O coração dá voltas e voltas que a razão desconhece e, já se sabe, tem vontade própria. Há motivos para regressar aos braços onde um dia se foi feliz e de onde um dia se saiu. A questão é conseguir sarar feridas, ultrapassar ruturas. Caso contrário, o romance é uma fita repetida.
É uma das últimas notícias de Hollywood no que ao amor diz respeito. A cantora e atriz Jennifer Lopez e o ator Ben Affleck estão novamente juntos ao fim de 17 anos. Namoraram entre 2002 e 2004, separaram-se, cada um foi à sua vida, reencontraram-se e agora não se largam. No mês passado, Jennifer Lopez anunciou ao Mundo a felicidade com um beijo apaixonado entre os dois, na sua página de Instagram, no dia em que celebrou 52 anos. Ela casada três vezes, ele uma vez, e lá voltaram aos braços um do outro. Vivem juntos em Miami e mostram-se apaixonados por onde quer que passam.
“No amor não há regras, há emoções e vontade de ser feliz”, refere Catarina Lucas, psicóloga clínica e terapeuta de casal. Há desejo também. “Podemos perfeitamente voltar a um antigo amor, sobretudo quando foi bom, quando deixou em nós um sentimento positivo, quando continua a fazer sentido ou quando voltou a fazer sentido.” Há, porém, um outro cenário. “É mais perigoso voltar a um ex-amor quando o mesmo terminou por incompatibilidades, deslealdade ou desrespeito.”
Voltar a um antigo amor? Porque sim? Porque não? Há razões que explicam essa vontade do coração? Sofia Taveira, psicóloga clínica, garante que não há um certo ou um errado nesta questão e realça que a Internet é uma porta aberta para reencontrar amores antigos. “As redes sociais estão a juntar pessoas que não se viam há imenso tempo.” Marcam-se encontros e o amor pode ou não voltar a acontecer. Nos amores da adolescência, não há um passado tão vincado, tão marcado, porventura, doloroso. Há memórias, boas provavelmente, e a história de uma separação ou por falta de maturidade ou por afastamento físico, por motivos académicos ou profissionais. Nos amores mais maduros, as histórias podem não ser bem assim.
“Há amores na adolescência e fica o sentimento”, comenta Sofia Taveira. Acontece com bastante frequência. “Não era a altura indicada, estavam em momentos diferentes, o amor não morreu, a vida é que levou a outros caminhos.” Ou estava-se numa relação e não se percebeu que afinal era aquela pessoa, que aquele amor fazia todo o sentido, e não se saía daquela busca incessante de algo que era um sonho. “O outro é que me fazia feliz, ali é que estava feliz, ali é que estava bem.”
Um amor mais leve, um amor mais tranquilo, um amor mais realizado. Quem não procura essa felicidade? “No final, estamos todos à procura daquele abraço, daquele colo, daquela segurança.” Em qualquer caso, Sofia Taveira aconselha a esclarecer o que é preciso clarificar. “O que é mesmo importante é que percebam se há alguma ferida aberta com a qual conseguem ou não viver.” As mágoas que ficam, os ressentimentos que não passam, as marcas que corroem uma relação. Tudo conta, tudo importa.
Sarar feridas do passado é fundamental. “É importante avaliar as razões pelas quais não deu certo na altura e tentar entender se as mesmas continuam presentes e farão as coisas não resultar novamente”, realça Catarina Lucas. Voltar a um amor passado pode implicar perdoar velhas mágoas, desentendimentos, incompatibilidades. “Pode também terminar por deixarmos de amar, mas nestes casos é mais difícil voltarmos a equacionar um regresso.” Catarina Lucas reforça que é importante perceber o que correu menos bem para não repetir os mesmos erros. “É preciso também estar aberto, recetivo e, de alguma forma, deixar no passado o que é do passado e viver a relação no presente.”
Teimosia e orgulho
A atriz Elizabeth Taylor dizia, com alguma graça, que era mulher comprometida. Comprometida em casar várias vezes. Oito casamentos, sete maridos, uma vida amorosa intensa e conturbada. Aos 18 anos, já estava casada.
Richard Burton, o galã inglês, apareceu na sua vida mais tarde, conheceram-se no filme “Cleópatra”, e foi um dos romances mais badalados de Hollywood. Casaram-se em 1964, relação tumultuosa, brigas e reconciliações, reconciliações e brigas. Dez anos depois, estavam separados. O afastamento durou pouco. Um ano depois, estavam de novo juntos e voltaram a casar. Um ano depois, estavam definitivamente separados. Ficaram amigos para sempre, até à morte de Burton em 1984. Mantinham longas conversas ao telefone, conta-se que Liz Taylor tinha uma fotografia de Burton ao pé da cama. A atriz casou mais duas vezes, com um senador americano e com um operário de construção civil. E voltou a divorciar-se. Hollywood é, de facto, terreno fértil nestas histórias de amor.
Catarina Lucas fala do conforto do que se conhece e do desconforto do que não se conhece, de entrar em novas relações por medo do desconhecido. “Há ainda o perseguir de um projeto de vida, de um sonho, de algo que um dia idealizamos com aquela pessoa”, acrescenta a psicóloga “Assumir que se falhou num projeto, mesmo que amoroso, a que nos propomos é algo com que temos dificuldade em lidar. Por vezes, continuamos a tentar apenas por ‘teimosia e orgulho’”, sublinha.
