Margarida Rebelo Pinto

Gato por lebre


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Falar em crescimento sem dar condições às famílias para o viabilizarem, é brincar com a vida das pessoas.

Os ingleses usam a expressão “you talk the talk but you don’t walk the walk” para quem diz que faz, mas depois é só conversa. Quando tal atitude se limita ao foro privado, cada um paga por si as consequências da sua inconsistência. Contudo, quando entramos no domínio público e social, em nome de uma miragem de um benefício comum, é grave.

O governo de António Costa podia entrar para o Guinness na categoria de “Medidas Eleitoralistas Para Atirar Poeira Aos Olhos”. É exímio em vender-nos gato por lebre com um sorriso rasgado, à espera de não ser apanhado na curva. É assim com as pensões, quando este ano dá mais, para nunca mais voltar a dar, e também com a bandeira das creches gratuitas para todas a crianças. Vamos por partes: se a lei só abrange crianças nascidas depois de 1 de setembro de 2021, que ingressam no primeiro ano da creche, então o que fazer com as que nasceram antes desta data? Por outro lado, a lei abrange apenas as amas inscritas na Segurança Social e as creches do setor social ou cooperativo, deixando de fora as do setor privado. Não sou um ás em contas, mas basta olhar para os números fornecidos pelas entidades competentes (INE e Pordata) para perceber que tal medida é insuficiente. Há vários anos que nascem, em média, cerca de 80 mil crianças por ano. O Governo sabe, ou tem obrigação de saber isto. Logo, ao afirmar que existem 44 mil vagas, está a cobrir menos de metade, além de ser uma medida sectarista. Se a lei não abranger o setor privado (o Governo diz estar em negociações com o mesmo, mas até à data, sem resultados concretos), a promessa eleitoral torna-se impossível de cumprir. Mais uma vez, além de eleitoralista, temos uma lei que mais parece feita para as instituições do que para as crianças.

Como podemos esperar que um país cresça se as mães não têm condições para pôr os filhos na creche? Num agregado familiar, vai trabalhar quem ganha mais, regra geral o homem. Quem tem um salário mais baixo fica em casa com os filhos. Só que os portugueses não podem fazer isso, porque apenas um salário médio não cobre todas as despesas. Sem falar das mães que têm os filhos a seu cargo, com pensões de alimentos ridículas ou inexistentes e sem apoio logístico por parte do progenitor que se limitou à função de dador de esperma. Mães que entram para o mercado paralelo, a amanhar horas aqui e ali, deixando os filhos nos avós ou em amas clandestinas, com desfechos não raras vezes trágicos. E assim se perpetua a precariedade.

Como podemos esperar que o pescador pesque se não lhe dermos a cana? E se damos cana a uns, porque não a damos a todos? E se existem instituições que podem suprir tal carência, porque não são incluídas na lei? Quanto mais cedo as crianças forem para a creche, maior será o seu desenvolvimento motor e cognitivo. Essas crianças são o futuro de Portugal. Falar em crescimento sem dar condições às famílias para o viabilizarem, é brincar com a vida das pessoas. Portugal tem hoje 40% de pobres. É uma enormidade para um país dito do Primeiro Mundo. As pessoas estão a roubar bens essenciais nos supermercados porque não têm dinheiro para comer. O presente é triste, o futuro é uma névoa. As creches para todos têm de ser mesmo para todos, ou então o Governo está a coartar o presente, a comprometer o futuro dos cidadãos que o elegeram.