o jornal, Onofre Tavares parava e deixava-lhe algumas recordações, recortes de imprensa, fotografias. Usava o mesmo sistema com o jornalista Homero Serpa.

O Museu do Ciclismo tem um vasto portefólio de objetos, entre os quais o cartão de controlo do primeiro vencedor da Volta, António Augusto Carvalho, em 1927. Além das peças únicas, conhece a história do desporto que continua a seguir com muito interesse (Foto: Nuno Brites/Global Imagens)

A estratégia era motivo de coscuvilhice na terra. Não se importava. Todo esse material está no museu. Onofre Tavares comemorou os 90 anos de vida nesse museu, sentado numa cadeira, encostado a quatro painéis que Mário Lino fez para a ocasião com material à maneira e à altura do aniversariante. “Veio um autocarro carregado do Porto com bolo e vinho e fez-se uma festa”, orgulha-se. “O museu é um depósito de emoções de todos os que estão aqui representados, que continuam a ser vividos e a ser mostrados, aqui dentro continuam a correr e a fazer provas de ciclismo.”

Mário Lino passa os dias no Museu do Ciclismo, continua a fazer o inventário, atento ao bem-estar das suas peças. “Uma exposição não pode ser um armazém ou uma montra de um estabelecimento, tem de ter ar para respirar.” A entrada é gratuita, recebe cerca de seis mil visitantes por ano. E, todos os dias, sente a emoção de ver crescer o museu, a coleção, a história.

Joaquim Gomes, diretor da Volta a Portugal, nome maior do ciclismo nacional, 18 edições, duas vezes vencedor, sete presenças no pódio, também vai descobrindo relíquias. Para a apresentação oficial da 75.ª edição da Volta, em 2013, que queria que fosse um momento especial, andou a vasculhar em caixotes guardados pela família de António Augusto de Carvalho, vencedor da 1.ª Volta a Portugal em 1927, por entre recortes de notícias de jornais que quase se desfaziam nas mãos. Encontrou uma cigarreira de prata oferecida ao ciclista pelo Marechal Carmona, então presidente da República. Com a devida inscrição para assinalar o feito e a data de 15 de maio de 1927. Descobriu uma outra cigarreira oferecida ao mesmo ciclista, nesse mesmo ano, pelos autarcas da Póvoa de Lanhoso que davam uma recordação ao primeiro ciclista da Volta a aparecer na terra, na etapa Vidago-Braga. Descobriu também a primeira taça de vencedor por equipas guardada pelo Grupo Sportivo de Carcavelos e que esteve na apresentação da edição deste ano – a 83.ª Volta a Portugal Continente que acontece de 4 a 15 de agosto, que arranca com um prólogo em Lisboa, passa por Espanha, termina num contrarrelógio Porto-Gaia.

Joaquim Gomes, ex-ciclista, vencedor de duas Voltas, vai descobrindo alguns documentos históricos ainda do tempo a preto e branco. Relíquias de que o agora diretor da Volta fala com emoção
(Foto: DR)

Há outros tesouros como cartões da então União Velocipédica Portuguesa. A Volta tem coisas únicas. “É um desafio que, muitas vezes, se confunde com uma prova de sobrevivência. É uma forma fácil de chegar ao coração do povo”, garante Joaquim Gomes que conhece a Volta por dentro e por fora. E há momentos que não se esquecem. Aqueles dias em que o seu pai se sentava e ligava o rádio a pilhas para ouvir o que Joaquim Agostinho ia fazendo na Volta à França, de olhar fixo como se fosse um ecrã, não lhe saem da memória. Há imagens marcantes e ocasiões que ficam para o resto da vida. Da sua vida.