Jorge Manuel Lopes

A desconversar é que eles se entendem


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Os anos 1980 de The Rolling Stones continuam a ser absurdamente subvalorizados – com a exceção de “Tattoo you”, de 81, um improvável viveiro de sucessos que mereceu reedição de luxo em outubro último. Foi uma década de adaptações bem-sucedidas à modernidade, mesmo que longe de gerarem consenso no próprio quinteto (e as 14,6 pessoas que acham que o pico da carreira da banda foi atingido em 84 com os 12 minutos da “Dance version” de Arthur Baker para “Too much blood” estão certíssimas). Foi também o período de atritos mais sérios entre Mick Jagger e Keith Richards (e de uma breve mas inesperada, e tardia, derrapagem de Charlie Watts para as drogas duras), que se terão agudizado quando Jagger assinou contrato como artista a solo com a CBS. O ressentimento, entre o bélico e o conjugal, culminou com um registo em carne viva, “Dirty work”, álbum mal-amado mas brilhante de 1986, a banda a ser carregada às costas por Richards enquanto a sua cara-metade musical se entretinha com apreciáveis discos por conta própria: “She’s the boss” um ano antes, “Primitive cool” um ano depois.

Na ausência de qualquer possibilidade de digressão dos Stones, Keith Richards respondeu com a estreia a solo (quer dizer, com os X-Pensive Winos) praticamente em simultâneo, em 88, com “Talk is cheap”. No entanto, o ponto alto da curta discografia de Richards chegaria em 1992: “Main offender” reforça, de forma particularmente inspirada, o papel dos álbuns do guitarrista como ramos que se sentem confortáveis na proximidade do tronco estético The Rolling Stones (em contraste com as produções de Mick Jagger, que tendem a explorar ideias com curta margem de manobra na banda mãe). Ao lado de Keith Richards ouve-se o guitarrista Waddy Wachtel, o baterista Steve Jordan (que, com toda a lógica, herdou o lugar de Watts nos Stones), o baixista Charley Drayton e o teclista Ivan Neville. “Main offender” tem agora direito a reedição, a que se junta um segundo disco com a gravação de um concerto no Town & Country Club, em Londres, também em 92. As pazes com Jagger já tinham sido feitas, sem afetar o nervo.