Há outra razão de peso. “Os amores não concretizados tornam-se eternos.” Catarina Lucas aprofunda este ponto. “A ideia do que poderia ter sido se tivessem ficado juntos pode permanecer uma vida inteira e é capaz de nos levar a cometer as maiores loucuras. Esta ideia faz-nos criar sentimentos de grande expectativa e desejo de reencontrar a pessoa. Contudo, o reencontro, por vezes, pode ser uma desilusão.” Há também o amor genuíno que prevalece e que faz resultar vidas a dois mesmo passados muitos anos. “Há casos em que as pessoas dão voltas, mas acabam por voltar à mesma relação porque o sentimento é forte. Gostar de alguém implica, muitas vezes, perdoar, dar oportunidade e tentar novamente”, sustenta.
Mais Hollywood, mais uma história. Melanie Griffith e Don Johnson conheceram-se nas gravações de um filme em 1971. Romance, paixão, amor, casaram-se pouco depois. Alguns anos de vida em comum, separação no início de 1976. Divórcio. Passaram-se 12 anos, tinham decidido não se verem mais, o destino trocou-lhes as voltas. Em 1988, casavam-se pela segunda vez e tiveram uma filha, Dakota Johnson. Algum tempo depois, estavam novamente separados. E nunca mais se voltaram a juntar como marido e mulher.
Felicidade e impulsividade
A psicóloga Júlia Machado, do Hospital Lusíadas do Porto, lembra a complexidade do conceito de felicidade até porque as relações procuram esse estado máximo da alma, esse sentimento supremo. Por vezes, era-se feliz e não se sabia, só depois de toda a experiência, do envolvimento, das partilhas, do que ficou, do que se recorda com saudade, se percebe que a felicidade era afinal o que se tinha vivido. “Podemos regressar ao que não sabíamos que tínhamos e que era muito importante”, assinala.
A maturidade é também um elemento importante neste assunto, crescer e perceber o que se quer, o que faz sentido, e a ciência explica as borboletas na barriga, o que se sente num beijo ou num abraço, os benefícios do amor, as substâncias que se libertam dentro do corpo que dão uma sensação de prazer e fazem parecer que o Mundo é cor-de-rosa.
“A gratidão ativa o nosso sistema de recompensa no cérebro. Olhamos para as pequenas coisas e sentimo-nos gratos por elas”, resume Júlia Machado. Pode ser igual no amor, não haver gratidão nessa relação, não aproveitar, sair, bater com a porta. Há, na verdade, muitos detalhes no amor. “São emoções, são lembranças. E quando nos lembramos de algo positivo, libertamos hormonas positivas.” O passado tem esse efeito se as memórias são felizes.
Mas podem não ser. É o que é e é preciso arrumar o que é necessário arrumar. Sofia Taveira recomenda parar para pensar. “Há que fazer uma reflexão, porque houve essa rutura. Essa é a chave para tudo. Há coisas no passado que, não sendo resolvidas, se vão perpetuar no futuro.” “Cada pessoa tem a sua personalidade, as suas crenças, a sua forma de estar na vida”, adiciona.
Se há marcas que ficam, então, é preciso que sejam resolvidas, tratadas, cuidadas. Há situações e memórias que não podem ser empurradas para debaixo do tapete. Os recomeços exigem corações resolvidos. “Se é algo que não se consegue resolver, a incompatibilidade não vai mudar”, avisa Sofia Taveira. Uma traição, por exemplo. Vai voltar a acontecer? Não vai? Coloquem-se as cartas em cima da mesa para perceber se vale ou não a pena tentar outra vez e seguir em frente. Entrar numa relação em que as traições não são perdoadas não é bom sinal. Há outros sintomas que não agoiram um final feliz. “Há muitas relações que são retomadas por impulso e pelo medo de ficar sozinho.” É preciso perceber: não há mais nenhuma alternativa ou há um amor apaixonado? E a resposta tem de ser clara.
Há muitos fatores nesta equação, o resultado final não é previsível, o ser humano é demasiado complexo. “Depende da memória, de como se a utiliza, depende da história de cada um, de como acabou, de como é que foi”, enfatiza Júlia Machado. “Estar bem consigo para estar bem com os outros. A prioridade é tratar de si. Para um amor genuíno é preciso sentir-se bem.”
Comunicar, comunicar, comunicar. Sofia Taveira destaca esta parte que é crucial. “Ter à-vontade de falar sobre o que se quiser para perceber se é aquela pessoa que querem ter ao seu lado, se vale a pena voltar a apostar nessa relação.” Falar com verdade, com sinceridade, com honestidade. Não usar capas, não colocar paninhos quentes, não camuflar o que o coração sente. “O romance é uma coisa maravilhosa e nenhum amor aguenta se não for sustentado.”
O amor é algo difícil de definir e de compreender. Tem razões que a razão desconhece. Não há uma fórmula que o defina e que o enquadre. O amor e a razão. “O desafio é tentarmos equilibrar estes dois pratos da balança, o que, por vezes, se torna difícil. Há momentos em que temos de ser emocionais e deixarmos o sentimento falar. Há outros em que é importante ‘pensar com a cabeça’, avaliar de forma prática e racional, já que no amor, o sentimento tolda muitas vezes a visão”, observa Catarina Lucas. “O amor é também uma idealização e nem sempre aquilo que amamos é real, mas sim uma construção nossa”, acrescenta. O amor é o amor. Ponto final.